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História Soneto Proibido - XLII - Diga-me sim.


Escrita por: larihexney

Notas do Autor


Corri contra o tempo e cá estou no último dia de 2019 com um capítulo novinho pra vocês!
Se eu contar a história pra conseguir escrever esse capítulo... Ai ai! Peguei emprestado o notebook da minha prima dia 29! Escrevi horas a fio e parei na metade! Terminei pelo celular, onde tanto ODEIO escrever. Mas não é que acabou dando certo?
Que 2020 seja assim pra gente, com bons resultados quando a gente se arrisca até no que a gente não gosta. Contanto que faça parte do propósito e este seja algo bom, que a gente tenha a coragem pra se jogar no desconhecido!
Foi um prazer dividir 2019 com vocês! Boa leitura!

Capítulo 43 - XLII - Diga-me sim.


Depois de quase três dias sem atividade, eu estava prestes a sair de casa para ir ao tão esperado baile que seria dado pelo marquês carioca que estava em Tiradentes por uma curta temporada. Era válido salientar que toda a expectativa partia de Lucca. Se dependesse de mim, eu e o barão não dividiríamos o mesmo espaço – ainda mais um espaço reguenguele – por muito mais do que segundos.

Desde a briga vexatória na minha casa, eu e Lucca não conversamos. Eu sabia que tinha sido uma decisão minha faltar no dia seguinte ao infeliz episódio e que esta atitude havia sido uma clara demonstração de imaturidade e quiçá de desrespeito ao nosso contrato, porém nada justificava aos meus olhos a sua reação. Através de um bilhete, entregue por Dona Eugênia, o sr. Vasconcellos dispensou meus serviços até sexta-feira, quando, de acordo com o escrito, eu deveria estar pronto pontualmente às 18h para o baile. Por fim, ainda teve o despautério de dizer que todo fim de tarde, caso eu quisesse, poderia procurá-lo no nosso lugar. 

Obviamente eu não fui nem sequer um dia atrás dele.

Em troca, ele também não me procurou. Foi maduro, quis me dar espaço. Agiu como o adulto que ele era, sem lembrar que estava se relacionando com um garoto que, em dados momentos, queria que ele fosse com a maturidade dele para a puta que o pariu.

Eu estava indignado com suas ações! Por mais que eu reconhecesse que muito da minha conduta hoje tinha que ser como o assistente dele, eu tinha ciência de que não perderia a chance de cutucá-lo na primeira oportunidade. Na verdade, eu só estava indo hoje porque queria dizer a ele que eu não teria condições de continuar trabalhando como seu assistente se eu tivesse a regalia de ser dispensado por ele por quase uma semana inteira.

E também porque eu precisava dizer que ele não havia feito falta alguma, que se ele quisesse poderíamos ficar sem nos vermos por um mês que eu não me importaria, assim como ele aparentemente não se importou. Diria ainda que eu não escrevi dez sonetos para ele a cada dois dias, nem deixei uma lágrima saudosa cair por sua causa... Mentiria até não poder mais! Para, no fim, morrer engasgado com o meu orgulho, que pelo menos mantinha minha dignidade – e, consequentemente, minha vida sensaboria sem ele.

Por mais que eu tenha ficado verdadeiramente chateado com sua decisão de não despedir Eliseu, acatando assim o pedido de minha mãe, eu não tinha a intenção de ficarmos tanto tempo sem nos vermos. Ainda me custava entender e perdoar Aurora por seu desejo de manter esse homem sob o mesmo teto que nós, mas eu não tinha forças para contrapor mais nada. Como era possível convencer uma pessoa agredida da necessidade de punir e afastar seu agressor, quando esta defendia justamente o contrário?

Eu não sabia essa resposta e talvez isso me doesse mais do que a violência que também sofri. 

Desse modo, por me sentir duplamente impotente, eu preferia não tocar no assunto, como era a vontade de minha mãe. Nunca antes as paredes que compunham nosso lar estiveram entre mais ensurdecedor silêncio. Durante os últimos três dias, eu acordava, esperava Eliseu sair, saía do quarto, tomava café, voltava para o quarto, esperava ele vir para o almoço e sair novamente para só então comer. Como no horário do jantar ele já estava em casa, eu não fazia a última refeição do dia para não haver riscos de nos encontrarmos. Dessa maneira, eu ainda não havia o visto desde o ocorrido e esperava que, com sorte, quando eu regressasse do baile, ele já estivesse adormecido.

Não sabia se estava pronto para esse encontro nem se um dia estaria. Eu só sabia que evitaria ao máximo a sua face, pois tinha o terrível pressentimento de que todo o rancor e náusea viriam à tona ao mirá-lo. Sendo assim, eu preferia não me atrever.

De recolhimento e prudência, eu via um novo Thomas sendo esboçado sem muita cor diante dos meus olhos com que eu pouco pudesse fazer. E chegava a ser cômico como ele combinava perfeitamente com essa figura que eu fitava no espelho debaixo desse terno todo preto, com recortes joviais com a única função de lembrar-me que eu era um recém adulto – não muito velho, todavia não se precipite, tenha senso de responsabilidade, você também não é tão jovem. O terno parecia querer dizer exatamente isso sobre mim e, enquanto minha mãe ajustava a gravata, mesmo com a minha relutância em aceitar sua ajuda, eu amarguei essa realidade.

— Você está muito bonito, meu filho. – Aurora disse, contemplativa. 

— Graças a senhora. – Falei, erguendo os braços horizontalmente para conferir melhor o terno deslumbrante que ela havia costurado. — Obrigado.

Ela apenas sorriu para o meu agradecimento, ainda abatida, visivelmente mais magra e agora com olheiras no rosto. Meu peito ardia ao vê-la daquele modo. Por essa razão, desviei o olhar, mirando de imediato o espelho para me pentear. No fim das contas, eu também não queria me atrasar. 

Uma batida na porta e minha mãe foi atender, trazendo-me um doloroso alívio pela saída do seu corpo fragilizado do meu campo de visão naquele estado. Eu permaneci diante do espelho no corredor entre a sala e os quartos até terminar de domar meus cabelos, já em nervos por não ter escutado vozes na sala e temeroso de ter sido Eliseu quem tinha acabado de chegar. Era possível que ele estivesse esquecido as chaves, isso já havia acontecido antes.

Reunindo toda a coragem que me restava, atravessei a sala, para tão logo encontrar Lucca sentado no sofá segurando as mãos de minha mãe com uma expressão de pesar no rosto. Minha surpresa foi tão grande com a sua presença que eu fiquei parado onde estava, não querendo, mas admirando sua beleza estonteante. Eu já tinha visto Lucca muito bonito em muitas vestes, mas com os ternos que minha mãe fez exatamente sob medida para cobrir e valorizar seu peitoral... Jesus. Não havia palavras para descrevê-lo no momento. Eu, diante dele agora, nem poderia ser considerado no quesito beleza.

Ele havia se superado. E eu jamais pensei que isso fosse possível.

— Thomas, o barão veio buscá-lo. – Minha mãe anunciou, recolhendo educadamente suas mãos das de Lucca. — Ora, o que faz aí paralisado? Já está atrasado!

— Oh, não, sra. Sousa, eu quem me precipitei. Thomas está no horário. – Lucca disse com um sorriso comedido em direção a minha mãe.

Não demorou muito, no entanto, para que ele voltasse seu olhar para mim. Era um maldito arrogante! Ousou me olhar descaradamente, da ponta do pé até o fio custosamente alinhado do meu cabelo, e depois disfarçou, cruzando as pernas e cautelosamente pondo a mão sobre a virilha.

Aquilo era demais para mim.

— Bom... – Pigarreei, objetivando limpar a rouquidão importuna da minha voz. —  Já que estamos prontos, não vejo por que não irmos de uma vez. – Disse, esperando que Lucca se levantasse, o que não aconteceu. 

Lucca continuou me fitando, para o meu completo embaraço. O olhar de estranheza da minha mãe, entretanto, me deixou em alerta e eu vi a necessidade de ser mais ligeiro.

— Barão? O senhor não concorda em irmos agora? – Questionei em tom estritamente respeitoso e profissional. Isso o fez se mover.

— Sim, sim, concordo. Bom, sra. Sousa, foi um prazer revê-la. Obrigada mais uma vez pelo belo terno. – Ele finalmente disse, levantando para se despedir da minha mãe.

Quando pedi para que ela ficasse despreocupada com o horário da minha volta e saí de casa, fiz questão de manter uma distância física grande entre mim e Lucca. Caminhamos até o automóvel no mais profundo silêncio, o breu do caminho entre a vila e a residência dele nos engolindo. 

Até sairmos dos arredores de sua propriedade, eu não ousei olhá-lo. Todavia, quando o fiz, minhas mãos pinicaram com a ânsia de tocá-lo e, juro por Deus, eu senti que morreria se não o fizesse. Com minha boca salivando por sentir seu cheiro tão próximo a mim, eu perdi todo o controle ao pedir:

— Pare o veículo, por favor. 

Vi quando ele pensou em questionar, seu cenho franzindo levemente em hesitação. Porém, mesmo sem saber minhas razões, ele parou em um local que, devido a escuridão da noite, eu não sabia dizer onde era com precisão. Mas parecia suficientemente seguro para fazer o que eu queria fazer naquele instante.

Bastou Lucca desligar o motor para que eu, inteiramente eufórico, me lançasse sobre sua boca com tanta avidez quanto era possível. Sem hesitar, passei uma mão por seu pescoço, unindo nossas bocas com tanta força, paixão, exigência e urgência que pensei que fosse desmoronar com aquele beijo. Em correspondência, ele tocou sua língua na minha e eu cedi espaço para que ele aprofundasse a carícia da sua boca na minha. 

Quando percebi que ele começava a cadenciar o beijo, querendo fazer daquilo um momento romântico – e parcialmente conseguindo, visto que o lado esquerdo do meu peito começou a retumbar com seus carinhos na minha cintura – eu o afastei abruptamente, voltando a acomodar-me no meu assento, sem fôlego, atônito por ar.

— Eu senti falta disso. – Ele disse, sorrindo carinhoso e de modo sugestivo como uma criança contente com a traquinagem que fez. — Estamos com minutos de vantagem, então trate de voltar para mim... 

— Nunca mais eu beijo você, Lucca! – Bradei, tentando soar convincente. 

— Como assim? – Quis saber, sua feição confusa.

— Eu disse que nunca mais beijo você. – Falei novamente, olhando nos seus olhos e me sentindo tão fraco perante a intensidade deles para mim.

— Ah, é? E por quê? – O mais velho perguntou, evidentemente não acreditando em mim.

Mas pudera! Quem acreditaria se me vissem o fitando da maneira boba como eu costumava fitá-lo?

— Porque você é um maldito. Quero odiar você por me isolar todos esses dias, por nem sequer procurar saber como eu estava. Não quero mais ser seu assistente se vai me dispensar assim, como se eu fosse um vagabundo. Muito menos quero ser seu namorado. – Declarei, sentindo minhas bochechas queimarem quando terminei de falar tudo.

— Somos namorados? – Ele inquiriu, surpreso e divertido.

Deus, eu havia dito tanta coisa e ele só notou essa palavra imbecil? Que desgraçado! Um exímio desgraçado!

— Acho amante uma palavra muito pesada, por isso usei essa. Mas agora, não somos mais nada. – Justifiquei-me, cruzando os braços.

Ouvi um suspiro dele e logo depois uma risada suave.

— Amor, o único que não me procurou aqui foi você. Eu fui todas as tardes para o nosso lugar. Ontem mesmo fiquei até as 21h, na esperança de você aparecer. Tudo o que quis foi te dar espaço. Você estava muito furioso na última vez que te vi... Eu não queria ter a infelicidade de aborrecê-lo novamente. – Disse e suspirou de novo, tocando na minha bochecha. — Por que acha que fui até sua casa antes do horário? Sem nenhum sinal seu, eu estava quase sucumbindo com receio de você não querer me ver mais. Hoje era o prazo final.

Sua mão desceu da minha bochecha para o meu queixo e lá ele apertou, obrigando-me a encará-lo. Eu sabia que eu já estava rendido, entretanto permaneci imóvel, não querendo anunciar a vitória do outro em tornar maleável o meu coração.

— Se eu não te visse hoje, provavelmente enlouqueceria. 

Não mais que eu, eu quis acrescentar, mas não houve tempo suficiente antes da sua boca tomar a minha.

Dessa vez, exatamente do jeito que ele queria. 

 

°°°

Chegamos ao casarão no qual aconteceria o baile cerca de meia hora depois de Lucca voltar a dirigir. E, se eu achava que a casa que abrigou a comemoração do casamento de Gregório era chique, eu definitivamente não saberia descrever o local em que meus pés estavam naquele momento.

Por fora, parecia ser apenas um casarão de um nobre muito rico, mas internamente o imenso salão era dominante, quase imponente em função do seu espaço amplo, bem decorado com vidraçarias de primeira, cristais e as pinturas no teto, que lembravam com primor as pinturas em ouro das igrejas mineiras. Alguns músicos estavam dispostos no espaço e, no centro do salão, bailarinos dançavam, compondo um espetáculo que enchia os olhos dos convidados. Garçons serviam o tempo inteiro; e sofás acolchoados, em vez de cadeiras, eram os assentos a serem ocupados.

Na minha visão, aquilo era simplesmente irreal. Exalava riqueza em tudo. Mais do que eu poderia imaginar ser possível existir em um único espaço.

— Até eu estou surpreso. Jamais pensei que esse marquês fosse tão rico. – Lucca disse baixinho ao testemunhar minha expressão embasbacada.

Endireitando-me, observei sua postura e tratei de imitá-lo com o propósito de não o constranger com a minha falta de costume com tanto luxo. Embora ele parecesse realmente não se incomodar com a minha perplexidade, eu deveria, ainda que por uma noite, incorporar com perfeição o papel de assistente do barão mais respeitado de Tiradentes. E para isso, eu precisava fingir costume em frente a tanta gente reguenguele.

Assim que Lucca adentrou o local, nos tornando totalmente visíveis para quem havia chegado mais cedo do que nós, notei que buscava rostos conhecidos. Ao que parecia, tinha encontrado poucos, porque, incialmente, apenas um casal veio cumprimentá-lo. Tratava-se do coronel da cidade e sua esposa.

— Barão Vasconcellos, que felicidade o ver por aqui! – O coronel disse, simpático em excesso. 

— Coronel e senhora Barreto, é uma honra encontrá-los. Permitam-me apresentar-lhes meu assistente, Thomas Facchin. – Lucca disse, também excessivamente educado.

Ainda muito sarapantado, eu demorei de erguer a mão para cumprimentar o coronel, que acabou por me olhar com curiosidade. Em sequência, tomei delicadamente as mãos da sua esposa e deixei um beijo educado lá.

A verdade é que eu ficava todo trapaiado com tanta formalidade.

— Barão, eu esperava que viesse acompanhado de sua adorável esposa. – A mulher do coronel bigodudo disse, amortecendo-me instantaneamente. 

O diabo não poderia mesmo perder uma chance de me incomodar.

— Sendo este um baile de negócios, preferi vir acompanhado do meu assistente, senhora Barreto. Mas Ana Clara passa bem, ficará feliz por lembrar-se dela. – O barão esclareceu, lançando um sorriso forçado para a mulher enxerida.

— Mande-lhe lembranças, assim como para sua sogra que tanto estimo. 

Ela gostava de Rita? Por Deus, aquela mulher precisava ser santificada!

Ou colocada no mesmo covil de cobras que a senhora Salgueiro.

— Barão, o senhor e seu assistente sentarão conosco? – O coronel perguntou, aparentando de fato fazer questão da companhia de Lucca. Certamente, ele tinha poucos conhecidos no baile.

— Eu adoraria, mas antes de sentarmos pretendo encontrar o marquês. O senhor já o viu por essas bandas do salão?

— Sim, ele estava há pouco reunido com o governador e sua esposa. Acredito que logo estará aqui. Agora, se me permitem, irei descansar um pouco com a senhora Barreto. O convite está firme, queiram vir se juntar a nós depois de conversar com o marquês, sim?

— Muito obrigado, coronel. – Lucca disse em despedida, não fazendo promessas quanto a oferta do outro.

Depois que eles se afastaram, o mais velho discretamente tocou minha costela.

— Acho que você ficaria feliz em conhecer o governador. – Disse, olhando para frente e sorrindo enquanto andava. Eu o segui, fazendo o mesmo.

— E por quê? Por acaso há algo nele capaz de me interessar? – Brinquei.

Lucca sorriu cordialmente para uma senhora, apanhou duas taças de champanhe, deu-me uma, bebericou a sua e somente após ingerir voltou a falar.

— Suponho que sim. Ele é alvo da igreja. – Respondeu e de imediato mordeu o lábio suavemente. A ação parecia ser inconsciente, mas alardeou todo o meu corpo no mesmo minuto. — Adivinhe o porquê.

Se você soubesse o que eu queria adivinhar agora, barão...

— Não faço ideia. – Admiti, tentando limpar os meus pensamentos indecentes.

— Ele tem como objetivo a separação dos assuntos da igreja com os assuntos da política. Possui projetos que visam diminuir o poderio católico no que diz respeito a máquina pública. – Relatou, deixando-me chocado.

— Não sabia que ele apoiava tão fielmente os ideais republicanos. Isso é fantástico, Lucca. Podemos chamar isso de um começo, não? – Consultei sua opinião, subitamente empolgado com a conversa.

— Bom, eu acredito que sim. Há respaldo na lei para que ele atue dessa maneira, embora eu não aposte que seja fácil colocar seu ideal em prática. Existem muitas pessoas dispostas a não deixar que isso vingue e... Olhe só, ele está ali! – Lucca apontou com a cabeça, tocando gentilmente o meu braço para que eu visse, só em seguida dando-se conta da nossa proximidade e recolhendo sua mão. 

Fingi naturalidade, mas aquilo me incomodou. Eu queria ter o direito de ser tocado por ele sem pensarem tolices.

— O governador é esse homem... Exótico? – Arrisquei, sabendo que nem de longe a palavra exótico descrevia com veracidade a estranheza daquele homem magricelo e ruivo.

Lucca conteve um riso.

— Não, Tom, aquele é o marquês. Reconheci-o pelas suas iniciais gravadas no casaco que está usando. Ao que parece, ele é uma figura bastante... Pitoresca.

Pitoresca? Aquele homem parecia ter saído diretamente de uma companhia circense! Como podia um marquês possuir um estilo tão excêntrico? Na minha cabeça, qualquer membro da nobreza seguia à risca os códigos da alta sociedade: do modo de andar ao modo de defecar. Este último eu não sabia como funcionava, mas, se tratando de gente reguenguele, eu poderia apostar que havia alguma diferença.

— Vamos cumprimentá-lo. – Lucca anunciou, já começando a caminhar em direção ao marquês.

Eu o segui, de repente ansioso por ser induzido a socializar com tantas pessoas desconhecidas. O marquês estava rodeado de três homens engomados, com os cabelos penteados totalmente para trás, como os de Lucca. Apesar de eu gostar de como ele se parecia assim, todo imponente e tudo mais, seus cachos faziam falta aos meus olhos. A perspectiva de desembaraçá-los entre meus dedos era não só satisfatória como também tentadora. Só de imaginar eu podia sentir minha boca pinicando em dese...

— Boa noite, senhores. – Lucca cumprimentou o quarteto, interrompendo meus pensamentos mais uma vez. — Marquês Aluísio Vicentino, sou o barão Lucca Vasconcellos. Este é meu assistente, Thomas Facchin. Agradecemos o convite. Belo salão e belo baile.

— Boa noite, barão, muito prazer. – Responderam os três que acompanhavam o marquês. Eu me limitei a um aceno de cabeça, que foi correspondido em sequência.

— Barão Vasconcellos? É o senhor quem tem investido na cafeicultura aqui em Tiradentes? – O marquês indagou, sua animação sendo facilmente identificável em sua voz.

— Sim, marquês, sou eu.

— Homem, eu estava à sua espera! – O marquês disse, desvencilhando-se do círculo que formava com os demais homens. — Estava há pouco conversando com o governador da cidade e perguntei a respeito das expectativas para uma possível diversificação da economia. Como sabe, barão, lhe considero um visionário. Café tem sido o produto do século. Mas temo que aqui o senhor não consiga prosperar se a mentalidade dos governantes não mudar.

Lucca estava boquiaberto com a receptividade e a indelicadeza do marquês para abordar assuntos de negócio, era notório. Eu cheguei a achar graça da sua cara espantada, mas algo me chamou ainda mais atenção. Um dos homens, que agora se encontravam desconcertados, mirava Lucca com um olhar desdenhoso, esnobe. Passei a encará-lo e, quando ele viu que eu o observava, prontamente baixou o olhar, tocando o dedo na taça que segurava entre as mãos repetidas vezes.

— Bem, marquês, eu confio que mudanças acontecerão em Tiradentes em um futuro próximo. Esse governador é um legítimo republicano. Veja só o senhor, ele tem como pretensão a diminuição do poderio católico nos assuntos políticos da cidade. 

O homem que eu observava torceu a boca discretamente antes de conter um riso e se pronunciar:

— Não sei de que forma ele pretende fazer isso. Com os boatos que correm na cidade, está mais claro do que nunca que os preceitos católicos prosseguem sendo embasamento para a justiça tanto em Tiradentes quanto no restante do país.

— Ora, mas o que vem acontecendo não se firma em preceitos de cunho religioso, caro Pedro. Trata-se da manutenção da ordem e da decência! – Disse imperativamente o homem ao lado do tal Pedro. 

Eu e Lucca nos entreolhamos, e ver a confusão nos seus olhos me confortou.

Eu também não fazia ideia do que eles estavam falando.

— A que boatos os senhores se referem? – Lucca perguntou, expressando a curiosidade que eu também possuía.

Os homens se olharam, encabulados.

Ora, que inferno de mistério!

— Oh, os senhores ainda não sabem? Foi uma das primeiras coisas que ouvi desde que cheguei do Rio de Janeiro! – O marquês riu e, como um maestro coordenando uma orquestra, todos os demais o seguiram na risada. — Flagraram dois perversos dividindo a mesma cama aqui em Tiradentes.

— Dois perversos? – Repeti, franzindo o cenho.

— Dois homens. – Pedro interviu, esclarecendo. — Estavam praticando imundícies em um hotel. Ao serem descobertos, o coronel decidiu detê-los até que o padre encontre um local para encaminhá-los para um tratamento. 

Minhas mãos ficaram geladas e meu coração palpitou desvairado no peito. Quis olhar para Lucca, mas não tive coragem. Meu corpo todo ficou sob tensão e eu esperava por todos os meus santos que minha feição não exibisse o medo que eu estava sentindo.

Como, meu Deus, eu não soube disso antes? 

— Que tipo de tratamento? – Lucca ainda questionou.

— Um suficientemente bom para transformá-los em machos. Por mim, matavam os dois, para não haver riscos de alastramento dessa doença. – O mesmo de antes disse, convencido de suas palavras.

Um silêncio se seguiu por alguns segundos antes de o marquês voltar a falar. Eu prossegui emudecido.

— Bom, barão, eu gostaria de falar com o senhor em particular. Não ficarei por muito tempo em Tiradentes e tenho uma proposta a lhe oferecer. Talvez o seu assistente também queira ouvir.

Ainda paralisado, movi apenas os olhos para encontrar os de Lucca fitando-me, preocupados. 

— Por mim tudo bem. – Lucca respondeu, disfarçando tão bem que cheguei a invejá-lo. — Vamos, Thomas?

— C-claro. – Assenti, engolindo em seco. — Se me dão licença... 

Eu e Lucca nos despedimos dos três homens e eu soltei todo o ar que nem sabia que estava prendendo. Vendo que precisava de um tempo sozinho, pedi perdão ao marquês e ao barão e afirmei que precisava ir ao toalete e que logo em seguida os encontraria. Para a minha sorte, Lucca não me indagou nada. Ele apenas me olhou demoradamente, como se me checasse.

Eu sabia que ele me conhecia bem e isso me confortava muito, mas, no momento, sua presença não me ajudava. Eu estava apavorado. Saber que havia pessoas como nós, na mesma cidade, prestes a terem suas vidas restringidas por sentirem o que sentíamos... Deus! Era mais do que desesperador, era torturante! 

Precisei ir para a varanda do casarão para respirar ar fresco. Estava vazio, apenas um casal tinha tido a mesma ideia que eu e, todavia, os dois estavam tão imersos na conversa que estavam tendo que nem sequer notaram a minha chegada. 

Fiquei com os braços apoiados na sacada, mirando um ponto fixo qualquer, com os pensamentos voando por minutos. Lembrei de quando vi Lucca pela primeira vez, da minha súbita e imediata atração por ele e, posteriormente, da inquietude até conseguir provocá-lo. Ainda que tenha vindo dele a decisão de tentarmos um envolvimento, quem tinha deflagrado tudo havia sido eu.

Agora, via-me tão imprudente. Eu não me arrependia de nada, porém certamente me sentiria culpado caso algo nos ocorresse. Eu não suportaria ver Lucca arruinando por minha causa. Não era justo com ele. 

Assim que pensamentos quase tão horripilantes quanto algo mau nos suceder me atingiram, eu respirei fundo, contendo-me para não tomar uma decisão precipitada. Dei meia volta, obstinado a procurar Lucca para retomar minha função ali, entretanto não foi necessário ir muito longe. Antes que eu estivesse de volta no salão, ele surgiu, vindo em minha direção.

— Ei, você. – Ele disse, colocando as mãos nos bolsos da calça social preta, deixando à mostra, assim, os detalhes em viscose do acabamento do seu paletó feitos por minha mãe.

— Olá. – Respondi, voltando para a sacada, obedecendo seu comando para estarmos a sós, uma vez que o casal que estava ali tinha acabado de entrar no salão.

— Você está com medo? – Ele perguntou depois de um tempo na mesma posição que eu ocupava minutos atrás.

— Você não? – Devolvi a pergunta.

Ele respirou fundo e exalou. Não me fitou nem um só segundo antes de fechar os olhos.

— Acho que sei o que está pensando. – Revelou.

— Não estou pensando em nada. – Retruquei.

— Se não está, já esteve, e gostaria que você parasse. – Disse firmemente. 

Fiz questão de olhar no seu rosto, querendo expor com um olhar a minha fúria com o seu tom complacente.

Mas não tive chance. Quando ele abriu os olhos, havia uma faísca de esperançosa alegria ali e eu não tive forças para destruí-la.

— Como foi a reunião com o marquês? – Perguntei, não sentindo exatamente que estava mudando de assunto, já que eu tinha a impressão de que seu semblante quase perturbadoramente sereno devia-se a conversa que ele havia tido com o nobre.

— Só conto com uma condição. – Ele sussurrou, arteiro.

— Qual? – Exigi, inegavelmente curioso.

— Diga-me sim. 

— Dizer sim a quê?

— Não importa o quê, prometa-me que me dirá sim. – Ele também exigiu, em sussurros.

Respirei fundo. Olhei para ele, tão bonito, elegante e ali, olhando-me com paixão... Eu me sentia tão sortudo. Tinha medo, era verdade, mas eu me sentia afortunado. Mesmo com todos os pesares, seu casamento, a sociedade, meus pais e até o próprio Deus... Tratando-se de Lucca, o "não" não era uma opção.

— Eu prometo. – Eu disse e seu sorriso travesso preencheu toda aquela boca atraente.

Para tão logo chocar-me feito o inferno.

— Nós vamos para o Rio de Janeiro, Thomas. Só eu e você, durante uma semana inteira.

 


Notas Finais


De feliz ano novo, eu só queria que vocês comentassem muuuuito tudo o que vocês acharam do capítulo! Favoritem, compartilhem... Enfim, façam essa autora feliz!
Um beijo cheio de amor pra vocês! Até o ano que vem! 😁😘


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