Petra sempre teve uma vida fácil e feliz.
A percepção de alguém que sua vida foi algo, boa ou ruim, fácil ou difícil, viria somente em momentos importantes que marcariam uma mudança de sua vida, como: No Dia que percebeu amar alguém, no dia de seu casamento, no dia em que perdesse alguém importante para si, no dia em que se visse face a face com uma situação traumatizante. Entre dezenas de outras possibilidades, era uma forma de reflexão da vida nesses pontos.
Para Petra, foi naquele momento.
Quando ela fez uma coisa estúpida por uma imaturidade infantil.
Petra sempre soube que era uma criança considerada fofa pelos outros. Fossem seus pais lhe dizendo esses tipos de coisas, fossem os outros adultos da vila tratando-a bem, ou mesmo seus amigos que pareciam disputar por sua atenção para brincarem, disputando por sua mão e atenção. Algo que ela percebeu bem cedo na vida, e ela aproveitou. Aproveitou para tirar vantagens em algumas situações, aproveitou para escapar de punições ou ganhar presentes, aproveitou para manipular os outros através do fato de ser considerada fofa.
Era sua habilidade especial, então, ela usou isso ao máximo para viver uma vida feliz. Algo que ela não deixaria de aproveitar, como outros também não perdiam a oportunidade de usar suas habilidades pessoais para tirarem o melhor proveito das situações ao seu redor — uma forma bem adulta de se pensar, apesar de sua tenra idade.
Só que ela ainda é uma criança, uma garotinha pequena e ingênua.
Então ela não estava livre de cometer erros ou agir impulsivamente em algumas situações. Entre elas seria quando provocada pelos outros.
Um de seus amigos tinha desafiado-a para realizar uma brincadeira simples.
Ir pela floresta dos Majuuns, até as pedras que protegiam os arredores, sair, e trazer mesmo que só um único pelo das terríveis criaturas sanguinárias. Uma brincadeira que todos esperavam que ela fosse recusar. Algo que normalmente qualquer outra criança recusaria, pois também compreendiam a estupidez de aceitarem algo assim, porque ninguém era estúpido para agir dessa forma com criaturas tão perigosas.
Só que Petra tinha algo que foi criado pelo seu tempo de manipulação: Ego. Seu ego criado pelo quanto ela era elogiada.
Isso a fez aceitar o desafio. Contra o bom senso de todos seus amigos, ela aceitou fazer isso. E seguiu de cabeça erguida pela floresta e iria até além da barreira que protegia a vila só para pegar um pelo de Majuun. O que foi uma decisão precipitada que foi fortificada pelas risadas e zombarias de que ela não seria capaz, além dela ter notado que eles pensaram que ela recuaria — o olhar brincalhão deles quando ela adentrava na floresta — e isso só feriu mais seu ego, pois a impulsionou a continuar para mostrar-se para todos como alguém excepcional. Pois era assim seu ego.
O ego de uma garotinha que teve uma vida curta, boa, feliz. Cercada de pessoas que presenteavam-na com o que ela pedia e com os elogios que a fizeram pensar em si de uma forma grandiosa, mesmo ainda tão jovem para pensamentos tão orgulhosos e arrogantes.
Talvez ela tivesse percebido isso. —— Não, ela percebeu.
Quando continuou caminhando pela floresta, quando passou o ponto em que era seguro. Foi o primeiro sinal, a primeira vez que ela engoliu em seco por medo em muito tempo, já que sempre podia apelar para o fato de ser fofa ao lidar com os adultos e pessoas de sua vila. Mas e os Majuuns? Foi o que sua percepção rápida a fez notar, quando continuou a andar imprudentemente para frente sem pensar a respeito se deveria ou não continuar.
Petra continuou seu caminho. Internamente pensando encontrar uma das criaturas aterrorizantes inconsciente, morta ou dormindo para roubar um de seus pelos. Ao mesmo que desejava voltar o mais rápido possível, imaginando a cara de todos seus amigos e pessoas importantes com faces de preocupação — um desejo de que todos estivessem preocupados era um pouco egoísta e arrogante, mas ela sabia que era o que eles sentiriam por qualquer um da vila.
Mas ela continuou se guiando pelo seu impulso, pelo seu ego. Para se mostrar. E prosseguiu imprudentemente.
E foi quando aconteceu.
Um Majuun com o formato de uma espécie de cachorro saltou das arvores, com um rosnado feroz e uma expressão raivosa. Uma criatura que fez a pequena garota cair de bunda no chão.
Foi assim que a cena se decorria com a pequena garota;
As pernas tremendo com as pontas dos joelhos batendo um contra o outro, elas estavam fracas demais para se levantar. Suas mãos apertadas uma contra outra na frente de sua boca aberta em horror. Os olhos arregalados, derramando lágrimas, com um pouco de ranho.
Choque, horror.
Era o que ela sentia naquele momento.
Uma criança frente a um monstro.
Aquele Majuun pouco se importaria com o quão fofa Petra era. Na percepção dele, ela seria só mais uma refeição qualquer que logo iria parar no estomaga e mais tarde ele esqueceria que a devorou quando não se tornasse nada em sua barriga. Um fim terrível para uma criança como ela, tão fofa e com expectativas e sonhos — se tornar uma costureira na Capital e casar-se com um Cavaleiro ou alguém parecido, aspirações infantis que poderiam nunca se tornar realidade.
Nesse momento foi que Petra percebeu o quão boa tinha sido sua vida, o quão fácil ela viveu. Percebeu o quanto foi mimada e como isso gerou o ego que a levou a fazer um ato impensável para se mostrar de forma desnecessária.
[Petra: Pai... mãe...]
Apelou. Mas ela sabia que era inútil, pois eles não apareceriam e nem seriam capazes de salvá-la.
Só que era o chamado de uma criança assustada.
O monstro aproximou-se, rosnando, babando. Sedento para devorá-la. E ele o faria em instantes, pois Petra seria incapaz de lutar ou fugir. Por ser fraca demais frente a uma criatura dessas e por ser mais lenta ou estar assustada demais para sequer cogitar tal ato.
Petra morreria e só nesse momento compreenderia o quanto viveu bem e nunca aproveitou completamente. Quais foram as últimas palavras que ela disse para seus pais?
[Petra: Pai... mãe... eu amo vocês...]
Ela não conseguiria transmitir tais palavras que ela agora queria tanto dizer.
Ele saltou contra garotinha.
Seria o fim. Em apenas uma mordida, ela teria sua cabeça arrancada e seu sangue explodiria do lugar em que ela fosse arrancada. —— Mas, não.
[Petra: H-Hum?]
Petra abriu uma pálpebra lentamente, tendo fechado os olhos para não ver as presas da enorme criatura que esmagaria sua cabeça — tentando diminuir o choque em um ato instintivo de negar a realidade visível — e viu algo.
O rosto do Majuun sendo acertado por uma pata.
A pata acertou o topo da cabeça. — Não, várias patas acertaram o topo da cabeça do enorme monstro e o afundaram contra o som.
CRACK
Veio junto o som nauseante do crânio sendo esmagado contra o solo, como sangue também espichando. A língua do monstro caiu para fora de sua boca semi-aberta, enquanto baba e sangue escorria, alguns dentes até perfurando-a.
[Petra: ——?!]
Os olhos de Petra se arregalaram pela visão da criatura morta. Mas ainda mais ao ver o que, ou melhor quem tinha matado tal monstro com tanta facilidade.
Ela viu coelhos.
Coelhos brancos de olhos vermelhos e com um chifre no topo de suas cabeças. Só que um se destacava em especial entre esse grupo, um diferente de todos: Um coelho preto de olhos escuros com laranja, um chifre maior do que todos os outros, como seu tamanho se destacava em meio aquele grupo — se sua pelagem e olhos não fossem o bastante juntamente de seu chifre. Cada um com presas afiadas de coelho, movendo os narizes de forma veloz.
O coelho preto era o líder. Mesmo que Petra não soubesse como, ela deduziu isso facilmente ao ver sua postura diferente dos outros nove que cercavam-no naquele momento. Pois ele estava de pé em duas patas, enquanto os outros estavam em quatro, com os olhos fixos no movimento do coelho negro.
Um movimento.
Quando o coelho negro levantou sua pata direita dianteira, eles agiram. Os coelhos brancos como outras dezenas de coelhos que saltaram das arvores começaram a devorar o Majuun morto pelo ataque repentino daqueles primeiros dez.
Petra assustou-se.
Percebendo que aqueles não eram coelhos simples. Mesmo ela sabia sobre as perigosas criaturas que se destacavam entre as bestas mais conhecidas do mundo, entre elas: O Grande Coelho.
A criatura devoradora de carne com um nível de periculosidade no nível de seus “irmãos”.
Nessa situação. Aqueles que se percebessem próximos de tal criatura, tremeria. Percebendo ser o fim de sua vida ao ser alvo deles. —— Mas estranhamente Petra não sentiu isso, não quando viu aquele coelho negro calmamente até ela e encostando uma de suas patas na sua perna esquerda. Ela sentiu algo diferente de medo. O toque, como seu olhar. Aquele coelho parecia um irmão mais velho carinhoso que transmitia uma mensagem clara.
“Não se preocupe, está bem? Você está segura.” seriam essas palavras que ele estava tentando transmitir. Mesmo sem entender como, ela sabia que era isso o que ele estava falando.
Instantes depois os coelhos tinham terminado sua refeição.
Eles estavam parados, alinhados. Esperando. O coelho negro de olhos assustadores, era isso que eles estavam esperando, e este que se interpunha entre Petra e as criaturas devoradoras de carne e com fome infinita conhecida pelas histórias transmitidas por aqueles que tiveram o infeliz azar de serem atacados e sobreviverem para contar sobre os horrores que presenciaram.
Outro mover de patas e um guincho. Isso fez vários coelhos se moverem ao redor de Petra, enquanto o de pelugem negro encarava-a ainda de maneira amigável.
Sem entender como sabia aquilo.
Petra levantou-se, cercada pelas criaturas. Ela agarrou o coelho negro carinhosamente e o segurou firmemente em seus braços e começou a caminhar. Os coelhos que a cercavam-na não iriam atacá-la, mas sim atacariam quem ou o que fosse tentar atacá-la e ao líder de seu bando enquanto seguiam o caminho de volta para vila de Arlam.
Não demorou muito até chegarem. Um grande alivio instaurando-se em seu peito quando chegaram na frente da barreira.
[Petra: —— Obrigado.]
Mesmo em choque por tudo o que aconteceu, ela se lembrava de tudo o que fez ao despedir-se daquela tão fofa criatura. Colocou-a no chão, acariciou sua cabeça, recebendo uma pequena lambida nos dedos e ela permitiu-a pegar alguns de seus pelos quando esta pediu — contando sua história do porque tinha entrado no caminho que seguiram com ela carregando-o — e se virou, seguindo seu caminho acompanhado pelos outros coelhos.
Ninguém acreditaria na história que ela presenciou. Petra percebeu em seu interior tal verdade, não quando se tratava de uma história sobre tal criatura lendária.
Mas Petra se lembraria com carinho do coelho de pelagem preta, olhos escuros com laranja assustadores e de como ele gentilmente comandou para seus seguidores, seu bando, escoltá-la em segurança para sua vila, a protegendo de qualquer outro predador, tudo pela decisão impulsiva da garota.
Petra guardaria essas memórias para sempre. Sobre o Grande Coelho Negro.
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