História Reversível - Entrelinhas

Uma coisa que me surpreendi com o passar dos dias da qual planejei o projeto com Huang Renjun é que, por incrível que pareça, ele consegue ser bastante enrolado — apesar de não ter sido nada que me deixasse estressado ou desmotivado a fazer as minhas tarefas corretamente. Eu, de fato, estava muito agradecido pela mente diabólica dos meus dois amigos, já que passar mais tempo com o chinês estava me fazendo extremamente bem.

Tão bem que mais uma vez, por sua causa, eu mal senti o efeito do dia 29, que marcava outro mês que já não convivia com o meu pai.

Quando me dei conta disso não me deixei abalar por isso, tendo na cabeça que ele não gostaria que eu me condenasse a sofrer toda vez que o maldito dia se concretizasse. Lee Nohyun, acima de qualquer outra pessoa, queria que eu fosse feliz e isto me foi provado diversas vezes.

Dessa forma, o mês extenso de maio passou e isso estranhamente me trouxe uma ansiedade que não pude explicar. Me esforcei em tentar esquecê-la, mas não consegui. A sensação de que algo ruim aconteceria continuava a me perseguir minha mente. O que me era possível no momento era focar no meu colega de trabalho, que como sempre, me desvirtuava do mundo com facilidade.

Estávamos os dois em minha casa; era sexta-feira e com isso a nossa semana de provas tinha se findado, nos dando mais liberdade para fazer o projeto calmamente. Em algumas horas seria o primeiro jogo de Jisung e eu me sentia profundamente ansioso.

— Você está bem inquieto. — Huang Renjun comentou, enquanto me olhava preocupado. — Aconteceu algo?

— Hoje é o jogo do Sung. Estou um pouquinho ansioso.

O chinês largou a caneta e o caderno que usava para anotar algumas informações sobre os pontos turísticos que havíamos escolhido até então em cima da minha cama, para então virar-se em minha direção e me encarar. Me olhou tão atentamente que me senti nu, antes de novamente perguntar:

— Não está ansioso por conta dele, está?

— Perdão?

— Você está ansioso pelo Jisung ou porque vai estar numa quadra de basquete?

Arregalei os olhos, chocado, fazendo com que o outro soltasse uma risadinha completamente adorável, para então novamente me encarar, entretanto, desta vez, com um olhar mais atencioso.

— Não é melhor você ficar em casa então?

— Não posso fugir disso para sempre. — Suspirei. O meu amigo observou meu quarto e parou quando viu seu próprio celular na escrivaninha em que eu estava.

— Se precisar, me mande mensagem lá. Sabe, pra se distrair.

Eu sorri, concordando.

Caímos num silêncio estranho em que apenas nos encarávamos. Praguejei mentalmente naquele momento Donghyuck e Jaemin ao notar que eu mais uma vez naquela semana me peguei analisando os lábios bonitos do chinês. Até então eram poucas as vezes que eu tinha algum pensamento do tipo, mas desde que os meus amigos insinuaram aquilo — e ao longo da semana fizeram a minha ficha cair ao notar que Renjun, de fato, parecia ter algum interesse em mim — diversos cenários relativamente íntimos permaneciam com uma irritante insistência na minha mente.

— Bem... Eu pensei em botar o DDP no trabalho. — Falei, antes de desviar o olhar bruscamente para o monitor do meu computador, onde eu anteriormente pesquisava sobre o local.

Renjun murmurou um “claro” e, assim que me virei para olhá-lo mais uma vez, virou seu rosto rapidamente para as próprias anotações. Acho que não estávamos em barcos tão diferentes, afinal.

[...]

Quando cheguei na quadra esportiva da minha escola e a vi a quantidade de gente que tinha ali, quis sair correndo. Eu não tinha nenhum tipo de fobia que me impedisse de estar em espaços cheios, mas ali, naquele momento, sentia até dificuldade de respirar. Apesar de tudo isso, eu localizei os meus amigos e segui em direção a eles.

— Vocês já viram o Jisung? — Perguntei assim que me sentei, entre Jaemin e Donghyuck. Buscava pelo citado ao redor da quadra com meus olhos, não obtendo nenhum sucesso.

— Ele me mandou mensagem falando que não vai conseguir aparecer aqui, já que o time está fazendo uma última reunião e então só vai estar livre quando o jogo começar. — Chenle respondeu, enquanto mexia em sua mochila e isso me fez questionar o motivo do garoto ter a trazido sendo que só assistiríamos a um jogo. — Também me avisou para não criarmos expectativas porque ele só sairá do banco reserva se algo péssimo acontecer.

— Por isso que ele estava tão tranquilo hoje quando me mandou mensagem!

— Jaemin, se ele não entrar a gente joga pedra em alguém. Sabe, algo grave vai acontecer. — Donghyuck comentou, olhando para o garoto ao meu lado.

— Eu apoio. Não vim aqui para ver ele sentado o jogo todo. — Respondi.

Nós quatro dividimos um pacote grande de Doritos que após muita luta o chinês conseguiu encontrar na sua mochila — que descobri ser, na verdade, do seu namorado, já que ele após a partida iria para a casa do Zhong e dormiria lá — e findamos antes mesmo da bola laranja sonhar em aparecer na grande quadra.

O aperto no meu peito não me abandonou, por mais que eu me forçasse a conversar e prestar atenção em qualquer coisa ao meu redor. Aquilo estava me irritando, tendo em vista que eu pensava ter superado o basquete no momento em que joguei com Mark Lee e Wong Yukhei. Bem, a essa altura talvez tivesse, de fato, superado, se eu tivesse me arriscado mais vezes.

Tudo piorou quando o jogo iniciou. Estava tão nervoso que Jaemin passou a constantemente me perguntar se eu queria ir ao banheiro ou até mesmo ir embora, enquanto o Lee ao meu à minha esquerda me dava tapinhas fracos na coxa, na tentativa de me acalmar. Chenle me comprou uma garrafinha de água, mesmo que estivesse igualmente angustiado, mas porque era um grande fã do esporte e o seu namorado, por acaso, estava lá, mesmo que sentado.

Não muito tempo após eu ter terminado com o liquido da garrafa, senti o meu celular, ainda no bolso, vibrar, avisando-me que novas mensagens haviam chegado. Esperava uma de minha mãe, falando sobre coisas de casa ou sobre como eu voltaria para casa se ela não me buscasse, me surpreendendo quando vi aquilo:

Huang Renjun

Está melhor?

Droga o jogo já deve começar a e você não vai me responder

Só quero saber da situação.

Lee Jeno

Oi

Nem tanto, na verdade

Huang Renjun

Quer conversar sobre?

Lee Jeno

Sinceramente, acho que se eu aprofundar muito nesse assunto vou piorar

Huang Renjun

Oh, certo

Vamos falar sobre qualquer outra coisa então

Presta atenção em mim, não no jogo

Lee Jeno

Não vai ser muito difícil

Huang Renjun

Você se esforça em me deixar sem graça, não é?

Lee Jeno

Eu gosto das suas reações, Injunnie

Huang Renjun

Quero nem pensar em outras situações

Lee Jeno

Outras situações?

Huang Renjun

Não me faça explicar as entrelinhas, eu sei que você me entendeu

Ou vai tentar dizer que estava me olhando hoje por nada?

— Então vocês estão flertando, é? — Escutei o sussurrar de Donghyuck ao pé de meu ouvido. Me assustei, virando o meu rosto para ele ao passo que bloqueava o meu celular. Jaemin riu e eu senti vontade de morrer com aquele constrangimento. — Que orgulho!

— Vai se ferrar! — Ralhei e os dois garotos gargalharam.

— É garoto, vai se ferrar! Derruba alguém do seu tamanho, seu merda! — O chinês gritou, com os olhos pegando fogo, em direção àquela quadra. Todos nós três rimos de chorar dele, mas creio que nem se importou (ou sequer percebeu), já que prosseguiu proferindo uma série de xingamentos aos jogadores rivais.

— Não leiam as minhas mensagens, é constrangedor. — Balbuciei emburrado quando o meu celular vibrou mais um vez, indicando ter recebido mais uma mensagem de Renjun.

— Tudo bem. — Meu melhor amigo respondeu prontamente.

— Tudo bem se você contar para gente depois, ele quis dizer. — Donghyuck rebateu.

— Deus, me dá paciência, por favor.

Depois do episódio, fui mais discreto naquilo que conversava pelas mensagens, porque percebia que os dois ruivos ao meu lado estavam bem inquietos e a possibilidade de eles verem ao vivo e em cores tudo o que eu falava me deixava bem constrangido. Não que tivéssemos falado algo realmente inapropriado, mas o fato do chinês ter deixado bem claro a intenção real me deixava desesperado --- claro que de uma boa forma.

O jogo demorou um longo tempo para se findar, e quando o ocorreu, nos reunimos todos na lanchonete mais próxima da escola. Zoávamos o Chenle por conta de suas reações no jogo e Jisung ria, não acreditando no quão agitado o chinês estava. Claro que sobrou para mim também: comentaram e fizeram piadas dedicadamente, já que eu tinha passado parte massiva do meu tempo naquela quadra esportiva trocando mensagens com certo moreno baixinho.

Ainda falando do pequeno, não posso mentir e dizer que ele curou instantaneamente todo aquele sentimento de puro nervosismo que apossou-se de meu corpo, no entanto — como o esperado e o habitual — gradativamente fui me sentindo melhor. Continuava de certa forma estranho, mas definitivamente incomparavelmente melhor do que antes. Isso era tudo o que me importava ali no momento.

Huang Renjun

Ei, vamos sair amanhã

Precisamos tirar as fotos do trabalho

Sei que não escolhemos todos os pontos turísticos ainda, mas seria bom adiantar um pouco, não?

Pode levar a sua câmera?

Lee Jeno

E tem entrelinhas nisso?

Huang Renjun

Hm...

Não tinha.

Mas pode ter, se quiser que tenha

Lee Jeno

Me explique elas amanhã então

Huang Renjun

Descubra sozinho ;)

— Gente, eu meio que vou sair com o Renjun amanhã.