1. Spirit Fanfics >
  2. Saint Seiya: Sob o Sangue do Escorpião >
  3. Crepúsculo da Tormenta

História Saint Seiya: Sob o Sangue do Escorpião - Crepúsculo da Tormenta


Escrita por: Draconnasti e Katrinnae

Notas do Autor


As últimas palavras nem sempre são tão fáceis de se ouvir, e nem sempre são tão fáceis de falar. Principalmente quando você não está tão bem quanto acha estar.

___________________________________________________

Para quem estiver acompanhando, um aviso:

CALMA, NÃO É HIATO!!!

A partir desse capítulo, a fic passará a ter frequência mensal. Todo o dia 01 um novo capítulo será postado. O motivo disso é por eu estar me envolvendo em um projeto em minha página, do qual irá tomar boa parte de meu tempo. Não sei ao certo quando ele irá terminar. Nesse exato momento, Sob O Sangue está com mais 9 capítulos prontos e um extra, então vocês podem ficar tranquilos. Não ficarão órfãos dela nem tão cedo.

Qualquer dúvida, fiquem a vontade para perguntarem, que eu responderei sempre que for possível.

Obrigada.

Capítulo 11 - Crepúsculo da Tormenta


Havia acabado de colocar o elmo na cabeça, enquanto pensava no que faria para cumprir as ordens que recebera. Não tinha percebido qualquer coisa estranha com a sacerdotisa quando a resgatou. Cheirava à morte, mas acreditava que isso se dava por conta do local onde esteve confinada, e não à corrupção de sua alma. Não era como aquele Espectro e os Esqueletos que retalhara.

O som de passos distantes chegou aos ouvidos sensíveis dela, mesmo que tentasse soar o mais discreto possível. Antares voltou-se na direção de quem vinha, percebendo Ganimedes indo ao seu encontro. Por debaixo da máscara, ela sorriu, imaginando o que ele estaria fazendo ali.

– Veio se despedir de mim para essa nova missão tão cedo? – A jovem perguntou com um tom firme.

– Vim saber se está tudo bem com você, para essa nova etapa da missão. – Ele falou, parando ao seu lado. – Não se preocupe. Não é incomum recebermos uma ordem e depois descobrirmos que teremos que voltar ao mesmo local para resolver... pendências.

– Isso inclui realizar assassinatos, certo? – Ela questionou com uma casualidade assombrosa.

Isso fez com que o troiano engolisse a seco e respirasse fundo logo em seguida, pensando em como explicar aquilo. Conhecia-a bem o bastante para saber que teria algumas missões que lhe seriam muito difíceis de concluir. E outras que seriam impossíveis.

O relato de uma das missões em que ela fora permitida de acompanhar o mestre ainda preocupava a ele.

– Se você não se sentir à vontade com isso, eu posso assumir essa demanda. – O aquariano respondeu, com o semblante preocupado. – Não precisa fazer isso se não quiser...

– É claro que eu posso fazer isso! – A escorpiana rebateu, rindo um pouco nervosa com aquilo. Tentava disfarçar seu desconforto com o assunto, ainda que não soubesse exatamente o motivo de estar se sentindo desse modo. – Só... não imaginava que tivesse algo assim... tão cedo...

–Antares, você não precisa se mostrar indiferente comigo. Sabe disso, não sabe? – Ele disse, voltando-se para a Amazona e olhando para o que seria seus olhos, se não fosse a máscara metálica.

Ela respirou fundo e ergueu a cabeça, fazendo com que o Cavaleiro percebesse, um pouco tarde demais, que pisara em um terreno perigoso.

– Eu não estou me mostrando indiferente, Ganimedes. – Ela respondeu ficando séria, fazendo-o sentir um arrepio na espinha. – Por acaso acha que não sou capaz?

– É a sua primeira missão. Isso não é um treinamento. – Ele se justificou, preocupado.

– Acha mesmo que eu não sou capaz de fazê-lo? – O tom da jovem era de descrença.

– Não foi isso o que eu quis dizer. – O troiano tentou falar, percebendo o efeito de suas palavras sobre ela.

Por um momento, Antares abaixou a cabeça, sentindo uma forte irritação e decepção por aquilo. Compreendia os demais duvidarem de sua capacidade, mas não o Ganimedes. Não o homem que cuidou dela enquanto o seu mestre esteve ausente por conta de suas viagens ou por causa de ferimentos.

O aquariano não conseguiu evitar o incômodo que acompanhou aquele gesto. Devia ter imaginado que a jovem não receberia suas palavras tão bem quanto gostaria. Respirou fundo, esperando conseguir se explicar melhor quando ela voltasse, com a cabeça mais fria, de preferência.

– Enfim, boa sorte. – Ele falou, tocando o seu ombro, e se retirou logo em seguida.

A escorpiana balançou a cabeça enquanto o viu se afastar, ainda sem acreditar naquilo.

– Eu vou mostrar a todos vocês que eu posso fazer isso. – Ela rosnou, indo na direção da escadaria para Libra.

No caminho, amargava os pensamentos que precisou de muito esforço para não ganharem voz. Não queria ser grosseira com o aquariano, amava-o tanto quanto amava ao seu mestre. Era como se fosse o seu segundo pai.

“Ele não está duvidando de mim... ele está apenas preocupado comigo...”, disse para si mesma, enquanto não conseguia evitar de relembrar aquilo que seu mestre mais dizia ao longo de seu treinamento.

✶~~✶✶✶~~✶

Foi há alguns anos. Era uma missão simples da qual Scorpio permitira que a jovem o acompanhasse. Sua função era apenas a de encontrar o alvo e acompanhar seu mestre na caçada. Não deveria fazer mais nada além disso. Não lutaria, não mataria. Apenas seguir, observar e aprender.

A caça, um desertor do Santuário, que havia escapado com alguns segredos. E quem melhor que o homem conhecido como Caçador, para cumprir essa tarefa? Seria um ótimo aprendizado para ela, ainda que Ágape reprovasse a ideia e fizesse de tudo para que os escorpianos desistissem daquela ideia.

Em vão, naturalmente.

Estava tudo seguindo como o planejado, os rastros foram seguidos, levando mestre e pupila a uma extensa perseguição por entre os paredões rochosos e pelos bosques da área. O homem a quem perseguiam tentou de tudo para despistá-los, mas não conseguiu. Largou os segredos pelo caminho, atirando-os para o alto, espalhando-os e obrigando aos dois a pararem para reunir aqueles documentos considerados importantes.

O Escorpião ordenou a Antares que reunisse as peças e as levasse de volta ao Santuário, e ela o obedeceu em parte. Estava para retornar, contudo o cheiro de sangue que chegou ao seu nariz a preocupou. Com os estojos de osso e madeira dos pergaminhos em sua bolsa, a jovem correu até o local onde o odor ferroso era mais forte.

Próximo à um rio calmo, encontrou o seu mestre com uma haste cristalina atravessada em seu braço esquerdo. Estava de pé, embora perdesse sangue rapidamente. Do outro lado, o desertor, cujo capuz caído revelava um homem moreno e de feições delicadas, com duas manchas claras, bem características, no lugar das sobrancelhas. Um lemuriano.

O cansaço era visível em ambos, assim como algumas escoriações e a sujeira. Mas eram os olhos púrpuras, estreitos e determinados, do fugitivo era o que deixava claro quais seriam os prováveis finais para aquele encontro. Ele não iria permitir ser pego com vida, e isso era duplamente perigoso. Ainda mais quando o desertor pareceu nota-la.

O escorpiano, percebendo a distração de seu oponente, não conseguiu evitar a preocupação, e olhou por cima do ombro. Seus olhos vermelhos e fendidos se estreitaram perigosamente ante a presença de sua aprendiz. No Santuário, por diversas vezes, deixou claro não admitir insubordinação de quem quer que fosse, impondo severos castigos aos baderneiros e desobedientes.

– Eu disse para você ir embora! – O Cavaleiro de Escorpião rosnou ao perceber sua presença ali.

Antares não conseguiu se mexer ante a voz aborrecida de seu mestre, o que fez com que o lemuriano não escondesse uma desagradável risada.

– Parece que o Escorpião não tem moral alguma com seus subordinados. – Zombou ele, erguendo uma mão.

Scorpio e a jovem se colocaram em guarda. Ela, vestida com um pesado manto que ajudava a esconder o corpo que ganhava formas de mulher, agradecia por aquele oponente a tomar como um rapaz. O viu erguer as mãos em paralelo ao corpo, e sentiu o corpo arrepiar. A luz do sol refletia pequenos pontos que levitavam ao redor do homem de manto e se agrupavam. Fragmentos de alguma coisa translúcida tomavam formas pontiagudas.

Antares engoliu a seco ao ver que a situação não estava boa. Notava as estilhas pelo reflexo da luz, mas não sabia precisar seu tamanho e sua quantidade. Os ferimentos de seu mestre denotavam que mesmo ele não conseguia vê-los direito.

– Ei, garoto, vamos fazer o seguinte. Você deixa os pergaminhos aí, e vai embora. Eu pouparei sua vida, se fizer isso sem olhar para trás. – Disse o homem, com um olhar de desprezo voltado para o escorpiano. – Eles não vão punir um aprendiz pelo fracasso do mestre, e você pode até mesmo sair dessa vida nojenta que é a de ser o cão obediente de uma Deusa que não move um dedo por seus seguidores. – Cuspiu.

– Ao menos nisso concordamos, traste. – Rosnou o Cavaleiro de Ouro, abrindo um sorriso perigoso. – Que o meu aprendiz deva sair daqui. Mas com aquilo que viemos buscar.

Levou a mão diretamente à haste que atravessava seu corpo, e o puxou. A peça estalou e se deslocou, trazendo consigo uma grande mancha tão vermelha quanto os olhos daqueles dois. Ao conseguir tirar toda a estilha, um jorro de sangue desenhou um arco no ar e molhou o chão. Scorpio ofegava e transpirava pela dor que aquele ferimento tinha causado, entretanto ainda manteve o ar perigoso.

– Já que é assim… – Dizia o outro, levantando o braço com a mão aberta. – Será como quiser... Escorpião! – E seus olhos brilharam, tal como os cristais que cintilavam naquele momento pronto para serem enviados aos dois diante dele.

As estilhas atravessaram as imagens dos dois, fazendo com que logo desaparecessem, deixando o lemuriano confuso e surpreso. Ele olhou ao redor, como que esperando por um ataque pelo lado mais improvável. Um deslocamento de vento vindo da sua frente chamou sua atenção, fazendo com que virasse, bem a tempo de ver a jovem, em pleno salto, indo em sua direção. Não havia tempo para qualquer outra reação.

Pensou rápido, erguendo uma muralha de cristal rígida e protetora, bem no momento em que a viu jogar a perna esquerda contra ele. Preparou-se para o impacto, imaginando o quão divertido seria vê-la quebrar os ossos com a pancada, enquanto sua barreira permaneceria firme e forte.

Ela o golpeou com toda a força que tinha, fazendo com que a muralha trincasse, rachasse e se quebrasse diante do olhar incrédulo do desertor. Antares pousou segura, bem à sua frente, já pronta para prosseguir. Um arrepio percorreu o corpo do oponente ao cruzar olhares com ela. Seus olhos vermelhos estavam reluzindo em uma imensa sede de sangue que se fazia presente.

Protegeu-se como pode naquele instante, escapando de um ataque repleto de unhas longas e vermelhas que visavam seu rosto. Aproveitou aquela deixa para segurar o braço daquela a quem julgava ser um garoto e arremessou para outro lado. Novamente se viu surpreendido pela leveza daquele adversário que bateu contra o paredão, caindo atordoado.

O desertor se aproximou com cautela e puxou a capa que a envolvia, mas pouco tempo teve para reagir. Scorpio caíra sobre ele, enterrando o punho no chão até o cotovelo. Por muito pouco o lemuriano não conseguiu escapar, ferindo-se com os pedaços de rochas atirados pelo impacto do golpe.

– Uma mulher…? – Ele disse com escárnio e surpresa, ao constatar que o aprendiz do temível Escorpião era uma jovem. – Quem diria que alguém como você seria capaz de algo assim. – E girou a mão, fechando os punhos.

O escorpiano sentiu apenas uma pontada que atingiu sua cintura, atravessando-o. Novas estilhas translúcidas foram criadas sem que percebesse, e o alvejaram. Teria sido rasgado no meio, se não tivesse realizado um ato rápido, no momento em que sentiu a pele se rasgar por baixo da Armadura.

Um Cosmo rubro em forma de agulha atingiu ao desertor, atrapalhando-o. Um pouco mais, e teria rasgado ao Cavaleiro de Ouro ao meio, mas a dor lancinante terminou por retardá-lo. Não por muito tempo, mas o bastante.

– Sua cabeça… será um grande prêmio…! – O lemuriano falou, entredentes.

– Então venha busca-la... – Sorriu Scorpio, se colocando de pé.

Porém, uma sombra se projetou no desertor, desviando a sua atenção, fazendo-o acompanhar sua trajetória, e ver Antares pousar atrás dele.

– Mas o quê?! – Murmurou, pouco antes de sentir cinco novas perfurações pulsarem como fogo em seu corpo, fazendo-o gritar e cair de joelhos.

– Ninguém ousa ferir o meu mestre. – Ela rosnou, avançando novamente.

✶~~✶✶✶~~✶

Antares estava calma quando chegou ao Templo de Athena, na Acrópole. Bem recebida por sacerdotisas gratas e animadas com sua presença, ainda que percebesse o olhar preocupado de Berenike. Ela sabia. Nenhum Cavaleiro de Ouro retornaria àquele lugar sem que houvesse uma razão.

A mulher se aproximou da jovem, sinalizando para que as demais acólitas retomassem suas funções.

– Seja bem-vinda de volta, Amazona. – Saudou a Sumo Sacerdotisa com um tom gentil, embora seus olhos estivessem sérios. – A que devo sua visita tão cedo?

– Vim ver como está a mulher que trouxe. – Respondeu a escorpiana sem qualquer hesitação. – Ela está bem? Ainda abalada?

– Um pouco. Chorosa e se dedicando muito às orações, buscando paz. É compreensível que esteja assim, dado ao que passou nesses infelizes dias. – Replicou sua anfitriã, fazendo um gesto para que a seguisse. – Estamos trabalhando para que Dóris possa se acalmar um pouco e dormir. Está desperta desde que chegou.

– Compreendo. – A visitante falou, notando que se afastavam do salão principal, caminhando para um local mais deserto. – Mas pelo seu olhar, vejo que já faz ideia do que vim fazer aqui.

– Lamentável, mas se for a vontade da Deusa Athena, que ela seja cumprida. – Berenike suspirou, seguindo o caminho. – Não vou dizer que me alegro, porém...

– Nada desnecessário acontecerá, eu asseguro à senhora. – Antares falou prontamente.

Um simples sinal da Sumo Sacerdotisa e uma das jovens se aproximou para guiar a Amazona de Ouro aos aposentos da mulher resgatada. Um olhar assombrado da parte da clériga se fez presente, contudo a obediência lhe fora quase imediata. Bateu duas vezes à porta e abriu, deixando a escorpiana entrar sozinha.

A sacerdotisa a quem salvou mantinha-se num canto, sentada. Os olhos estavam vermelhos e inchados de tanto chorar, os cabelos emaranhados, soluçando desesperada. Por um momento, a recém-sagrada guerreira sentiu pena daquela criatura. Tinha tanto pela frente para terminar acuada daquele modo.

Quando Dóris viu sua salvadora, o seu olhar se transformou. O terror de mais cedo ainda estava lá, mas parecia aliviada o bastante para desehar um sorriso doloroso no rosto. Parecia ser o primeiro desde então. Aquela que conduzira Antares até ali fechou a porta, deixando-as a sós, mas não sem antes lançar um olhar piedoso para a colega.

– E-Ela… Ela a enviou! Athena… ouviu minhas preces! – Murmurou ela e juntou as mãos em forma de prece, levantando-se, cambaleante. – Veio trazer-me a paz que tanto tenho pedido… O-Obrigada…!

– Tem certeza de que é isso o que quer? – Questionou a Amazona, verificando a porta atrás de si. – Vim para ver se estava bem...

– Desde… que voltei… a voz não para! – A clériga falou chorando. – Atormentado-me… seduzindo-me… e eu estou resistindo como posso…! E eu pedindo à Athena... a todo o momento… para que me ajudasse e a superar, lutando contra mim mesma! Eu não aguento mais! – Completou com sacrifício, as lágrimas ganhando seu rosto.

Ela se aproximou da escorpiana, que podia notar os olhos claros e fundos da mulher.

– É-é muito forte!!! Expulsei todas daqui temendo fazer algo ruim com elas. Me neguei a ver a Sumo Sacerdotisa temendo fazer algum mal como a voz me pedia… Ele é bem persuasivo… – A mulher riu de modo débil. – Ofereceu-me a vida eterna, mas com um preço… Então, prefiro morrer pelas mãos suas… e quem sabe… libertar-me do que fizeram a mim? – E juntou as mãos.

– Entendo... Farei a sua vontade, mas antes... deixe... deixe-me escovar seus cabelos. – Falou a escorpiana, semicerrando os olhos de um modo perigoso, ante aquelas palavras, e apontou para a mesa diante de um espelho. Ainda que lhe doesse aos ouvidos aquelas palavras, iria dar-lhe, pelo menos, um último momento de conforto. – Quero que, ao menos, esteja com uma aparência digna. Eu estarei aqui, ao seu lado, até o seu último suspiro.

A mulher aceitou, limpando as lágrimas com as mãos trêmulas. Sentou-se de costas para ela, jogando os cabelos castanhos e desgrenhados para trás. O espelho de metal polido refletia uma imagem tão decadente que a sacerdotisa achou ser a de um cadáver vivo. Seus olhos se arregalaram de pavor ao ter a impressão de que o reflexo lhe sorrira bem discretamente.

A visitante percebeu aquela reação e olhou discretamente para o espelho, não notado qualquer anormalidade nele. A mente da mulher atormentada devia estar pregando peças pelo pavor que sentia ou então estava começando a ser torturada mais uma vez. De modo discreto, tomou um dos selos de Athena recebidos e o colocou nas costas da pessoa a sua frente, fingindo separar o cabelo castanho e opaco em partes.

– Você… é boa. – Dóris sussurrou de modo frágil, enquanto mexia na saia com nervosismo.

– Acha mesmo? – Questionou a escorpiana, pegando o pente de madeira e passando-o suavemente nas mechas onduladas da outra. – Não me recordo de terem me dito algo assim.

– Percebi que as pessoas não gostam de falar assim com as outras. – A mulher disse num tom triste, mas sereno. – Não entendo o porquê disso.

– Talvez porque temem ser invasivas. – Teorizou Antares, dando de ombros. Conhecia bem o seu próprio motivo para não fazê-lo. – Outras apenas não gostam de falar sobre si. Sentem raiva ou... vergonha de seu passado.

– Mesmo… quando a dor… é insuportável…? – Murmurou a outra, fechando as mãos sobre as pernas.

– Principalmente quando a dor é insuportável. As pessoas temem compartilhar sua dor e causar sofrimento a quem as ouve. Ninguém gosta de ver um ente querido sofrer, muito menos querem ser julgadas. Além disso, nem todos suportam o peso em seus ombros. – Respondeu a Amazona, separando o cabelo em partes. – E é por isso que a dor também cala, as vezes permitindo que as pessoas se tornem vítimas novamente. Para falar, é preciso mexer na ferida, e isso dói... Dói muito.

– A dor parece ser maior quando guarda para si. Ela parece que sufocar e as lágrimas queimarem seu rosto. – A sacerdotisa comentou, com o olhar parado no vazio. – E mesmo quando se quer falar, é como se fosse… silenciada. Sinto como se… sangrasse. Por quê?

– Eu não sei dizer, mas é bom que fale tudo o que conseguir. – Replicou a escorpiana em um sussurro. – Algumas pessoas conseguem faze-lo, ainda que com dificuldade, enquanto outras... outras precisam de longas conversas até encontrarem forças para isso... E há aqueles que nunca conseguirão falar sobre... enfim. – E desviou o olhar debaixo da máscara.

– A voz aflige essa dor. Desde aquele dia em que fui capturada que temo dormir pelos pesadelos… – Dóris estremeceu, abraçando-se. – Penso que, quando fechar os olhos, eles virão me tomar… E que por mais que peça, não paravam. – Lágrimas silenciosas rolaram por seus olhos azuis. – Eu nada via, apenas sentia. Os gritos ainda ecoam na minha cabeça e a voz…! Essa voz… ela traz muitas outras. Eu peço que se calem, mas não…! Quando dormia, sentia aquelas mãos frias me segurando, e despertava aos gritos. As outras sacerdotisas se assustaram…

Escorpião sentiu um forte arrepio percorrer suas costas, entretanto conseguiu não demonstrar seu desconforto. “Não pense nisso, Antares. Não pense nisso agora. Mantenha a concentração. Você veio aqui para cumprir com o seu dever!”, disse para si mesma.

– Eu não sou as outras sacerdotisas. – Ela apenas falou, com sua voz abafada pela peça metálica em sua face jovem. – Eu estou aqui para acabar com esse tormento. – E pousou a escova de volta à mesa onde estava.

A Amazona olhou para a clériga atormentada, deixando a última mecha escorregar por seus dedos. Todo o cabelo castanho da mulher estava devidamente escovado, escondendo o selo de Athena preso em suas costas. Tomou as mãos dela com cuidado e a ajudou a ficar de pé. Devagar, a conduziu até o leito e a olhou.

– Sente-se em paz agora ou gostaria de ficar mais um pouco? Tem algo a respeito do que houve que queira me contar, antes que eu execute a minha missão? – Questionou a escorpiana.

A sacerdotisa ficou a olhá-la por um longo tempo, como se fitasse os olhos da Amazona. Levou a mão à sua máscara com a gentileza de quem tocaria um rosto.

– E-Eu sinto muito… Por dizer… essas coisas. – Murmurou Dóris, e com a outra mão, buscou as da escorpiana, que podia senti-la fria. Ela tremia. – Faça! – Implorou, olhando para um ponto próximo à porta. – E-Ele... a voz… está… voltando… Vejo… a sombra dele… aqui… Acabe com essa dor…! Por favor!

– Não tema. – Escorpião falou, abrindo um sorriso fraco. – Está segura finalmente, e irá encontrar a paz que tanto deseja. – Explicou e ascendeu seu Cosmo como chamas douradas, mornas e sutis.

– Finalmente… poderei dormir… novamente…! – A outra sorriu, fechando os olhos.

– Sim, poderá... – Antares respondeu, levando uma mão aos olhos fechados da mulher, enquanto a acólita ainda a segurava. – Tenha bons sonhos... Dóris.

A escorpiana fechou os olhos com pesar e concentrou-se, sentindo o calor envolvê-la. Era uma quantidade de energia pequena, mas o bastante para o local o qual visava. O corpo da sacerdotisa espasmou quando o pulso de Cosmo passou por sua cabeça. A mão que segurava a da visitante relaxou e tombou, assim como todo o resto.

Com cuidado, a jovem a arrumou no leito. Estava para depositar uma moeda dentro da boca (01) da mulher quando percebeu o sorriso suave no rosto de semblante sofrido. Dóris estava livre, finalmente.


Notas Finais


01 – Naquele tempo, acreditava-se que, ao morrer, era necessário pagar pelo transporte para o outro mundo. Para isso, colocava-se uma moeda (geralmente um óbolo, que era chamado de Óbolo de Caronte, ou Moeda de Caronte) dentro ou sobre a boca do morto. Sem o pagamento, a alma era obrigada a vagar por 100 anos sem rumo antes de ser admitida nos Tribunais do Hades. Outra versão do mito diz que aqueles que não carregam a moeda de pagamento são condenados a vagar pela eternidade, podendo voltar para assombrar os vivos.


Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...