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História Separate Ways - Phobia - Na ponta da Lâmina


Escrita por: oikamis

Notas do Autor


Hello! Mais um capítulo! Desculpem a demora u_u
Sem mais delongas, espero que gostem!

Capítulo 5 - Na ponta da Lâmina


 

Após uma longa caminhada para me distanciar o máximo possível daquele antro de loucura e achar alguma civilização onde eu pudesse localizar um telefone, meu pai me instruíra a procurar uma pensão ou hotel para esperá-lo, já que uma viagem do Texas até o Estado do Kansas não era das mais rápidas. E durante esse meio tempo, eu pude colocar minhas ideias em ordem e processar melhor as informações que já não pareciam tão absurdas assim. Minha família nunca foi das mais religiosas, porém nunca nos consideramos ateus, embora fôssemos céticos quanto à maioria das pregações cristãs — dentre elas a existência de anjos e demônios, que agora estavam bem embaixo do meu nariz. Era aquele tipo de coisa que você ouvia no sermão da igreja, mas nunca pensava que realmente fosse verdade ou que um dia iria vê-los bem na sua frente.

E eu não sabia direito como lidar com isso no momento.

Quando ouvi uma batida na porta do quarto da humilde pensão de seis quartos que eu havia conseguido convencer a dona — uma idosa na faixa dos setenta anos, mas com aparência de uns mil — a deixar com que eu me hospedasse durante algumas horas com a promessa de que meu pai iria pagar depois, eu sabia que o que viria a seguir seria embaraçoso. Assim que Gordon parou em minha frente, seus olhos claros se estreitaram segundos suficientes para eu saber que ele não falaria uma única palavra até que estivéssemos em casa. E foi exatamente isso que aconteceu durante toda a viagem de volta, enquanto o avião sobrevoava as planícies repletas de girassóis do Estado-Trigo, meu pai não proferiu sequer um suspiro — essa era a maneira que ele tinha de demonstrar o quão chateado estava.

Logo que chegamos, depois de uma noite que eu não consegui dormir devido ao silêncio gritante, meus pés mal passaram pela soleira da porta quando Briana me lançou o olhar mais frio que eu já havia visto em seu rosto envelhecido pelas olheiras arroxeadas.

— Quase dois dias... — murmurou a mesma — Você quer explicar o que aconteceu antes que eu tire minhas próprias conclusões?

— Mãe, eu... — parei de repente. O que eu iria dizer? A verdade? Estava fora de cogitação, além de meus pais não acreditarem, eu iria passar por mentirosa. Mas inventar alguma situação fora da realidade também não me ajudaria em nada, eu não sabia mentir para eles. — Eu não sei nem por onde começar... me desculpem. — suspirei por fim, percebendo o quanto ridícula era minha condição no momento. Meu uniforme de trabalho estava amassado, com manchas de terra e cheiro de umidade. Meu cabelo desgrenhado e a maquiagem borrada mais faziam parecer que eu havia voltado da guerra, sem contar que ainda havia resíduos de sangue no meu braço que eu nem saberia como explicar de onde saíram caso fosse perguntado. 

— Pelo menos não está tentando mentir, isso já é alguma coisa — suspirou Gordon ao meu lado e eu tomei a liberdade de arrastar a cadeira o mais silenciosamente possível para me sentar — Nós ficamos tão preocupados com você que fomos até a casa do seu chefe pela manhã e então ele nos contou que você havia simplesmente largado seu horário de trabalho para sair com um homem que frequentava o bar. — alardeou e eu controlei o impulso de levar as mãos até a cabeça e gritar. A última coisa que eu queria era que eles pensassem que eu andava por aí de gandaia com fulanos estranhos.

— Você tem ideia do quão irresponsável foi? — indagou minha mãe, o olhar repreensivo me queimando como um laser.

— Sem contar que Logan está muito chateado com você. — emendou meu pai, imediatamente já tomando as dores do meu namorado que ainda não havia se pronunciado sobre a situação e eu não estava com a mínima vontade de ouvi-lo no momento.

— Eu não estava pensando na hora... — murmurei quando alguns segundos de silêncio de estabeleceram exclusivamente para meus pedidos de desculpa e arrependimento.

— Esther! Você nunca está pensando nas consequências dos seus atos! — ralhou Briana, as mãos batendo repentinamente na superfície da mesa me fizeram sobressaltar de repente. Então a mesma colocou-se de pé e em três passos largos agarrou um envelope amarelo e o jogou em meu colo — Agora pode me dizer o que é isso?

— Eu não sei. — dissimulei ao ler rapidamente que o remetente era do Fórum central de Galveston. 

— É uma intimação para você comparecer a uma audiência! Você está sendo processada por elaborar e executar tortura psicológica contra dezenas de estudantes. Tem ideia da gravidade disso? — vociferou ainda mais alto e eu segurei o papel com a ponta dos dedos, colocando-o sobre a mesa timidamente.

— Não vai acontecer de novo.

— É claro que não vai acontecer de novo! Eu já não sei mais o que eu faço com você. Não quer saber de nada, não quer trabalhar, não quer estudar, tem quase vinte e dois anos e fica pulando de curso em curso na faculdade sem decidir o que quer da vida e agora está sendo processada? — continuou cheia de razão, cada palavra me atravessando como uma lâmina afiada. Eu sabia muito bem que tudo o que ela dizia era a mais pura verdade, apenas não queria admitir para mim mesma, pois admitir seria a mesma coisa que clamar por uma mudança e o problema era que eu não sabia por onde começar a mudar.

— Foi só uma brincadeira, nós fazemos isso todos os anos e... — sussurrei ainda mais baixo.

— Uma brincadeira? — desdenhou Gordon, abrindo o envelope e começando a ler — “Depois do discurso daquela garota, os jogadores do time nos mantiveram encurralados no muro sob suas ordens, onde brincavam de atirar ovos podres em nós. Após isso, fomos obrigados a beber quantidades absurdas de álcool até o momento em que não pudéssemos caminhar em linha reta numa linha traçada na calçada. Nesse momento, percebi que alguns garotos intimidavam os novatos que tentavam correr, jogando-os contra a calçada e chutando-os enquanto tiravam várias fotos. Foi a pior experiência da minha vida”. — ele me encarou com descrença e eu imediatamente mordi a boca com raiva.

— Eu dei ordens para não agredi-los! — abri os braços, já imaginando que os jogadores tinham extrapolado demais dessa vez.

— Você deu ordens? — meu pai me cortou com o tom alto e autoritário — Quem é você? Hitler? Isso foi cruel demais, Esther!

— Às vezes eu acho que a culpa é minha que não soube educar você.

— Não é sua culpa, mãe... — tentei começar alguma desculpa, mesmo que soubesse que não iria funcionar.

— Não é? Têm vezes que eu olho para você e vejo que está se tornando uma pessoa tão diferente de nós... — ela murmurou com os olhos apertados, o tom de voz triste e pesaroso me fazendo sentir ainda mais culpada— Há quatro anos você não é mais a mesma. — constatou e eu escondi o rosto entre as mãos, mentalmente assentindo com aquela afirmação.

— Talvez não seja. — suspirei baixinho e a ouvi levantar a cadeira, contornando o balcão até ficar de frente para a janela da cozinha. Naquele momento eu sabia que Briana estava se controlando para não começar a chorar.

— Vá para o seu quarto. — ordenou Gordon e eu prontamente atendi, quase correndo escada acima para finalmente alcançar o único lugar que podia me isolar do mundo agora. Cheguei ao meu quarto e não me preocupei em acender a luz, pois a escuridão feita pelas cortinas fechadas era bem mais aconchegante. Tranquei a porta e escorreguei pela parede fria até atingir o chão, formando uma posição fetal enquanto meus braços envolviam meus joelhos em uma tentativa inconsciente de me auto confortar.

Minha mente parecia congelada diante da situação e eu não sabia por onde começar a formar uma linha de raciocínio, não sabia por onde começar a tentar ajeitar as coisas. Era aquele típico momento em que você está na casa de veraneio da família e acaba quebrando, por descuido, o vaso mais caro e apreciado da sua querida avó. Você vê todos aqueles cacos impossíveis de serem consertados e a única coisa que consegue fazer é esconder o rosto entre as mãos para chorar. Acho que para muitas situações da vida, seus erros são os descuidos e os sentimentos das pessoas que amamos são os vasos.

Ouvi uma batida suave na porta seguida por mais dois toques rápidos, imediatamente identificando o sinal secreto que eu e Jimmy havíamos criado. Apoiei-me em um joelho para escorregar os dedos pela tranca e logo me voltei para a posição que estava inicialmente. Meu irmão aproximou-se, encostando a entrada do cômodo e me cutucando com a mão até me envolver em um abraço, apoiando o queixo no topo da minha cabeça.

— Eu sinto a mesma coisa. — murmurou após vários segundos em silêncio — Há vezes que eu acho que estou me tornando algo tão diferente do que deveria ser e isso me assusta, sabe. — confidenciou as mesmas palavras que eu martelava em minha mente há tempos, fazendo com que eu comprimisse os lábios.

— Me assusta saber que quanto mais eu tento acertar, mais eu erro. — sussurrei baixinho, minha garganta se fechando enquanto eu lutava contra as lágrimas, sendo incapaz de deixá-las escapar tão facilmente.

 

Logo que abri os olhos, percebi que eu estava na cama. O lençol puxado até meu peito e um ursinho de pelúcia que eu não usava há anos — a não ser para uma decoração solitária em cima do guarda roupas — denotavam que eu havia dormido em algum momento e Jimmy me ajeitara para descansar. Impulsionei-me para levantar e respirei fundo quando senti o quarto inteiro rodar de repente, provavelmente pelo fato de a última vez que eu comi fora um sanduíche de atum no intervalo da faculdade, há dois dias. Esfreguei as pálpebras, procurando meu celular que — para a minha desgraça — havia ficado na minha bolsa que eu deixei dentro do bar.

Que maravilha.

Peguei uma muda nova de roupas e resolvi tomar um merecido banho, demorando tempo suficiente para ter certeza de que não havia sobrado nenhum resíduo de terra ou sangue em minha pele. Após ficar limpa, desci para comer alguma coisa, dando de cara com meus pais sentado à mesa.

— Logan já ligou três vezes, pediu para você retornar assim que acordasse. — anunciou meu pai, sem tirar os olhos do caderno de esportes.

— Eu deixei meu celular dentro da bolsa que ficou... — parei de falar no momento em que o mesmo apontou para o balcão, onde estavam todas as minhas coisas que eu tinha deixado no bar. Caminhei até lá, roubando um pão doce que repousava no cesto ao lado enquanto escavava o aparelho, notando as doze mensagens do meu namorado preocupado. Procurei o número e encaminhei a chamada, andando até a sala para que meus pais não ouvissem demais a conversa, quando Logan atendeu no terceiro toque.

— A aventureira deu sinal de vida — falou em um tom sonolento — Eu pensei em passar em sua casa ontem, mas Gordon me disse que você estava bem e dormindo, então achei melhor não te incomodar.

— O que meu pai falou para você? — questionei mordendo o lábio e já imaginando as mil e uma possibilidades horríveis que poderiam acontecer.

— Eu sei de tudo que eu preciso saber — murmurou o mesmo, dando uma pausa de repente — Você não quer mesmo falar sobre isso no telefone, certo? Que tal aquele almoço que você me prometeu para o fim de semana?

Bati com a mão na testa. Eu havia esquecido completamente o que havia prometido.

— Eu acho que estou de castigo. — confidenciei espiando brevemente meus pais, que continuavam imóveis em seus respectivos lugares como estátuas vigilantes.

— Gordon me adora — ele deu uma risada sem graça — Pego você em duas horas, ok?

— Tudo bem — assenti relutante e o ouvi desligar. Então dei um passo até parar em frente à porta da cozinha — Mãe? Logan e eu tínhamos combinado de almoçar hoje, mas eu posso ficar se você quiser. — falei e ela apenas continuou olhando para o jornal da manhã com as mãos firmes na xícara de chá, ignorando-me totalmente — Pai?

— Faça o que quiser. — sentenciou duramente e eu abaixei a cabeça, suspirando. De todos os castigos que eu já recebi, esse tinha grandes chances de se tornar o pior deles pelo simples fato de não haver nenhuma punição e isso fazia eu me sentir como se estivesse em um constante débito. Subi as escadas e coloquei um vestido branco de saia rodada, um salto alto e um casaco azul hortênsia, já que o sol se escondia atrás de nuvens cinzentas do lado de fora da casa. Penteei os cabelos como de costume e passei uma maquiagem leve, colocando dinheiro e itens essenciais dentro da bolsa antes de descer novamente, ficando quase quarenta minutos zapeando canais da TV a cabo para me distrair do silêncio gritante.

Logan chegou exatamente no horário combinado, como sempre fazia, e após conversar um pouco de amenidades com meus pais, nós nos dirigimos para fora, onde o Audi prata do meu namorado já nos esperava recém lustrado, cintilando como um joia.

— Acho que você vai gostar do que eu preparei para hoje. — prometeu o loiro após abrir a porta para mim e se dirigir até o outro lado, mas antes que o mesmo pudesse girar a chave, eu segurei seu braço.

— Desculpe. É que... — comecei, um tanto desconfortável com a situação de fingir que não havia acontecido nada. Eu esperava que ele gritasse comigo ou no mínimo ficasse chateado como qualquer pessoa normal ficaria, porém o que todos estavam fazendo se dividia entre dissimular ou me tratar como uma completa estranha e isso era insuportável. Eu preferia esclarecer as coisas e quebrar os pratos à moda antiga, pois pelo menos assim eu sabia que as coisas se acertariam qualquer hora — Antes que você comece, eu queria dizer...

— Sobre a sua última façanha de largar o trabalho para fazer festa por aí? — Logan me cortou educadamente, fitando meu rosto — Esther, você não faz ideia de como eu fiquei preocupado com você, estava quase chamando o FBI, colocando anúncio nas caixas de leite. Mas acho que não seria você se não fizesse esse tipo de coisa, certo? — ele deu uma risada cansada e eu balancei a cabeça, perplexa demais pelo fato de que o meu namorado era cavalheiro demais para armar um barraco mesmo quando tinha motivos para tal. E isso tinha o mesmo efeito de um soco no estômago, pois eu me sentia mais vilã ainda. A bruxa velha que destrói os sentimentos e quebra corações alheios.  

— Eu juro que nunca mais vou fazer esse tipo de coisa, foi impulsivo — prometi, mesmo que não pudesse controlar se sofreria outro atentado demoníaco ou não.

— Eu confio em você. — murmurou tocando minha mão que ainda repousava sobre seu braço, acariciando de leve com o polegar. Sorri, me sentindo um pouco melhor do que estava e então Logan se aproximou do meu rosto, provavelmente com o intuito de me beijar, mas no último instante e em um movimento quase involuntário, eu desviei e o mesmo parou por milésimos de segundos antes de depositar um beijo na minha bochecha.

Como era um domingo de manhã, não havia muito problema no trânsito, já que a maioria das pessoas estava em casa dormindo até mais tarde ou então haviam viajado para curtir a folga no trabalho longe dos ares sulistas urbanos. Porém isso não dizia que a cidade estava deserta, pois achar uma vaga para estacionar era uma verdadeira maratona. Após dez minutos rodando próximo ao restaurante, Logan finalmente achou um estacionamento e nós pudemos nos dirigir para o estabelecimento de fachada vermelha com largos vidros fumê.

— Esse lugar é bem bonito. — elogiei assim que adentramos o local. As mesas simples com toalhas brancas bordadas em fios de ouro davam um ar sofisticado juntamente com os candelabros de vidro e talheres brilhantes.

— É o melhor restaurante italiano do Texas. — tagarelou meu namorado, puxando a cadeira para que eu me sentasse a sua frente. Olhei ao redor e percebi o ar requintado que estava impregnado até mesmo no uniforme dos garçons, que tinham abotoaduras douradas nas mangas da camisa social e colete preto. Os clientes também não ficavam para trás, havia uma mulher sentada próxima da recepção que ostentava um invejável colar de diamantes cobrindo quase todo seu colo. Assoviei baixinho, me sentindo quase uma camponesa com meu vestido simplório.

— Estamos comemorando algo especial? — questionei após observar melhor o refinado local. Não que Logan nunca me levasse a lugares bonitos, mas esse era realmente espetacular.

O loiro sorriu, ajeitando algumas mechas do cabelo penteado para trás com os dedos.

— Na verdade, meu pai me ofereceu a presidência da filial da empresa no Canadá. — contou e minha primeira reação foi abrir boca em surpresa, incrivelmente feliz pela oportunidade que ele estava tendo. Desde o primeiro momento que eu conheci Logan, eu sabia que aquele garoto certinho e motivado iria ter um grande futuro, mas nunca pensei que seria tão cedo.

— Nossa, Logan, parabéns. Isso é demais! — segurei suas mãos, vibrando com a notícia — Mas então quer dizer que depois da faculdade você vai mudar para lá? — indaguei e no mesmo instante percebi a contrariedade da situação. No papel de atual namorada, eu deveria sentir ao menos uma pontada de tristeza por saber que ele teria que morar tão longe de mim, não deveria? Mas por algum motivo, minha mente já antecipava que isso seria algo plausível para um possível término.

O mesmo estendeu a mão pela mesa, roçando os dedos no meu pulso suavemente.

— Bem, por isso eu estava pensando... — começou com um pequeno sorriso de formando em seus lábios, o outro braço de agitando próximo ao bolso da calça como se buscasse por algo, mas então eu percebi com o canto dos olhos que um dos garçons havia se aproximado de nós com uma garrafa.

— O casal gostaria de provar o vinho da casa? — ofereceu educadamente e eu logo o fitei para recusar, imediatamente ficando muda e estática quando reconheci a pessoa por trás do uniforme. O cabelo bem penteado e os olhos verdes não escondiam o olhar feroz que Dean me lançava, de pé ao meu lado.

Meus músculos involuntariamente despertaram dos segundos de torpor, fazendo com que eu me sobressaltasse de uma maneira violenta na cadeira, derrubando a garrafa na toalha bordada e manchando tudo que estava há menos de dois metros de nós, inclusive meu vestido.

— Ah, desculpe! — exclamei alardeada, vendo vários olhos se voltarem para mim e Logan escavar o guardanapo para limpar sua camisa, enquanto vários garçons corriam para ajeitar a bagunça — Eu vou ao banheiro, já volto. — disse virando de costas e quase correndo para o fundo do estabelecimento, onde ficava o corredor silencioso com placas dispostas uma em frente à outra identificando as portas onde estava escrito “Cavalheiros” e “Damas”. Entrei no cômodo e tranquei a entrada, desfilando por todo o banheiro para olhar as cabines e me certificar de que não havia ninguém além de mim lá dentro. Respirei fundo, deslizando as mãos pelos cabelos e sem saber o que fazer. Em hipótese alguma Dean aparecer por aqui era uma coisa boa.

— Almoçando com o namorado? — questionou a voz debochada e eu imediatamente me virei, perguntando-me como diabos ele havia conseguido entrar ali se estava tudo trancado — Que meigo. — o loiro repuxou o canto da boca para baixo, sarcástico.

— Se você se aproximar, eu grito. — ameacei, recuando até dar com as costas na pia branca de mármore, mentalmente tentando achar uma maneira de escapar, mas ao menos que eu ficasse pequena o suficiente para passar pelo buraco do ralo, isso era quase impossível — O que você quer?

— Por que você supõe que eu queira alguma coisa? — rebateu cínico, abrindo as abotoaduras douradas da camisa e puxando as mangas para cima, o som dos objetos pipocando no chão reluzente ecoava tão alto quanto às batidas aceleradas do meu coração. 

— Ao menos que seja um fã de comida italiana. — disparei com ironia e o mesmo deu uma risada baixa.

— Só vim fazer uma visita para uma amiga.

— Não sou sua amiga, Dean. — relembrei e ele deu um sorriso lascivo, avançando de repente na minha direção como um raio e apertando o meu pescoço contra a superfície da pia, de modo que eu ficava dolorosamente curvada de lado.

— Eu quero a minha Primeira Lâmina e eu não vou deixar você em paz enquanto não me devolver! — exclamou irado.

— Mas eu não a tenho mais! Eu joguei fora aquela coisa asquerosa! — disse imediatamente me arrependendo de ter aberto a boca.

— Você jogou... — ele começou totalmente descrente, seus olhos cintilando de raiva. Então se abaixou até conseguir me encarar, a voz grave e agressiva — Eu podia te matar, desfigurar e retalhar agora, mas acho melhor te manter viva até que você a ache! — sentenciou por fim, me puxando como uma marionete para que eu ficasse de pé.

— E como eu vou fazer isso? — indaguei colocando as mãos no meu pescoço dolorido.

— A menos que queira manter o papai, a mamãe e o irmãozinho vivos e com as tripas no lugar, sugiro que dê um jeito! — começou calmo, terminando com um rosnado irritado.

— Está blefando. — estreitei as pálpebras, duvidando por um segundo que ele fosse capaz de tal atrocidade. Parte de mim não conseguia acreditar que o mesmo cumpriria aquelas ameaças porque sua imagem não me passava tal crença, mesmo que eu já tivesse comprovado ao contrário.

— Primeira regra: Eu nunca blefo, garota. — Dean me encarou, as feições rígidas tinham um ar de divertimento.

— Esther? Está tudo bem aí? — ouvi a voz de Logan do lado de fora da porta, o mesmo forçava a maçaneta incansavelmente — Eu vou chamar o gerente para abrir!

— Eu estou bem! — gritei na mesma hora.

— Posso entrar? — questionou e meu demônio pessoal balançou a cabeça para os lados, exigindo que eu mantivesse meu namorado curioso fora da nossa conversa nada amigável.

— Não! Eu estou com... — engasguei de repente, minha boca falando a primeira coisa que me passara pela mente — Diarreia! Não entra aqui! — disparei e Logan pareceu assentir, pois ouvi seus passos de afastarem até sumirem completamente. Então esperamos alguns segundos em silêncio.

— Eu sei que o Sam deve estar no seu pé, achando que uma garotinha ridícula como você possui algum apelo para mim, mas não se engane. Eu posso torcer o seu pescoço tão rápido quanto um piscar de olhos. — Dean afirmou erguendo o braço para roçar o polegar contra o meu queixo, que eu logo desviei — E devo avisar que meu irmão não pode saber do nosso acordo e muito menos os anjos, se mantenha na linha e todos continuam com as cabeças no lugar. — decretou por fim e se afastou, abrindo uma fresta da porta para verificar o corredor antes de sair calmamente pelo mesmo.

— Maldito psicopata. — rosnei incrédula, fitando o lugar por onde ele havia desaparecido.

 

Assim que voltei para casa, depois do episódio vergonhoso no restaurante, eu tratei logo de dispensar meu namorado por medo de que Dean ainda estivesse me seguindo e fizesse alguma coisa com ele. Após isso a primeira coisa que comecei foi vasculhar a lata de lixo e constatar que a mesma já estava vazia, para a minha iminente desgraça. Ouvi um ronco de motor e ao olhar para trás, vi um dos caminhões de coleta passando, imediatamente fazendo com que eu corresse atrás de um dos coletadores apressados.

— O senhor sabe para onde vai o lixo que sai dessa parte da cidade? — questionei me esforçando para manter o mesmo ritmo dele — usando um salto agulha —, que fazia zigue-zague na rua para recolher todos os sacos.

— Depende, garota, depois daqui, nós o levamos para o setor de separação, onde os resíduos orgânicos são separados dos resíduos secos. Depois disso tudo é levado para o aterro. — contou o mesmo.

— E onde fica esse aterro? — perguntei quase sem fôlego quando atingi a esquina em menos de dez segundos.

— Até dois anos atrás, nós só tínhamos um, mas esse lotou. Então agora temos dois, um mais para a zona norte e outro para a zona oeste da cidade. — falou o homem, pulando na traseira do caminhão e se segurando na barra de ferro que ficava atrás do veículo.

— Que maravilha! — joguei as mãos para o alto — Suponha que eu perdi um objeto importante, quais as minhas chances de conseguir encontrá-lo? — gritei tão alto quanto pude.

— Se ele já foi para o aterro, pode esquecer! — devolveu o mesmo, desaparecendo quando dobrou na outra quadra. Encarei o horizonte cinzento, completamente desolada.

— Em busca de um novo pretendente? — caçoou meu irmão logo atrás de mim, recostado no Crossfox azul enquanto me fitava com uma expressão curiosa.

— Cala a boca, Jimmy. — rosnei irritada, já prestes a marchar para dentro de casa e me enterrar entre os cobertores, onde era seguro.

— Sugiro que pense duas vezes antes de girar essa maçaneta, o castigo do silêncio está mais cruel do que ficar sem o carro. — apontou o garoto e eu joguei o braço para trás no momento em que a ponta dos dedos encostou no metal frio.

— E você sugere que eu faça o quê? Durma na calçada?

— Vamos sair, quando voltarmos, eles já vão estar dormindo. — gesticulou e eu encarei a porta por alguns instantes, me sentindo psicologicamente exausta de encarar aquilo novamente.

Deixei que Jimmy dirigisse por vários minutos, nos afastando drasticamente do centro da cidade ou até mesmo nos levando para os arredores de outra. Embora meus olhos encarassem as ruas, eu não estava realmente vendo alguma coisa, já que minha mente vagava para problemas muito piores que eu tinha no momento. Logo que o Crossfox parou, nós descemos para um prédio pequeno e escondido entre vários quilômetros de estrada repleta de árvores, não havia fachada ou muito menos um nome, apenas uma pintura descascada e algumas motos mal estacionadas do lado de fora. Entramos e de cara eu pude sentir o ar pesado do ambiente que fedia a cigarro e bebida, se fosse em qualquer outro dia, eu repreenderia meu irmão por frequentar locais assim.

— Esther, eu posso perguntar uma coisa? — indagou Jimmy assim que nos aproximamos do balcão e o mesmo pediu uma dose de uísque para o homem de bigode.

— Claro. — assenti e mostrei dois dedos para o mesmo, denotando para acrescentar mais um pedido igual para mim.

— Hipoteticamente falando, se eu quisesse sair com uma amiga sua... — começou o garoto e eu revirei os olhos.

— Pode sair, eu não me importo. — cortei imediatamente.

— Sério?  — questionou surpreso.

— Você já passou o rodo na escola inteira e agora está pedindo minha permissão? — fiz uma careta e o garoto deu uma risada. Tomei um gole da bebida, de soslaio percebendo que havia vários homens com olhares nada discretos na minha direção e juntando isso com o resto de problemas que havia me acontecido nos últimos dias, minha tendência homicida estava subindo a um nível elevado nesta tarde.

— Quer tentar me vencer em uma partida? — Jimmy apontou para a mesa de sinuca onde alguns jogadores tentavam mostrar sua virilidade através dos dotes no jogo.

— Eu passo, vá lá e mostre para os velhotes como se joga. — gesticulei e o mesmo logo terminou de virar o uísque, largando o copo sobre o balcão e tratando de se enturmar com a galera barulhenta. Fechei os olhos por alguns instantes, controlando a vontade súbita de bater com a cabeça na superfície de madeira a minha frente até achar uma solução para resolver a minha vida.

— Alguém parece entediada. — comentou uma voz e eu virei o rosto para o lado esquerdo.

— Era só quem me faltava... — murmurei terrivelmente cansada de ser seguida e ameaçada — Estamos em um lugar público, se tentar alguma coisa... — comecei e Crowley logo me interrompeu.

— Se eu quisesse tentar alguma coisa, teria feito isso desde o momento em que saiu com seu namoradinho para almoçar. 

— Você está me seguindo? — indaguei mais retórica do que para ele.

— Todos estão com os olhos voltados para você, esperando o momento em que Dean Winchester vai mostrar a cara. — elucidou o homem e eu mordi a boca com raiva.

— Só pode ser brincadeira. — rosnei tomando o último gole do uísque e apoiando o copo no balcão com força, imediatamente gesticulando para o atendente bigodudo que me servisse mais uma.

— Você parece irritada.

— Pode me responder uma dúvida? — perguntei assim que virei mais uma dose — O que é a Primeira Lâmina?

— Então o Dean já mostrou o brinquedinho dele para você — o mesmo deu uma risada maliciosa e eu fiz uma careta enojada — Pois bem, você já ouviu falar da história de Caim e Abel?

— Da bíblia? — arqueei uma sobrancelha.

— A versão da bíblia é meio vaga, digamos que não foi exatamente daquele jeito que aconteceu e Caim, em um gesto de amor fraterno, fez um pacto perpétuo com Lúcifer para garantir que a alma de seu irmão, Abel, fosse para o céu. Esse pacto consistia para que Caim se tornasse um servo do inferno pela eternidade. Então a ele foi passada a Marca e a Primeira Lâmina, que juntas, formam a única arma capaz de matar um Cavaleiro do Inferno. — contou calmamente e eu senti minha mente dar um nó que aos poucos foi se desfazendo, o som dos homens vibrando com o jogo de sinuca junto com as doses de uísque tinham deixado meu raciocínio mais letargo.  

— E porque Dean possui essa Marca de Caim?

— Ele precisava da Marca e da Lâmina para matar o último Cavaleiro do Inferno, Abaddon. E o fez muito bem, ganhando ambas diretamente do pai do assassinato. — disse em tom elogioso, logicamente se referindo a Caim, já que ele havia protagonizado o primeiro homicídio do mundo — Só que há consequências, o possuidor desse pacto perpétuo acaba se tornando cada vez mais aquilo que ele mata.

— Dean se tornou um demônio por causa da Marca? — perguntei ainda mais curiosa, novamente gesticulando para o homem atrás do balcão para me trazer mais bebida. O mesmo estreitando os olhos antes de colocar a garrafa inteira a minha disposição.

— Não totalmente, ainda. — Crowley apontou um dedo, se servindo sem convite do meu uísque e fazendo uma careta em seguida — Santa Mãe do Pecado, isso parece urina...  

— E ele não pode simplesmente se livrar dela? — disparei, logo pensando que nada seria tão fácil assim.

— Seria uma solução bem simples para um problema tão grande, não acha? — o rei do inferno reiterou meu pensamento — Esse pacto não pode ser desfeito, só repassado para alguém digno.

— Digno de quê?

— Digno de já ter as mãos tão cheias de sangue quanto Caim. — falou em um tom sombrio, me fazendo imaginar por um momento cenas terríveis envolvendo Dean Winchester. E se Cole tivesse razão? Se ele realmente fosse o mocinho capaz de parar um monstro sanguinário? Eu deveria tê-lo ajudado quando tive a chance? Talvez se tivesse feito, agora não estaria passando por isso.

— E se Dean não pudesse usar mais a Primeira Lâmina? Ajudaria em alguma coisa? — questionei e Crowley estreitou as pálpebras, aproximando-se mais do meu rosto com curiosidade.

— O problema de verdade é a Marca, ela quem contém a energia, o objeto é só um instrumento. Mas eu creio que ajudaria em longo prazo, digo, em uns cem anos Dean já não estaria tão louco a ponto de sair dizimando a cidade atrás da Primeira Lâmina, porque ele a perdeu e você tem culpa no cartório, não é mesmo? — explicou rapidamente, acertando em cheio a raiz da questão.

— Talvez... — comecei, tomando alguns goles de uísque direto do gargalo — Eu a tenha jogado fora. — falei e o rei do inferno abriu a boca, repuxando os lábios antes de tomar a garrafa da minha mão e compartilhar do meu gesto como se fosse um brinde a minha desgraça.  

— Bem, eu não queria ser você agora, mas podemos resolver isso de uma maneira bem rápida e prática. — ofereceu com um sorriso maquiavélico — Você assina alguns papéis, eu acho o objeto para você e dentro de dez anos meus bichinhos de estimação a levam para o inferno para nós termos uma festinha. — disse de maneira divertida e eu dei uma risada alta. Eu podia ser leiga nesse negócio do Satã, mas não era burra.

— Esther, tudo bem? — Jimmy chegou ao meu lado enquanto guardava várias notas altas no bolso e jogava meia dúzia sobre o balcão — Quer ir para outro lugar? — questionou desconfiado para Crowley, que para começar estava de terno em um lugar onde a roupa mais formal usada era um colete de caveira.  

— É melhor. — assenti e antes que eu pudesse levantar, o demônio fez o mesmo e aproximou-se do meu ouvido sorrateiramente.

— Me procure quando ele começar a ficar descontrolado. — instruiu com um sussurro e eu cerrei os dentes, caminhando a passos largos para fora dali enquanto meu irmão arqueava uma sobrancelha, visivelmente instigado.  


Notas Finais


Ah, Deanmon... Sem palavras. Logan mostrando que pode ser querido também, aliás, ele é até demais. Esther encrencada, pra variar e Crowley curtindo com a situação. O que será que nos espera?
Muito obrigada a todos os comentários e favoritos! Próximo em breve!


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