História The Better Side Of Darkness - Apenas Comida

- Merda. Bebi tanto que nem me lembro de ter feito esse curativo. Muito bem feito, por sinal. É Nyeve. Mesmo bêbada ainda sabe fazer um curativo.

Me levantei da cama, mancando e tentando não colocar a parte de dentro da sola do pé no chão. Andei parecendo um pato durante o dia todo, mas pelo menos consegui retomar minhas atividades normais. Mais tarde, na faculdade, enquanto jantava com Coletti, ela me convidou para a festa naquele dia novamente.

- Não sei...

- Vamos...

Mais uma vez eu senti como se tivesse mais alguém na minha cabeça, falando comigo. “Vai. Foi legal ontem não foi?”

- Eu... vamos. Vamos.

A loira sorriu, enquanto eu terminava o meu jantar. Sabia que não estava fazendo o certo... mas... um pouco de diversão às vezes não faz mal à ninguém.

Tudo corria bem, Coletti com Tom em um canto, enquanto eu conversava com Danika e Yelena. Danika era pequena, magra, falante e desastrada. Não tanto quanto eu. Geniosa, tanto quanto Yelena. Yelena era poucos anos mais velha que ela, um pouco mais alta, igualmente magra e bonita. Cabelos loiros e os olhos castanhos. Ela tinha um olhar de quem tinha vivido mais do que aparentava, e um sorriso bonito, mas enigmático. Enquanto conversava com elas, tive novamente a sensação de estar sendo observada. E dessa vez eu estava certa. Dois belos rapazes olhavam diretamente na minha direção. Eram tão bonitos, e tão diferentes do que eu estava acostumada a ver, que julguei que fossem mais obras de minha mente. Agora além de sonhos, eu também os via enquanto estava acordada. Eles eram muito mais bonitos do que qualquer sonho que eu pudesse ter. Eram da mesma altura, um deles aparentando ser ligeiramente mais velho que o outro. Tinha os cabelos tingidos em um vermelho cor de sangue, um pouco curtos e arrepiados. Uma franja bagunçada cobria um de seus olhos hipnotizantes, enquanto no outro se podia perceber uma breve maquiagem negra abaixo deles, talvez para deixar seu olhar ainda mais profundo e intimidador. Os lábios, grandes e fartos, se desenhavam em um meio sorriso que aparentava ser maldoso, levemente puxado para o lado direito. O que aparentava ser mais novo, um belo rapaz com cabelos cor de caramelo que iam até o meio de seu peito, em uma cascata que escorria por uma camiseta branca, parecia ser mais inofensivo. Tinha os olhos mais compreensivos, uma boca farta, não tanto quanto a do ruivo, mas com um volume maior no lábio superior. Os olhos bem delineados, em uma maquiagem que eu nunca conseguiria fazer. A pele de ambos era bonita, parecia macia ao toque. O quase loiro me sorriu, levantando seu copo como se me fizesse um brinde. O ruivo continuava a me olhar sério. Levantei o copo em resposta, e continuei a conversar com Danika e Yelena por mais um tempo.

- Preciso ir ao banheiro. Onde é?

- Depende... tem um no porão... e um lá na primeira torre.

Resolvi ir até o porão. Era mais perto, e eu não agüentaria subir escadas para procurar um banheiro. Ao contrário do que eu imaginei, era amplo e muito bem iluminado. O lugar estava mesmo preparado para receber as criaturas da noite que estavam ali. Criaturas da noite... mais uma ou duas festas e eu me tornava uma delas. Ri com o pensamento olhando no espelho, e saí do banheiro. Enquanto caminhava do prédio até o local onde as minhas novas amigas estavam, no entanto, fui interrompida pelo bonito quase loiro que apareceu na minha frente como por encanto.

- Oi.

- Oi...

- Eu... posso falar com você?

- Claro. Vamos ali com as minhas amigas e...

- Não... quero falar com você em particular.

- Olha moço, eu não... quero me meter em encrencas.

Tentei sair rápido, mas meu braço foi seguro por uma mão grande e forte, que não era a do loiro. O belo ruivo me segurava forte.

- Eu te disse que conversa nunca resolveu Kou, mas você insiste.

- A gente nunca pode deixar de tentar, Die.

Os dois riram, enquanto eu tentava assimilar o que estava acontecendo naquele momento.

- É algum tipo de assalto? Eu não tenho dinheiro, mas podem levar minha bolsa.

O loiro continuou rindo, enquanto o ruivo ficava sério, enquanto me olhava nos olhos. E por mais pânico que eu estivesse sentindo naquele momento, não pude deixar de ver que ele tinha olhos lindos.

- Não é assalto, Nyeve Cesari. É apenas um... como eu te explico?

- Como sabe meu nome? Me solta. Eu vou gritar.

O quase loiro se colocou à minha frente, olhando dentro dos meus olhos. Senti como se ele pudesse ler meus pensamentos, e vi seus lábios se mexerem vagarosamente.

- Não vai gritar não.

Eu não conseguia gritar. Abria e fechava a boca, tentando emitir algum som, mas apenas conseguia sussurrar. Enquanto isso, com uma força sobre-humana, o ruivo me jogou sobre um de seus ombros e me carregou como um pacote de batatas até um carro estacionado longe dos outros, do outro lado do pequeno castelo. Fui jogada no porta malas pelo ruivo de uma forma meio estúpida, mas que não chegou a me machucar.

- Cuidado Die.

- É só comida.

- Não foi bem isso que o Kaoru disse quando viu ela ontem. Por isso o mestre nos mandou buscá-la.

- Ela vai morrer de qualquer jeito, um roxo a mais ou a menos não vai fazer diferença.

- Talvez o mestre não a mate. Talvez a mantenha como você mantém a Sumaya.

Tive tempo de ver o ruivo dar um sorriso malicioso antes de fechar a tampa do porta malas.

- Não me fala daquela mulher que me dá vontade de voltar pro meu quarto correndo.

O ruivo me tirou de dentro do carro com a mesma sutileza que havia me colocado. Bati minha cabeça na tampa do porta malas, e mais uma vez o quase loiro pediu para que ele tivesse cuidado. Ele parecia ser mais cuidadoso em relação ao que o ruivo falava que era apenas... comida. Afinal de contas, o que eles eram? Parei de andar, mesmo com o ruivo alto me empurrando, e olhei para o quase loiro.

- Você pode me responder uma coisa?

- Depende.

- Quem são vocês?

- Meu nome é Kouyou. O dele é Daisuke.

- E o que querem de mim?

- Estamos apenas cumprindo ordens. Nosso mestre pediu pra te trazer até aqui. Estamos apenas... fazendo o que ele disse. Continue caminhando, por favor.

Baixei os olhos e segui o corredor longo e estreito no qual tínhamos entrado poucos passos depois de nos distanciarmos do carro. Parecia um dos corredores dos castelos medievais da região, mas era muito mais... sombrio. Pequenas tochas com uma fraca chama iluminavam o corredor, e eu me sentia dentro de um filme de terror. Subimos alguns lances de escadas, de pedra, assim como todas as paredes do lugar. Não demorou para que eu visse mais uma vez o homem que estava no outro lado da rua, na noite anterior.

- Você?

- Como vai seu pé, Nyeve?

- Bem... eu... acho. Quase não dói.

- Muito bom. Fiz o curativo certo. Seja bem vinda ao castelo. Meu nome é Kaoru.

- Foi... vo... o que vocês são afinal?

- Vai descobrir mais rápido do que imagina. Leve-a para a cozinha Die, ela precisa comer. Kou, venha comigo. Precisamos avisar ao mestre que a pegamos.