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História The Necropsist - E os suspeitos apontam dedos.


Escrita por: Thatavisk

Notas do Autor


Boa leitura.

Capítulo 16 - E os suspeitos apontam dedos.


Balancei brevemente as pernas, não alcançando o chão com as pontas das sapatilhas. Queria tomar um banho, trocar de roupas e deitar em algum lugar macio, talvez dormiria um dia inteiro. Sentia-me exausta e fazia algumas horas desde que havia comido algo.

 

O gabinete do delegado, apesar de ser uma sala muito bem decorada e espaçosa, não era o lugar mais confortável de todos. Era a mesma sensação de quando se é chamado até a sala do diretor.

Estava sentada na cadeira à frente da mesa cheia de papéis e tentava ler algo pelas linhas de cabeça para baixo. A iluminação amarelada das luminárias antigas me dava um pouco de dor de cabeça.

Um porta-retrato de uma mulher de cabelos negros e compridos estava na beirada direita da mesa, minha muleta estava apoiada em sua lateral. A mulher na foto segurava um arranjo de flores brancas, presos num laço azul-claro, à sua frente havia um suporte de pedra com uma caneta de pena que parecia ter custado bastante.

Lembrei por um momento do que Hoseok havia dito, sobre Jimin ter tentado matar um de seus médicos com algo como aquilo. O suporte era pequeno, mas parecia pesado. Um golpe com aquilo na cabeça faria um estrago considerável.

Parei de pensar sobre, antes que a vivência com Jimin me fizesse imaginar aquilo com realismo até demais.

Mesmo sendo o que eu mais ansiava ver, quando os policiais levaram Jimin, nenhum alívio relaxou meus ombros, nem calma alguma amaciou meu corpo, muito pelo contrário. A cada passo que Jimin seguia para um rumo e eu para o outro, sentia mais medo.

Jimin sabia de algo que eu não e isso me deixava atônita. E se quando pusesse os pés para fora dali, alguém me levasse para longe e fizesse comigo o mesmo que com Katrina? E se eu, de qualquer forma, acabasse de volta na casa de Jimin, em uma das gavetas no subsolo?

Engoli em seco ao sentir um calafrio. No momento em que vi Katrina, seus músculos rijos, sua pele acinzentada e os olhos fechados como se dormisse, ainda assim, ela parecia sofrer tanto.

Virei rápido ao ouvir a porta ranger, vendo um homem sinalizar algo para Ayla e se retirar após ela assentir.

 

Hoseok estava no corredor, ele havia prometido me esperar, então não tinha por que me sentir tão inquieta. Não estava sozinha. Certo?

A mulher, que falava ao telefone do outro lado da sala, olhava para fora pela brecha aberta com a pressão de seu indicador na persiana marrom, parecia muito calma e séria.

Ayla, foi o nome que ela disse. Não me lembrava de já ter ouvido antes, também não via familiaridade no símbolo em seu peito. O brasão era outro, não era do estado e nem de nossa cidade.

Papai sempre me ensinou a não pôr rótulos nas pessoas, mas eu ainda tentava adivinhar as coisas que elas faziam pelo que eu via nelas. Ayla não parecia policial. Ela usava luvas bonitas, scarpins de saltos finos e brilhosos, um conjunto social muito elegante e parecia bastante ocupada ao celular, movendo os lábios tingidos em vermelho conforme falava.

Ela aparentava ser uma mulher de negócios, daquelas que bebem café descafeinado, nunca possuem espaço livre na agenda e têm uma assistente ou secretária desastrada.

Meu pai sempre teve cara de policial para mim, grande senso de justiça e coragem, e mamãe parecia professora, inteligente, sabia de muitas coisas estranhas e era calma, apesar de ela ser jornalista.

Jimin não aparentava ser necropsista, não sabia dizer que tipo de profissão, nem mesmo hobbies, combinariam com alguém feito Jimin. Para mim, depois de tudo o que vi, ele sempre teria cara apenas de assassino.

Porém não a cara do assassino que procuravam no momento e eu sabia disso.

Suspirei fundo ao encontrar o provável motivo de Jimin ter me trazido. Eu era um álibi.

Era um bom motivo para me manter viva afinal.

Jimin não seria preso pela morte de Amanda simplesmente porque não foi ele. Mas como a amostra de seu DNA havia parado lá? Ele poderia realmente ter envolvimento com aquilo?

Se Jimin era tão seguro de si e inteligente, como poderia depender calmamente de uma vítima para se provar inocente daquilo? Senti-me frustrada ao pensar que Jimin me levou até ali seguro de que eu me manteria calada.

Mesmo Jimin saindo vez ou outra para comprar algo, ele nunca demorava. Jimin havia passado uma parte relevante do último mês ao meu lado, porém também passava boas horas onde eu não podia vê-lo, principalmente de madrugada.

Ele passou um tempo razoável sem um assistente, então não haveria quem o visse sair durante o horário em que sempre dizia estar trabalhando até tarde.

Se Jimin havia me prendido em sua casa, o que garante que não tenha feito antes com as outras garotas? Se ele matou tantas pessoas, o que o impede de ter matado essas também?

Não seria mentira se eu dissesse que Jimin seria capaz, porém não seria verdade dizer que ele fez. Mas, ainda assim, era tentador.

Eu poderia mentir no depoimento, seria errado, mas seria errado tão errado assim ser uma mentirosa para desmascarar um mentiroso maior?

Porém se Jimin não fosse o culpado e, ao menos da morte de Amanda, não era, então eu estaria livrando outro criminoso da justiça.

Eu não podia mentir e dizer a verdade era perigoso. Se eu estivesse segura na casa e me trazer até a delegacia me expôs, o que me fazia dependente das palavras de Jimin era justamente estar ali.

O que significa que, se não fosse apenas um blefe, apenas tortura, apenas prepotência, ele seria encurralado e então me encurralou junto. Dependemos um do outro. Eu corro risco de morte, ele de má reputação. É óbvio quem tem mais a perder nisso.

Se Jimin não houvesse sido levado, se estivéssemos agora em sua casa, eu não precisaria pensar nisso, sentir esse medo. Mas se ele não fosse preso e minha guarda retornasse para si, haveria alguma chance de eu poder sair novamente? De ele permitir que eu fosse embora?

— Podemos falar agora? — perguntou fazendo-me sobressaltar. — Prometo não demorar, sei que deve estar bem cansada. — Não havia notado ela encerrar a ligação.

— Hoseok pode entrar? — pedi juntando minhas mãos sobre o colo, apertando-as de leve. Me sentia melhor com ele por perto.

— Ele não pode entrar agora, nossa conversa é secreta. — Pôs o indicador sobre os lábios, dando-me um sorriso. Ela parecia bem humorada. — Sabe quem me chamou aqui? — Empurrou os papéis na mesa e sentou-se na beirada, ficando ao meu lado.

— O delegado? — chutei. Ele deveria estar enlouquecendo com tudo o que estava havendo na delegacia.

— Não, mas eu precisei da autorização dele. — Sorriu apoiando as mãos na madeira lisa.

Suas luvas, de um vinho bem escuro, eram aveludadas.

— Namjoon me ligou ontem, ele disse que eu precisava conhecer uma garota incrível, mas que passou por maus bocados — disse fazendo-me voltar o olhar para o chão. — Então eu pensei que pudéssemos ser amigas, já temos algo em comum. — Atraiu minha atenção de volta para si. —Sabia que quando eu era menina, assim do seu tamanho, uma coisa muito ruim aconteceu comigo? — perguntou batendo de leve o indicador na mesa. — Eu era um ano mais nova que você, foi durante um verão. Meus pais eram divorciados e eu morava com minha mãe, até ela ficar muito doente. Então eu precisei passar um tempo na casa do meu pai. — Ela me observou por um instante, acompanhando o movimento inquieto de meus pés e eu os parei ao notar isso. — Foi muito esquisito no começo, nós não víamos desde a separação e eu mal me lembrava dele direito.

Ela virou um pouco mais sua postura para mim, empurrando mais os papéis, não se importando de alguns deles caírem ao outro lado da mesa.

— Tinha minha madrasta e a filha dela, a Isis, mais velha que eu, uns três anos. — Meneou a cabeça, dando continuidade. — Ela não gostou muito de mim desde o começo, minha madrasta dizia que seríamos grandes amigas um dia, eu nunca acreditei muito nisso. — Cruzou as pernas.

— Ela tinha ciúmes? — perguntei vendo-a assentir com uma expressão convicta.

— E como tinha. Toda vez que eu dizia algo que fazia a mãe dela rir, ela me encarava tanto que eu achava que jogaria lasers em mim e me derreteria viva — diz fazendo-me sorrir com sua encenação de derretimento. — Eu queria realmente ser amiga dela, como irmãs de verdade, sabe? — disse trazendo a memória de minha mãe à minha cabeça. Irmãos de verdade. — Minha madrasta era muito rica. Eles moravam perto da praia e ela tinha um barco muito legal, um iate lindo. Ela teve a ideia de mergulharmos juntas, já que Isis tinha medo de nadar e meu pai estava sempre ocupado, ela não usava muito o barco. — Gesticulou brevemente. — Arrumamos tudo, levamos carnes e legumes para grelhar, compramos doces e refrigerante. Fomos todos juntos, meu pai finalmente tinha conseguido uma folga. Seria um final de semana inesquecível, bom, ele foi. — Suspirou fundo. — Isis me surpreendeu naquela manhã, ela me deu uma presilha de borboleta. Acho que eu nunca gostei tanto de borboletas na minha vida quanto nesse dia. — Sorriu nostálgica. — Quando o sol baixou um pouco, minha madrasta disse que pegaria as roupas de mergulho e eu fiquei esperando na popa. — Seu tom se tornou menos alegre e pareceu que a coisa muito ruim estava chegando. — Você já sentiu que algo não aconteceu de verdade? Que depois de algum tempo, você pudesse acordar e então seria como se nada tivesse acontecido? — perguntou fazendo-me engolir em seco ao lembrar do que Jimin disse.

Quando me contou que ele sentia que acordaria novamente nas manhãs onde seu pai estava vivo. Quando as coisas pareciam mais felizes para si.

— Tinha uma grade pequena nas costas do barco, uma das regras era nunca se debruçar sobre ela, porque era perigoso. Mas eu estava sozinha e ninguém brigaria comigo se não visse, não é? — Ergueu brevemente os ombros, olhando-me sugestiva.

— Você caiu? — perguntei sentindo-me ansiosa.

— Quase isso — respondeu aproximando-se mais de mim. — Alguém me empurrou — disse vendo-me arquear as sobrancelhas. — Eu afundei, cheguei a ver o fundo do barco, estava desesperada, mas eu vi uma coisa me fez ficar muito assustada lá embaixo.

— Um tubarão?!

Ela riu.

— Quem dera fosse. — Soou realmente como um almejo. — Atrás do barco ficavam duas hélices bem grandes e bem fortes — contou fazendo-me engolir em seco. — Eu caí muito perto de uma delas — disse começando a subir a manga do paletó, puxando primeiro a luva da destra, e eu pude entender que ela não as usava pelo frio. — Aquele momento passou muito devagar diante dos meus olhos. — Esticou os braços juntos à frente de meu rosto. — Mas foi muito rápido, coisa de segundos. — Ela deu continuidade, enquanto eu encarava as deformações fundas em seus braços.

Alguns de seus dedos não possuíam unhas, a pele, mesmo agora saudável, ainda marcava onde havia sido dilacerada. As cicatrizes das suturas apertadas eram visíveis nos pequenos serrilhados ao redor das listras fundas onde a carne foi cortada, parecia que seus braços haviam sido rasgado em pedaços e então costurados de volta. O que provavelmente foi a realidade que eu não me atrevi a imaginar.

— As hélices fizeram um estrago bem grande, elas me puxaram e então me jogaram para baixo e, por bastante sorte, o barco parou e eu flutuei.

Ela afastou os braços, começando a colocar novamente as luvas, ainda mantendo um sorriso gentil nos lábios vermelhos.

— Quando eu retornei à superfície, só havia uma pessoa no convés do barco. — Ayla curvou a postura enquanto descruzava as pernas. — Ele me olhou com tanto desprezo, até hoje eu não sei o que pensar sobre a forma como ele me olhou — disse devagar, focando-se em meu rosto, não aguardando minha reação, mas as vendo antes de eu esboçá-la. O mesmo olhar de quando Hoseok me fazia perguntas sérias, o mesmo olhar de quando Jimin me estendeu a agulha curva.

Ayla não era policial, também não era mulher de negócios. Ela era como Hoseok, como Jimin. Alguém que conseguia ouvir as coisas que você nunca falou.

— Minha madrasta viu tudo e subiu correndo, ela me salvou, depois disso eu passei alguns meses no hospital. Ele não chegou a ser preso, se suicidou antes de julgamento. — Suspirou fundo. — Não diga a Namjoon que te contei isso, ele ficaria uma fera. — Fitou-me comprimindo brevemente os lábios, sorrindo ao me ver assentir rápido, ainda desnorteada.

— Por que? — perguntei quase num sussurro.

— Eu me perguntava isso o tempo todo. — Ela se afastou da mesa, fazendo-me acompanhá-la com o olhar. — Eu atrapalhava sua vida nova? Ele sempre me odiou? Eu era uma filha terrível? Ele deixou minha mãe por minha causa? As coisas seriam mais fáceis se eu morresse? — Deu de ombros. — A única pessoa que sabia o porquê morreu com ele. Nunca saberemos. — Parecia não se importar afinal.

— Mas… E a Isis? — perguntei virando-me na cadeira, vendo-a parecer se alegrar por um instante.

— Não somos mais irmãs, mas ainda somos amigas. Ela quem me deu essas luvas. — Ergueu as mãos um pouco. — Aqueles foram dias péssimos, mas esse sofrimento acabou e agora tudo não passa de uma história. Sabe por que te contei essa história, Heloise?

Neguei com a cabeça.

— Algumas coisas precisam ser equivalentes — disse pondo uma mão nas costas da cadeira onde eu estava sentada de lado, descendo a postura até alcançar minha altura. — Eu te contei sobre meu sofrimento, quero me conte o seu. — Senti os dedos aveludados contornarem meu tornozelo, fazendo-me engolir em seco.

— Eu não posso ainda. — Falei apressada, movendo a perna, fazendo-a me soltar.

— Ainda? — repetiu confusa, mas paciente. — Por que não ainda?

— Porque ainda não acabou — sussurrei apreensiva, esperando que ela compreendesse, ficando aliviada ao ver que sim. Ela era mais como Hoseok do que como Jimin.

— Vai acabar em breve — prometeu ajeitando meu cabelo antes de endireitar a postura. — E, quando acabar, quero que prometa que vai me contar tudo o que não quis dizer a Namjoon — disse fazendo-me assentir cabisbaixa.

Comprimi brevemente os lábios. Estava deixando passar, uma por uma, as oportunidades de contar tudo, mas tinha mais medo de acabar morta ao sair dali sem Jimin, do que de acabar de volta em sua casa.

Mesmo que eu quisesse muito deixar tudo isso para trás, temia igualmente o que aconteceria após isso.

 

Hoseok estava no corredor como o prometido, encostado na parede. Parecia entediado, mas abriu um sorriso ao me ver, cumprimentando Ayla novamente com um curvar leve de postura.

O homem que havia aberto antes a porta estava ao seu lado e ele quem ficou para me fazer companhia quando Ayla chamou Hoseok para o gabinete. Era alto, possuía cabelos ruivos, assim como Amanda, e algumas tatuagens visíveis no pescoço e mãos. Parecia ser de poucas palavras, então me mantive quieta também.

Minha mãe não gostava de tatuagens, dizia ir contra sua religião, mas papai tinha uma nas costas e outra perna. Ele comentou querer fazer uma nova no braço, mamãe torceu o nariz, mas não discutiu. Só pediu para não ser uma estrela ou borboleta e então eles riram.

Deixei um suspiro arrastado escapar, voltando o olhar para o chão. Hoseok havia dito que minha mãe era muito diferente antes de conhecer meu pai. Antes de eu nascer.

Ayla não sabia o motivo por qual seu pai tentou a matar, mas eu tinha um palpite amargo do motivo por qual Jimin matou minha família. Apenas permanecia sem ideia do motivo de ter me poupado. Talvez por vingança, talvez por pena, muito provavelmente por maldade.

Havia um banquinho mais ao fim do corredor, estava cansada, queria me sentar um pouco, mas também queria estar próxima da porta quando Hoseok saísse, então me mantive encostada na parede, escorando parte de meu peso na muleta.

 

A conversa de Ayla com Hoseok durou pouco, logo eles saíram do gabinete, ambos calmos, porém quando Hoseok veio até mim e me estendeu a mão, Ayla tomou a frente e baixou-a, sorrindo minimamente ao Hoseok fitá-la confuso.

— Agradeço sua presença, senhor Jung, creio que já possa se retirar — disse ainda com sua mão sobre a de Hoseok, apanhando a minha que estava estendida. — Ela está sob nossa custódia agora e estará segura, o senhor pode ficar tranquilo — assegurou antes que algum de nós dois dissesse qualquer coisa.

— Hoseok… — falei baixo ao vê-lo assentir compreensivo.

— Compreendo. Te vejo em breve, Lis — disse dando um aceno curto antes de dar um passo, fazendo-me arregalar os olhos. Ele não podia ir embora.

— Hoseok! — Puxei minha mão da de Ayla e deixei a muleta cair, apanhando o braço do Jung com ambas as mãos. — Não vai embora, por favor — pedi puxando-o, mesmo ele já tendo parado de andar. — Eu não quero ficar sozinha — sussurrei sentindo o sangue correr frio por minhas pernas. Se Hoseok fosse embora, o último resquício de segurança que eu tinha iria junto de si.

— Calma, Heloise, você não vai ficar sozinha. — Ayla disse tentando me tranquilizar, pousando as mãos aveludadas em meus ombros. — Vai ficar tudo bem, vamos ir para longe daqui e você vai poder descansar, depois pode ver o senhor Jung novamente. Certo?

— Longe… — sussurrei confusa. — Eu não quero, vou ficar aqui. — Afastei-me de si, indo para o lado de Hoseok, ainda agarrada em seu braço.

— Lis, você precisa ir com a senhora Hwang, é para o seu bem. — Hoseok disse calmo, como sempre transparecia estar.

— Eu não quero — repeti abraçando mais forte seu braço. Minhas pernas tremiam, eu não queria descobrir se Jimin estava certo.

— Heloise... — Ayla curvou sua postura, seu cenho estava levemente franzido, aparentava estar preocupada. — Não precisa ficar com medo, vamos te levar para um lugar seguro. — Me estendeu a mão e eu me movi mais para atrás de Hoseok.

— Aqui já é seguro — retruquei.

— Por favor, você precisa vir conosco e deixar que Hoseok vá embora — disse tranquila, tentando apanhar com leveza meu pulso.

— Não! — gritei a empurrando, deixando-a surpresa. — Eu não vou! — esbravejei retornando a segurar Hoseok.

— Heloise. — Fitei-o ao senti-lo pôr a destra sobre meus dedos fincados na manga de sua camisa. Negando com a cabeça ao ver que ele não parecia disposto a discutir. — Ayla, pode me fazer um favor? Preciso de um papel em branco — pediu fazendo-a franzir o cenho, mas ela ergueu a postura, seguindo para a sala do delegado procurar o que Hoseok pediu.

— Eu não quero ir — sussurrei chorosa, estava com medo. — Jimin ainda não voltou — digo fazendo-o comprimir brevemente os lábios.

— Lembra o que eu te pedi antes? — perguntou segurando meu rosto, passando o polegar pela lágrima que tentou escorrer.

— Eu não quero ir, ele pode estar lá fora — choraminguei tentando abraçá-lo, sendo segurada no lugar pelos ombros.

— Heloise, preciso que me ouça — disse calmo. — Quero que você desenhe a flor mais bonita que conhece durante o caminho e, quando nos vermos novamente, irei adivinhar qual é. — Fitei-o confusa, era como se não estivéssemos na mesma realidade. — Pode fazer isso? — indagou olhando-me firme. — Pode fazer isso por mim, Heloise? — Balançou-me fraco. Assenti, sentindo o chão abaixo de meus pés virar pó. Por que ele estava falando daquilo agora?

— Ele não vai sentir falta disso. — Ayla disse trazendo vitoriosa um bloco de notas, entregando-o para mim e ficando séria ao me ver inerte. — O que disse a ela? — perguntou a Hoseok, parecendo brava.

— Nada de incrível, senhora Hwang. — Hoseok pegou minha mão livre, tirando a caneta do bolso de sua camisa e a pondo em minha palma. — A mais bonita, eu vou saber qual é. — Fechou minha mão, puxando minha nuca para me dar um beijo na testa. — Você não está sozinha — sussurrou antes de me soltar. — Obrigado — agradeceu a Ayla antes de começar a andar.

— Espera aí! — ordenou recebendo um aceno do Jung. — Esse cara… — murmurou irritadiça. — Ele te disse algo ruim, Heloise? — perguntou fazendo-me fitá-la, mas não discerni-la do resto do ambiente.

A flor mais bonita. Qual seria? Hoseok foi embora. Sem Jimin ou Hoseok por perto, algo de ruim poderia acontecer realmente?

— Eu vou morrer — sussurrei dispersa, fazendo Ayla arregalar os olhos.

— Ele te disse isso?! — perguntou alterada. — Rui, vai atrás dele e mantenha esse homem aqui até Namjoon voltar — disse ao homem ruivo com tatuagens nos dedos, fazendo-o assentir e seguir pelo corredor por onde Hoseok saiu de minha vista. — Heloise, ele te ameaçou? — Ajoelhou-se à minha frente, suspirando fundo ao me ver somente segui-la com o olhar, mas não exatamente enxergá-la. — Eu vou te tirar daqui, vai ficar tudo bem. — Abraçou-me forte, pegando minha muleta, que estava jogada ao meu lado, após me soltar. — Vamos. — Apanhou minha mão ao se levantar, começando a andar devagar, fazendo com que eu a seguisse em automático.

A caneta que Hoseok havia me entregado permanecia presa no aperto leve de minha palma contra o segurador da muleta, enquanto Ayla havia pego o bloquinho após eu deixá-lo cair, colocando-o no bolso do paletó.

Queria soltar a mão de Ayla e fugir, me esconder até Namjoon voltar, procurar por Hoseok, talvez ele ainda estivesse na delegacia. Não sabia o que fazer.

Queria sair dali, mas ao mesmo tempo estava assustada. Estava faltando algo, Jimin sabia de algo que eu não e me senti sem reação ao pensar em procurá-lo. Justo Jimin. Eu queria recorrer justo a Jimin em um momento como esse e isso me causava frustração.

Enfiei a caneta que Hoseok me deu no bolso do casaco e ajeitei melhor a muleta, segurando mais firme, apertando o emborrachado do suporte.

Um teste de coragem, como pular da pedra ao topo da cachoeira. Mamãe sempre ficava preocupada por causa da correnteza, da água gelada, das pedras no fundo e eu estava apavorada com a hipótese de acabar feito Amanda, Katrina ou as demais meninas. Eu poderia atingir em cheio as pedras ou não.

Mas se tudo ficasse bem, como Ayla prometeu, meu sofrimento poderia se tornar apenas uma história. Hoseok prometeu adivinhar a flor mais bonita, ele não me abandonaria, iria ir me ver. Eu poderia ir morar com Namjoon e nunca mais precisaria sentir medo.

Respirei fundo, fitando Ayla, que segurava minha mão conforme seguimos para a entrada da delegacia.

Eu não precisava ter medo. Não precisava ter medo. Não precisava. Mas no momento em que chegamos ao hall e eu vi a porta, minhas pernas travaram.

Por mais que eu repetisse que não devia temer, eu temia e muito.

— Helô? — Ayla chamou confusa. — Tem algum problema? — perguntou fazendo-me comprimir os lábios. Neguei com a cabeça, apesar de haver sim. — Fica sentada ali, eu volto logo — pediu apontando a fileira de cadeiras, acolchoadas com couro sintético.

Segui até a área de espera, onde tinha ficado pela manhã, quando Namjoon me trouxe os pães que Nicole havia feito. Queria que ele estivesse aqui agora, me deixaria mais tranquila, mas ele devia estar muito ocupado. Se ele chamou Ayla para cuidar de mim, ela devia ser tão confiável quanto si mesmo.

Havia parado de nevar e o dia parecia bastante claro ao lado de fora, não estava tão frio quanto de manhã, mas não estava quente.

Encarava distraída meus pés quando um homem se sentou ao meu lado, ergui o rosto, notando ser o assistente de Jimin. O casaco que ele usava carregava o brasão da polícia federal no peito.

— Você é a Heloise, certo? — puxou assunto casualmente, assenti olhando o movimento da delegacia. Algumas pessoas passavam pelo hall, indo de uma área para a outra, saindo ou entrando no local. — Achei que fosse para casa ontem, te vi dormindo na cozinha, parecia bastante cansada — comentou fazendo-me lembrar de Jimin. Será que ele já estava sendo interrogado?

— Você trabalha com Jimin — comentei tentando me lembrar de seu nome. — Taeyong. — Ele sorriu.

— Taehyung, foi quase. — Ergueu o indicador. — Não está com dor nas costas? Aquelas cadeiras são bem duras — perguntou arqueando brevemente as sobrancelhas ao me ver negar. — É uma menina durona, então, que nem seu irmão — disse causando-me um leve desconforto. — Vamos provar que ele não fez aquilo e vocês vão poder voltar 'pra casa, okay? — assegurou como se fosse algo que eu almejasse.

Somente assenti, fitando-o ao vê-lo se levantar.

— Preciso ir, se cuida, Heloise. — Acenou brevemente antes de se juntar a um grupo de policiais que estavam saindo da delegacia, parecia serem seus colegas.

Taehyung aparentava ser animado, do tipo muito falante, talvez por isso Jimin tivesse o odiado tanto.

 

Ayla retornou em poucos minutos com uma ficha volumosa de documentação, provavelmente minha. Ela parecia mais calma agora e isso me fez sentir um calafrio na boca do estômago. Significava que não havia mais como enrolar.

— Vamos? — perguntou me estendendo a mão, dando-me um sorriso.

— Pode esperar um pouquinho? — pedi vendo-a assentir.

— Claro. Esqueceu algo? — indagou olhando o corredor que ia para o gabinete do delegado, caminho pelo qual viemos.

— Não… Eu só… — sussurrei sem saber como explicar. — Eu não sei se quero ir embora. — Senti meus pés frios ao levantar, como se eu estivesse descalça. Como quando quase fui pega pelo homem com óculos de esqui.

— Olha, Lis, é normal ficar com medo depois de tudo o que aconteceu, mas se não sairmos daqui, você nunca vai deixar de sentir medo. — Chamou-me da forma que ouviu Hoseok chamar. — O seu sofrimento nunca vai se tornar apenas uma história — ditou calma, ainda com a mão estendida em minha direção. — Você quer que tudo isso acabe, não quer?

Suspirei fundo, sentindo meus olhos marejarem. Balancei trêmula a cabeça, queria, sim, que tudo aquilo terminasse logo. Mas não que terminasse comigo gelada e manchada em vermelho.

— Eu vou checar lá fora antes de sairmos, isso te deixa mais tranquila? — Comprimi levemente os lábios, pegando sua mão.

Caminhamos devagar em direção à saída para o estacionamento e Ayla não me apressou, mesmo que ela estivesse dando passos miúdos para acompanhar meus passos travados.

Estava na beirada da pedra e eu nunca havia tido tanto medo de altura quanto agora. A correnteza chacoalhava as veias em meus ouvidos, em meus joelhos, em meu peito.

Ayla abriu as portas duplas e soltou minha mão com leveza. Ela andou até o limite da varanda, onde Jimin havia me dado um aviso sério enquanto víamos a neve cair, e me fitou compreensiva.

Era apenas um passo, ela estava lá fora e eu poderia estar também.

Estiquei a perna para fora do limite da pedra, ouvindo a água bater forte em redemoinhos dentro de minhas costelas, e deixei o peso de meu corpo mais tudo o que me afligia descer.

A correnteza parou, a pedra não estava mais abaixo de meus pés. Estava claro, havia um homem falando ao celular e um funcionário limpando a neve do estacionamento.

Era uma manhã como qualquer outra.

Ayla deixou escapar um riso curto ao me ouvir rir, quase gargalhar, por simplesmente ter conseguido dar um passo. Eu estava fora. Estava livre. E estava tudo bem.

Dei o segundo, o terceiro e o quarto passo, chegando até Ayla e recebendo um abraço apertado pela conquista que o homem ao telefone não pareceu entender após começarmos a rir e atrapalhar sua ligação.

 

— Apenas isso? — perguntou surpresa. Rui estava ao volante e em silêncio, ele não entendeu eu e Ayla chegarmos aos risos até o carro, por até os sons da neve amassando parecerem hilários naquela situação, mas não questionou.

— Uhum — afirmei tentando ao máximo não deixar o balanço do carro arruinar meu desenho. — Mas tem um monte de flores bonitas — digo com ênfase. Sentia-me eufórica, realmente feliz desde a noite em que Jimin quebrou tudo o que eu considerava realidade. Estava tudo bem. Ayla estava certa e Jimin errado, estava tudo bem.

— Mas você me assustou, Lis, por que você disse aquilo, então? — perguntou deixando-me confusa.

— Aquilo o quê? — Voltei a desenhar. Havia um lírio na página anterior e estava tentando desenhar um ramo de lavanda, mas era difícil sem cores.

— Você disse que iria morrer.

Olhei-a surpresa, não lembrava de ter dito aquilo.

— De qualquer forma, que bom que estamos indo para um lugar melhor. Está com fome? — perguntou mudando o assunto ao notar meu desentendimento.

Fiquei alguns segundos pensativa. Estava tão feliz por estar vendo finalmente as coisas seguirem um rumo onde eu conseguia ver algo bom acontecer, que havia esquecido estar há dois dias sem comer algo além de alguns pedaços de pães e chocolate.

— Um pouquinho — sussurrei focando novamente no desenho. Não me importava de estar ficando torto, Hoseok nunca se importava se eu sabia ou não desenhar aquilo.

— Quando chegarmos ao aeroporto, pode comer qualquer coisa que quiser — diz conseguindo tirar minha atenção da caneta na página. — Já andou de avião, Lis? — perguntou sorrindo por meu queixo ter pendido.

— Não… — respondi mais preocupada que surpresa. — A gente vai 'pra muito longe? — Pensei em Namjoon, em Hoseok, queria ficar segura, mas não queria deixar de vê-los.

— Só um pouco. — Gesticulou estreitando o indicador acima do polegar. — Vamos para a capital. Eu sou de lá, sabia? — indagou vendo-me erguer brevemente as sobrancelhas.

— Por isso você é estilosa?

Ela riu.

— Tem muitas lojas de roupas lá, mas eu aprendi a ser estilosa com minha mãe — disse parecendo se tocar do assunto em que entrou ao terminar a frase, quase erguendo a mão até a boca.

— Minha mãe gostava de ir à cidade ‘pra fazer compras, ela tinha muitas roupas diferentes — digo animando-me com a lembrança de quando mamãe havia me deixado brincar com seu closet. Todas as roupas eram grandes, mas todas as roupas eram legais. — Ela tinha um monte de vestidos bonitos.

— Ela devia ser muito estilosa — disse parecendo levemente chateada, mesmo sorrindo.

— Ela era — confirmei, voltando ao desenho. Arranquei a folha do ramo de lavanda e amassei, queria refazê-lo melhor.

Esperava que Ayla perguntasse algo mais, e ela iria, mas o celular vibrando no bolso do paletó chamou sua atenção. Ela checou as mensagens, aparentando não ter gostado do que leu, mas suavizando a expressão ao notar que eu a olhava.

— Rui, sabe onde fica o necrotério de Bellomont?

Senti um calafrio percorrer meu corpo.

— No bosque, vamos nos atrasar para o voo se formos até lá. Aconteceu algo? — perguntou olhando Ayla pelo retrovisor.

— Parece que sim… Namjoon me disse para ir agora, parece coisa séria — disse suspirando fundo.

— Ele não devia estar na casa daquele cara loiro? — Rui perguntou confuso.

— A casa dele é o necrotério. — Rui arqueou as sobrancelhas, fitando-me por um segundo pelo reflexo. — Eu queria deixar para conversarmos isso quando chegássemos, mas você não falou sobre seu irmão desde hoje cedo, Lis.

— Ele não fez aquilo — digo sem saber muito bem o que dizer sobre Jimin até então. Não queria falar sobre tudo agora, não queria falar sobre Jimin, não queria ir até a casa de Jimin.

— Heloise, existem algumas coisas muito sérias que você não sabe sobre seu irmão. Eu também quero acreditar que ele não fez isso, mas precisamos esperar que a polícia diga o que aconteceu de fato — disse fazendo-me manter a feição séria. A única pessoa que tinha o direito me dizer algo como aquilo era Hoseok e ele não estava ali. — Mesmo se algo acontecer e Jimin não puder voltar ainda, eu prometo te trazer para vê-lo — diz fazendo-me respirar fundo.

— Namjoon ‘tá lá? — perguntei folheando o bloquinho, não queria mais desenhar.

— Sim. Quer vê-lo?

Assenti sem tirar o olhar das páginas em branco.

Rui pegou o primeiro retorno mais próximo, mal havíamos saído da delegacia e passamos novamente por ela. Aproximei o rosto do vidro ao pensar ter visto o carro de Hoseok parado em uma das vagas frontais. Rui havia dito não tê-lo encontrado, pois já havia ido. Podia apenas ser o mesmo modelo de veículo.

Queria que Hoseok estivesse comigo, mesmo que Namjoon estivesse lá, não gostava de pensar em entrar novamente naquela casa sem ele, apesar de saber que Jimin não estaria.

Estávamos nos afastando da cidade e logo não se via mais que neve e árvores pela janela do carro. Ayla falava ao celular ao meu lado, enquanto eu observava o mesmo caminho que fiz com Hoseok quando fomos até a delegacia, que fiz com Jimin quando ele me levou à força.

A floresta de pinheiros parecia ainda mais branca de dia. Parte da neve nos galhos estava derretendo e exibindo o verde escuro das folhas, mas o chão permanecia de um branco liso, refletindo a luz clara do céu limpo de nuvens.

Dava para ver ao longe a parte onde terminavam os pinheiros, o céu era mais visível pelas copas peladas das árvores que compunham o bosque. Suspirei fundo ao ver, ainda distante, faixas amarelas amarradas em algumas das árvores. Deviam estar fazendo buscas no bosque, se aquele homem tentou esconder um corpo lá, era provável que já havia o feito antes.

Não sabia o motivo de quererem Ayla lá, nem se tinha algo a ver com ela estar comigo. A casa de Jimin era impecável em vários aspectos, então duvidava muito de que a perícia encontrasse algo em uma primeira olhada, muito menos tão rápido assim. Mas para Namjoon dizer para ela ir no mesmo instante, devia ser algo realmente de muita importância.

 

Conforme nos aproximávamos mais da casa, tentava esvaziar mais a cabeça. Havia muitos policiais e peritos lá, não precisava me preocupar tanto.

Procurei por Namjoon ao lado de fora, mas não dava para ver algo além dos carros da polícia e a van onde os peritos levavam os equipamentos. Pareciam estar todos dentro da casa, não havia pessoas ao lado de fora quando Rui parou o carro atravessado no caminho mesmo, pretendíamos sair novamente, precisávamos estar no aeroporto logo.

— Tem que ser rápido ou vamos perder o voo. — Rui disse tirando o cinto, deixando o carro ligado.

A porta da frente estava aberta e a luz estava acesa, mas não parecia haver alguém na sala, na verdade, o local estava tão silencioso que parecia vazio. Não estava vendo Namjoon, nem ninguém ali, aquilo parecia estranho.

— Quer esperar aqui, Heloise? — perguntou pousando uma mão em meu ombro ao me ver tensa. — Não vamos demorar. Vamos só ver o que Namjoon quer e então vamos embora — disse tentando me deixar tranquila. Iria pedir para irmos embora agora, mas um estouro repentino me assustou, fazendo abaixar. Fiquei confusa ao ver mechas de meu cabelo caírem em meu colo.

Fitei Ayla, sentindo o ar escapar bruscamente de meus pulmões. A mulher pendeu sobre mim e o sangue escorreu da ruptura em sua testa, começando a molhar meu ombro. O rabo de cavalo perfeito em que seu cabelo estava preso se rompeu junto de sua nuca e tanto eu quanto Rui perdemos a reação.

Jimin estava certo.


Notas Finais


Obrigada por ler até aqui.


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