Já estava tarde e faziam exatas duas horas que nem sequer uma palavra fora dita, ou ao menos um pigarrear de algum dos presentes na sala principal do Palácio, mas não, ninguém ousou abrir a boca para falar uma única palavra. Pandora, ainda em silêncio, levantou-se e tocou os ombros do Rei, massageando-o até que o homem a olhasse, e quando ele assim fez, a Rainha acenou discretamente para cima, e captando a mensagem que ela o passara, SeokJin concordou e, também, levantou.
— Prezados, sei que este é um momento de incomparável tristeza para todos nós, mas como sabem, minha esposa está esperando um filho e precisa de repouso, pois então nos retiraremos. Agradeço a presença de todos neste momento tão delicado para a família e peço para que fiquem à vontade para repousar e descansarem antes de seguirem de volta às suas respectivas moradias. – Disse ele, então chamou com um gesto sutil das mãos, uma de suas serviçais. – Acompanhe-os até os devidos aposentos, por gentileza.
SeokJin, com toda sua invejável educação, sorriu gentilmente aos presentes e curvou-se diante a eles, sendo seguido por Pandora, que após a despedida, acompanhou o marido até seu quarto, e assim, um a um, os presentes retiraram-se, exceto Taehyung e Damara, que continuaram sentados no mesmo lugar, em completo silêncio, durante mais alguns longos minutos. Entretanto, incomodada com o silêncio torturante, Damara o quebrou:
— Senhor, tens de descansar.
— Não anseio descanso algum, Damara.
Ela rangeu os dentes quando sentiu uma leve pontada em seu peito, afinal, o tom frio da voz alheia era desconhecido até tal momento.
— Escute-me, senhor! Precisas deitar-te, para que amanhã acorde disposto.
— Pois vá você, amanhã terás que se cuidar para nosso casório.
— Achas que estais em condições adequadas para casar-se, senhor?
Taehyung acabou rindo ao ouvir tal pergunta, e então apenas curvou-se para frente e segurou-a as mãos, sem ao menos importar-se com o local em que estavam. Ele voltou a calar-se, para apenas admirar a bela face alheia, que mesmo com a vermelhidão causada pelo choro, era fabulosa.
— Damara, eu não quero mais esperar, não quero mais adiar. Não achas que mereço um momento de alegria em meio a tanta escuridão?
— Sim, meu amado.
Também sem importar-se com a localidade atual, Damara impulsionou o tronco para frente e pulou nos braços de Taehyung, beijando-o os lábios com ternura e paixão, aproveitando-se da proximidade para abraça-lo, separando-se apenas quando o fôlego os faltou. Taehyung, ainda de olhos fechados, sorriu gentilmente, encostando a testa à dela segundos antes de se afastarem outra vez.
— Eu mal posso esperar por amanhã. – Disse ele, arrancando um riso da bruxa.
— Pois aguente mais um pouco, meu senhor. Garanto-lhe que a espera valerá o esforço!
— Amo-te, bruxinha. Amo-te.
Sussurrou ele, arrancando um belo e doce sorriso de Damara. Sorriso este que há anos não lhe era arrancado, e com isto, um novo arrependimento a tomou conta. O arrependimento de não ter permitido que o destino trabalhasse em seu devido tempo.
Ah, se o destino lhe tivesse avisado antes.
***
Os finos e desesperados gritos ecoavam dentro da masmorra a cada vez que uma nova prisioneira era direcionada à maior das celas daquele ambiente imundo e pouco iluminado. Jimin, completamente cego em seus atos, cantarolava tranquilamente em meio aos gritos, porém, quando deparou-se com a última prisioneira, até então quieta e de cabeça baixa, calou-se.
— Ora, ora! Vejo aqui uma mulher que não tem medo da morte. – Disse ele ao rir, agachando-se. – Levante sua cabeça, deixe-me ver sua face antes de a matar.
A mulher negou, mas foi possível ouvir um sutil riso vindo dela, e aquele ato irritou o Marquês, que até então sorria calmo. Ele agarrou-a pelo cabelo e a jogou no chão ao levantar-se, aproveitando-se do fato de ela estar presa às correntes para chuta-la o rosto.
— Está negando algo a mim, camponesa inútil? Ajoelhe-se em arrependimento e não a deixarei sofrer durante a morte.
Outra vez o riso, mas em tonalidade exageradamente alta. A mulher, que antes aparentava estar receosa, ajoelhou-se, e o som de seus ossos estralando arrepiou o corpo do Marquês.
— Assim, senhor Park?
A voz soou docemente quando ela ergueu o rosto ensanguentado e tomado por hematomas, e mesmo com tantos ferimentos, ela sorriu para ele.
— Você... como você sobreviveu?
Perguntou com sua voz tremula a ela, imediatamente perdendo as forças das pernas quando ela se aproximou, e aproveitando-se do momento de fraqueza alheio, a mulher arrastou-se até ele, já que não possuía mais o movimento de suas pernas. Ela arrastava-se cada vez mais rápido, mantendo-se sorridente e alegre, e quando conseguiu subir em cima do corpo dele, apoiando-se em suas próprias mãos, Sophie curvou o pescoço para o lado, deixando que o sangue jorrasse contra o rosto de Jimin, o qual já chorava e gritava por socorro.
— Arrependa-se, Park Jimin! Ou levarei ao inferno a sua última chance de ser feliz.
— Você não é real! Saia daqui!
— Esqueceste do quão real fui para o senhor, Marquês Park?
Perguntou ela, e então, quando os lábios ressecados e gélidos tocaram os dele, Jimin gritou ainda mais alto, debatendo-se abaixo de Sophie, e então, quando a língua tão fria quanto o restante de seu corpo encontrou-se com a dele, as mãos de Cho-Hee o despertaram daquele pesadelo.
Jimin sentou-se imediatamente enquanto tentava controlar sua respiração; o corpo despido completamente suado preocupou a Marquesa, que o tocou o rosto, virando-o para si.
— Meu querido, o que há de errado? Sonhaste novamente com coisas estranhas?
— Outra vez isso... outra vez um sonho deste tipo! Não aguento mais ser atormentado por tais fenômenos!
— Gostaria de um chá para acalmar-te, meu amado?
— Não, minha dama. Eu... eu caminharei.
Disse ele, levantando-se assim que conseguiu controlar os batimentos cardíacos, e então rapidamente vestiu-se, entretanto, quando vestiu sua bainha, um vento absurdamente gélido preencheu o cômodo, e quando ele sentiu a estranha presença atrás de si, correu para fora sem olhar para trás, mas as luzes das velas dispostas no corredor apagaram-se, restando apenas uma estranha iluminação ao final daquele enorme corredor e, de repente, incontáveis vultos corriam ao redor dele, ofendendo-o, empurrando-o e rindo de seu desespero. Jimin agarrou a espada e a retirou de sua bainha, mas a cada vez que tentava acertar um dos vultos, era retribuído por risos. Ele continuava a chorar e a manda-los para o inferno, mas de nada adiantava, foi então que alguém o tocou o ombro, fazendo com que toda a iluminação anterior voltasse e as almas simplesmente desaparecessem. Quando Jimin viu o amigo diante de si, caiu de joelhos junto a ele, abraçando-o com toda a força que lhe era permitida.
— O que há de errado com você? Pude ouvir os gritos de longe!
— Hoseok, imploro-te para que me ajude a acabar com esta tormenta!
— Pois diga-me o que acontece!
— Eles... todos os que matei estão dentro da minha cabeça, estão gritando comigo, rindo de mim! Eu não consigo os afastar de mim, Hoseok! – Gritou Jimin entre soluços, apertando-se ainda mais contra o amigo. – Eu quero voltar ao que era antes, eu quero acordar e beijar a minha Elizabeth, quero ver o meu filho nascer, quero evitar conhecer o demônio e a ele prometer minha alma! Eu não queria ter matado o meu pai daquela maneira! Eu quero deixar que Sophie viva ao lado do NamJoon sem que eu os atrapalhe. Eu não queria a matar, não queria trair a doce Cho-Hee! Eu quero voltar no tempo, Hoseok!
Descontrolado ele gritou, apertando os olhos com extrema força, como se aquele simples ato o fizesse voltar no tempo, porém, quando ousou abrir novamente seus olhos, viu-se em um novo problema.
Cho-Hee, também caída de joelhos no chão, observava-os não tão distante de Hoseok. Ela não possuía expressão alguma, apenas deixava que as lágrimas escorressem sem intervalos por suas bochechas rosadas.
— Cho-Hee... não é o que está pensando!
Jimin levantou-se, correndo em direção à esposa que apenas continuou com seu olhar fixo ao chão. Ele levantou-a com cuidado, obrigando-a a encara-lo, mas era evidente que sua mente estava distante, e com o trauma que acabara de viver ainda não lhe parecia real, ela apenas sorriu.
— Vamos dormir, Jimin. Amanhã teremos um longo dia.
A voz calma acompanhada do doce sorriso fez Jimin engolir seco, assistindo Cho-Hee afastar-se dele, tão tranquilamente que sequer parecia a mesma de segundos atrás. Hoseok, então, tocou os ombros do amigo.
— Jimin, não a deixe ir! Impeça-a!
Gritou em desespero, permitindo que seus olhos avermelhados se enchessem de lágrimas, então Jimin seguiu a esposa acompanhado por Hoseok, e ao entrarem no cômodo onde ela estava, encontraram-na prestes a cortar o próprio pescoço com os cacos de algum espelho, mas o Marquês a parou à tempo, segurando-a os pulsos.
— Hoseok, limpe-a a memória!
— Tu bem sabes que não posso abusar de meu dom, Jimin!
— És tolo, escudeiro Jung? Ordeno-te que limpe tais memórias de minha esposa!
O tom rude fez com que Hoseok se calasse, mas Cho-Hee chorava por medo do que viria a seguir, e após um sincero pedido de perdão, o escudeiro segurou-a o rosto com ambas as mãos, direcionando-a os olhos que, pouco a pouco, tomaram a tonalidade de um belo e vivo vermelho; Cho-Hee implorou para que ele parasse, porém, a voz calma, baixa e doce de Hoseok a fez calar-se.
— Dormirás profundamente, gentil dama. Dormirás tão profundamente que sequer lembrará do que ouviste mais cedo. Afinal, tudo o que ouviste não passara de um mau sonho. Acordarás ao lado de seu marido, descansada e tranquila, com uma felicidade imensa preenchendo-a. Dormirás, Cho-Hee.
E ao final de suas palavras, a dama caiu em profundo sono, e logo Jimin deitou-a novamente, direcionando um agradecido sorriso ao amigo.
— Jimin, não poderás abusar de meus dons, sabes bem o que acontecerá a ela se eu muito apagar suas memórias.
— Bobagem! Ela acordará renovada e, outra vez, esquecerá de meus erros.
— Espero que esteja certo no que diz, meu caro amigo, porque sabe-se lá o que aconteceria com esta moça se perdesse todas suas memórias.
Hoseok, com toda sua preocupação, bateu nos ombros do amigo e deu-o as costas, retirando-se do ambiente em passos lentos, enquanto Jimin ainda sorria convicto, observando sua esposa a dormir.
— Ah, minha doce e bela Cho-Hee, és tão amável, mas por que não aprende a ser menos bisbilhoteira? – Perguntou-a, ajoelhando ao lado dela e acariciando seu delicado rosto. – Se voltar a intrometer-se em meus assuntos, terei de calar-te.
Sussurrou ele ao pé da orelha alheia, e então riu, completamente imerso em sua própria insanidade.
“— Já ouvistes a história de Alucard, Cho-Hee? – Perguntou-a Myung-Hee.
— Nunca! Como ela é?
— Dizem que Alucard era um dos mais belos e poderosos homens de uma nação inteira! Ao longo de sua vida colecionou atos heroicos e bondosos, e a ele todas as mulheres desejavam, e a ele todas elas tinham, mas o que ninguém sequer imaginava era que Alucard, mesmo com sua evidente bondade era, na verdade, um fiel do diabo! Em troca de poder, Alucard vendeu sua alma, mas tanto poder o subiu à cabeça, pois ele queria muito mais, e para isto ele tentou enganar o diabo de diversas formas, então o diabo irritou-se e jogou uma maldição nele. O diabo, pessoalmente, disse-lhe: ‘Se a mim tentar enganar, de ti tirarei até a última gota de felicidade’. Foi então que após cada noite dormida com uma mulher, Alucard acordava ao lado do cadáver desta mesma mulher.
— Bobagem, minha irmã! Este tipo de coisa não acontece.
— Aí se engana, minha querida irmã. Em todos os lugares deste planeta existem homens como este, e é por isso que devemos tomar cuidado, porque nem sempre um doce sorriso transparece uma doce alma. Muito pelo contrário: na maioria das vezes, um doce sorriso transparece um amargo coração. Cuida-te, minha irmã, pois tão ingênua és.”
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