O ultimato não tardou a chegar. Alice ia bem na escola. As encomendas de vestido cresciam como nunca ante a proximidade do Natal. Os pequenos defeitos na casa eram reparados aos pouquinhos, de forma quase imperceptível entre uma saída e outra de Leorio. Ela estava esparramada no sofá, o antebraço cobrindo o rosto para aliviar a dor de cabeça, quando ouviu as palavras fatais:
— Viajo em uma semana.
Não se deu ao trabalho de olhar para o filho. Os dois já sabiam muito bem o resultado daquela odisseia. Nas tardes que se seguiram, Anna continuou costurando e cozinhando como se a vida fosse a mesma, às vezes espiando o gato pela janela ou conferindo se o relógio estava parado.
O Natal passou sem qualquer surpresa. Alice ganhou um ursinho do irmão mais velho e dançou com ele pela casa. Anna cruzou as pernas, bebericando a taça de vinho. E Leorio derrubou a porcaria da árvore com pisca-pisca e tudo ao fazer uma brincadeira idiota.
O dia seguinte chegou com preguiça. Alice dormia abraçada ao ursinho. Anna levantou-se cedo e fitou as rachaduras na parede. Caminhou até a cozinha, onde encontrou Leorio preparando sanduíches. Recostou-se no batente e permitiu que os minutos passassem, gravando os gestos, os resmungos, os olhares.
Ele acordou Alice para se despedir. A menina chorou muito e se trancou no quarto. Dava para ouvir os berros da sala. Leorio suspirou e tocou a maçaneta. Era hora de partir.
— Não está se esquecendo de nada?
— Ah, desculpe, mãe — murmurou Leorio, voltando para beijá-la no rosto.
— Não, não isso, seu tolo. — Ela ergueu o braço. — Isto.
Ele fitou o tecido com cuidado. Tinha uma textura boa e suave. Ainda receoso, decidiu experimentar. O terno caía-lhe com perfeição. Ajeitou-o sobre os ombros e viu seu reflexo no espelho.
— Precisa estar apresentável para o Exame — Anna explicou.
Leorio quase riu.
— Mãe... Não é como se eu estivesse indo para uma entrevista de emprego comum.
— Precisa estar apresentável mesmo assim.
Os olhos dele faiscaram.
— Vai que você morre parecendo um pé-rapado, filho.
— Mãe...
Ele a abraçou.
— Eu não vou morrer.
Anna não respondeu. Apenas fechou os olhos. Leorio beijou sua testa, despediu-se uma última vez e saiu. Não se ouviam mais os soluços de Alice. Mas a saudade já se fazia sentir.
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