História Sobre amigos de quatro patas e Azul-Frufru - Esmalte

As meninas estavam, em pequenos grupos, todas espalhadas pela sala da mansão Frufru enquanto um filme que ninguém estava realmente assistindo passava na TV.

Denise, Mônica e Marina conversavam animadamente num dos sofás, Magali e Maria Cascuda folheavam um gibi juntas enquanto roubavam um ou outro docinho da mesinha de centro, sem fazer muita questão de disfarçar, e Carminha e Milena estavam sentadas em duas almofadas bem em frente ao outro sofá num silêncio confortável depois de passarem os últimos 10 minutos falando sobre o quanto a casa Frufru precisava de um pet.

Carminha segurava a mão de Milena com cuidado enquanto passava o esmalte rosa com toda a calma do mundo. Milena gostava muito daquilo; não sabia exatamente se era porque a mão quentinha segurando seus dedos a fazia sentir também quentinha por dentro ou se era o rosto de Carminha que ficava bonito demais assim de pertinho, mas sabia que gostava.

Os olhos azul-frufru inspecionavam as unhas recém pintadas com atenção, tentando ao máximo não borrar quando passava a segunda mão de esmalte. A expressão concentrada de Carminha mordendo o lábio inferior e os óculos escorregando para a ponta do nariz de tempos em tempos faziam com que Milena não quisesse desviar os olhos nunca mais.

— Então quer dizer que vocês são bvs? – a voz de Denise mais alta que momentos antes interrompeu os pensamentos de Milena que, contrariando o pensamento de segundos antes, passou a olhar as meninas no sofá. — Ai, amigas, que brega!

— E você já beijou, por acaso, Denise? – Mônica perguntou de volta, ainda que um rastro de timidez com aquela acusação se mostrasse presente.

— Claro que não, fofa, mas o assunto aqui não sou eu, viu? – Denise respondeu como se aquilo não a afetasse em nada, mesmo que suas bochechas tivessem ficando levemente coradas.

— Eu já beijei o Cascão. – Maria Cascuda se intrometeu na conversa, ainda que soasse envergonhada em admitir o fato quando todos os pares de olhos ali se viraram pra ela (menos os de Carminha, ainda concentrada em sua tarefa).

— Ah, isso é notícia velha, more.

— Denise! – Mônica a repreendeu.

— Que foi?! Eu super shippo, tá bom? Você e o Cascão já 'tão prestes a virar namorados, né, Cas? – Cascuda apenas confirmou com a cabeça e Denise mostrou a língua para Mônica.

Como Maria Cascuda era a mais nova integrante da turma e parecia meio tímida, Mônica tinha um cuidado extra com ela, por isso lançou apenas um olhar que dizia “Toma cuidado” para Denise, que desviou o olhar, voltando para Magali agora.

— E você, Maga, querida? Já beijou? Tem alguém que você queira beijar?

— Não. – Magali respondeu rápido, parecendo nervosa com o assunto.

Denise alargou o sorriso como o gato da Alice assim que percebeu aquilo.

— Que nervosismo é esse que eu tô sentindo aqui? – apontou teatralmente na direção da amiga. — Conta a fofoca, fofa.

— Ah, não é nada demais. – Magali disse ainda nervosa. — Eu ainda não beijei mesmo, juro. Mas eu… – hesitou por um segundo. — Eu acho que eu quero. – admitiu baixinho, se encolhendo.

— Babado!

— É o Quinzinho, Maga? – Milena perguntou curiosa.

Magali apenas fez que sim com a cabeça, colocando na boca uns cinco docinhos de uma vez para que não precisasse falar mais nada e as meninas trocaram um olhar de compreensão. Ela provavelmente não queria falar muito mais sobre aquilo.

— Arrasou, amiga, ele é um fofo mesmo! – Denise disse por fim, mudando a atenção agora para as duas pintando as unhas. — Mi?

Milena sentiu os dedos de Carminha a segurando um pouco mais firme, quase como se ela também estivesse curiosa para saber a resposta daquela pergunta.

— Nunca beijei. – deu de ombros. — E, sei lá, eu nunca pensei nisso antes, então eu acho que não tem ninguém. – pensou um pouco, sentindo um carinho na mão que Carminha agora passava uma camada de glitter, lembrando da conversa sobre animais que tinha acabado de ter com a amiga loira. — Eu prefiro conversar sobre bichinhos com vocês, eu acho.

— Típico. – Denise alfinetou.

— Você tá que tá hoje, 'ein, Dê?! – Marina falou.

— Relaxa, Mary, já conheço bem a peça. – garantiu, rindo da careta descontente que a amiga fofoqueira fez.

— Enfim. – Denise voltou a falar, os olhos de Milena voltando para a garota loira logo a sua frente, conseguindo ver um sorrisinho de canto ali e Milena pensou por um momento que talvez Carmem também gostasse de falar de bichinhos. — Carminha. – o sorriso sumiu.

— Não também. – respondeu, sem tirar o olho das unhas de Milena, provavelmente para não encarar os olhos surpresos e as exclamações que viriam a seguir.

— Sério? – as vozes de Mônica e Marina perguntaram juntas num tom de incredulidade genuína.

Milena estaria mentindo se dissesse que não ficou tão surpresa com aquela resposta quanto as outras garotas. Carminha era de longe a garota mais popular do bairro, se ela nunca tivesse beijado ninguém, talvez… Talvez, assim como Milena, ela preferia fazer outra coisa ao invés de beijar garotos.

— Ok. Mas aposto que pelo menos metade dos garotos do bairro querem beijar você. – Denise falou. — A questão aqui é: tem alguém que você queira beijar, amiga?

Pela primeira vez desde o início daquela conversa, Carminha tirou os olhos das unhas perfeitamente pintadas, olhando bem nos olhos de Milena por um segundo inteiro antes de olhar para as outras que estavam esperando com expectativa pela resposta.

— Não, Dê. – respondeu ao mesmo tempo em que apertou levemente os dedos de Milena entre os seus. — Eu nunca quis beijar nenhum garoto.

As outras meninas voltaram a incredulidade com aquela afirmação, só que dessa vez Milena não espelhava o sentimento, sentia um nervosismo diferente com a descoberta daquilo. Por um motivo estranho, que ela ainda não sabia nomear, sentiu seu coração aquecido com aquilo e quando os olhos azul-frufru voltaram a focar em seu rosto, seu estômago virou uma bagunça de borboletas.

Ficaram se encarando por um tempo que parecia longo demais, Milena sentiu seu rosto quente com a forma que Carminha olhava para seu rosto, quase como se estivesse admirando a vista.

Às vezes, Carmem fazia aquilo. Nas últimas semanas, quando as duas faziam algo juntas no Clube da Turma, na mansão Frufru ou quando ela aparecia para torcer em algum jogo de futebol no campinho e ficava torcendo na arquibancada enquanto Milena jogava, Carminha às vezes a olhava como se fosse a coisa mais bonita do mundo. E, em todas elas, Milena não sabia o que fazer, além de olhar abobada de volta com o coração batendo forte no peito.

Quando Milena desviou o olhar, tentando escapar do furacão de sentimentos, notou que tudo aquilo passou despercebido pelas outras amigas. Denise discutia com Mônica e Marina sobre elas serem “óbvias demais” porque é claro que Cebola e Franjinha eram os únicos garotos nas listas delas, respectivamente, ainda que Denise não tivesse dito o nome de ninguém ainda.

E se Milena e Carminha ficaram de mãos dadas sem nenhum motivo real até Madame Frufru aparecer e as meninas precisarem ir embora, ninguém precisava saber.