— Eu vou esganar-te, criatura! — berrava Karenn, apertando o pescoço de Lithiel — Vou arrancar-te a pele e roer-te os ossos, sua…!
— Karenn, o que é que estás a fazer? — perguntei, arrastando-me para fora da cama com a rapidez que o meu corpo meio adormecido permitia.
Karenn olhou para mim por cima do ombro com os olhos verdes a faiscar.
— Estou a matá-la, não se vê logo?!
Lithiel estava meio zonza devido à brutalidade com que tinha sido arrancada do seu sono, mas aproveitou a breve distração da vampira para desenvencilhar as pernas da roupa da cama e assentar um pontapé vigoroso na barriga da agressora. Karenn dobrou-se com a dor do golpe, mas não soltou a garganta de Lithiel.
— Tu drogaste-me — rosnou Karenn — Esfregaste-me sonífero na cara para poderes seguir a Eduarda…!
— Qual é… o teu… problema? — arquejou Lithiel, lutando para respirar.
— Tu! Tu és o meu problema! Porque é que metes sempre o nariz onde não és chamada?!
— Olha quem fala…!
— Karenn, já chega! — exclamei.
Ela ignorou-me, por isso corri para juntar-me à luta de Lithiel para afastar as mãos da vampira do seu pescoço. Karenn, no entanto, era anormalmente forte para a constituição corporal que tinha e resistiu sem dificuldades. Regalias da sua raça…
— Solta-a, Karenn! — continuei a apelar — Estás a magoá-la!
— A ideia é essa!
— Para…!
Ouvi um estrondo algures atrás de nós, mas estava demasiado ocupada para ver do que se tratava. Segundos depois, senti uma mão agarrar o colarinho da minha camisa e puxar-me para trás com tanta força que caí de costas na cama de Karenn. Senti algo estalar no meu ombro direito e abafei um queixume enquanto me sentava e procurava a origem do puxão.
Nevra estava agachado ao lado da cama de Lithiel, mantendo a irmã deitada no chão com uma mão poisada no seu ombro. Karenn bufava e silvava como um animal selvagem enquanto lutava para se libertar.
— O que é que se passa aqui? — perguntou Nevra, num tom calmo que prenunciava sarilhos.
Lithiel sentou-se na cama com uma mão a proteger o pescoço marcado pelos dedos de Karenn. Respirava com dificuldade, mas conseguiu reunir ar suficiente para murmurar com uma voz enrouquecida:
— Ela atacou-me… do nada! Estava a dormir e… — foi interrompida por um pequeno ataque de tosse.
Karenn continuava a debater-se e a arreganhar os dentes. Nevra franziu ligeiramente o sobrolho.
— Há quanto tempo não te alimentas, Karenn?
A vampira respondeu com um silvo irado. Nevra segurou-lhe o rosto com a outra mão, amassando as suas bochechas enquanto imobilizava a sua cabeça.
— Olha para mim. Karenn, olha para mim — lentamente, a vampira começou a sossegar — Há quanto tempo não te alimentas?
A rapariga humedeceu os lábios.
— Não sei — coaxou com uma voz enrouquecida.
— Tu sabes que não podes ficar mais de três meses sem beber, não sabes? Porque é que deixaste a situação chegar a este ponto?
— Eu… esqueci-me…
— Não podes esquecer essas coisas, Karenn. Já viste o que fizeste à Lithiel? O que teria acontecido se eu não estivesse aqui para te segurar?
A pequena vampira engoliu em seco e não respondeu. Nevra soltou o seu rosto para lhe beliscar carinhosamente a ponta do nariz.
— Vamos encontrar alguém para te alimentar antes de partirmos, pode ser? Eu vou soltar-te e tu vais portar-te bem… combinado?
Karenn acenou hesitantemente com a cabeça e Nevra soltou-a lenta e cautelosamente. A vampira sentou-se, mas não fez qualquer gesto no sentido de se levantar.
— Estás bem? — perguntou-lhe o irmão.
— Sim…
— Posso ir-me embora e deixar-vos preparar para a viagem?
— Podes…
— Ótimo. Eu vou arranjar alguém para te alimentar no entretanto. Vem ter comigo quando estiveres pronta.
Karenn anuiu e Nevra sacudir afetuosamente o seu cabelo antes de sair do quarto. Nós ficámos em silêncio, tentando processar o que tinha acontecido. Lithiel foi a primeira a quebrar o silêncio, acusando:
— Tu não estás com sede. Tu só querias matar-me!
Karenn não responde de imediato.
— Acho que juntou-se a fome com a vontade de comer — murmurou — Eu não queria matar-me… Só queria ensinar-te uma lição. Mas parece que escolher o teu pescoço foi uma má ideia. A tua pulsação… — Karenn sacudiu a cabeça como se estivesse a afastar a memória — É melhor sair daqui…
— Eu pensei que… a Maana suprimia a vossa necessidade de sangue — murmurei enquanto via a vampira levantar-se com dificuldade.
— Suprime o suficiente para nos permitir controlá-la. Conseguimos aguentar até três meses sem beber sangue, mas mais do que isso… é perigoso para nós e para os que nos rodeiam — começou a trocar apressadamente de roupa — Nós ainda não terminámos a nossa conversa, Lithiel, mas vamos deixá-la para quando eu estiver mais estável. Até lá…
E quase correu para fora do quarto. Lithiel soltou um suspiro e saiu da cama, resmungando pragas contra Karenn. Eu permaneci sentada, recordando a expressão ensandecida da pequena vampira. Será que aconteceria o mesmo comigo se não consumisse cristais…?
— Eduarda? — chamou Lithiel, interrompendo a sua muda de roupa para me lançar um olhar curioso — Estás bem?
— Hum…? Sim, claro… Estou bem.
— Não pareces bem. Não dormiste o suficiente?
— Bem… não, nem por isso…
— Eu tenho poções para espantar o sono. Queres uma?
— Não, obrigada — recusei com um pequeno sorriso — Não preciso de tanto para me manter acordada. Caminhar irá resolver o problema.
Lithiel não parecia convencida, mas não insistiu. Eu levantei-me com um pequeno suspiro e preparei-me para vestir. Lithiel guiou-me durante o processo para garantir que usávamos peças de roupa iguais. Eu sabia que era inútil manter aquela fantochada, uma vez que o titã sabia como nos distinguir, mas não podia explicar isso ao resto do grupo sem me encrencar também, por isso, o melhor era mantê-la. Não iria enganar o titã, mas poderia enganar os nossos companheiros…
Descemos para o salão para tomar o pequeno-almoço, juntando-nos a Valkyon, Lee e Adonis. O elfo quase se engasgou no pão com mel que estava a comer quando abriu a boca para perguntar:
— O que foram aqueles gritos no vosso quarto? Acordei por vossa causa!
— A Karenn perdeu o juízo e atacou-me enquanto dormia — revelou Lithiel, roubando a outra metade do pão de Lee — Tenho as marcas dos dedos dela no pescoço, olha só!
— Ela não acabou com a tua raça? Oh, que pena — lamentou o elfo sem sequer tentar disfarçar o seu sorriso rasgado.
Lithiel lançou-lhe um olhar fulminante e atirou o pão à cara de Lee, besuntando-o com o mel quente. Ele abriu a boca para protestar, mas um grito horrorizado interrompeu-o:
— NÃO!!
Ezarel apareceu a correr e atirou-se a Lee, segurando o seu rosto entre as mãos enquanto mirava o estrago provocado pelo mel.
— O que fizeste? — Ezarel rosnou para a minha dupla — O que fizeste?! O mel… Como te atreves a desperdiçar tanto mel?!
— Ah, para com as lamúrias, eu não desperdicei o mel — defendeu-se Lithiel — Podes perfeitamente lambê-lo da cara dele…
Lee abriu um sorriso extasiado e afastou rapidamente o curto cabelo azul da face manchada de mel, oferecendo-a a Ezarel.
— Esteja à vontade, Diretorauauauau! — começou o elfo a queixar-se quando Ezarel lhe torceu uma das longas orelhas.
— Não te armes em engraçadinho comigo…
— Chrome! — exclamou subitamente Adonis, desviando as atenções da discussão entre os dois elfos. Seguimos o olhar arregalado do centauro e vimos Nevra aproximar-se da nossa mesa, vindo do exterior da estalagem… com um Chrome muito infeliz debaixo do braço.
— O que é que o teu cachorro está a fazer aqui, Nevra? — perguntou Ezarel, soltando a orelha de Lee.
— É isso que eu pretendo descobrir — resmoneou o vampiro, puxando violentamente uma cadeira e empurrando o rapazinho para ela — Começa a falar, Chrome!
A mesa mergulhou em silêncio enquanto esperávamos uma resposta. O rapazinho baixou a cabeça com as orelhas murchas.
— Eu… segui-vos desde o quartel…
— Até aí já tinha percebido! — exclamou Nevra, impaciente — Quero é saber porquê!
Chrome remexeu-se na cadeira.
— Eu ouvi a Karenn, o Lee e o Adonis conversar sobre uma missão secreta…
— Os teus recrutas são muito discretos, não haja dúvida — desdenhou Ezarel.
Nevra lançou-lhe um olhar irritado, mas não respondeu.
— Continua, Chrome. Ouviste sobre a missão e… quiseste participar, foi isso?
— Não… exatamente… Eu fiquei preocupado, porque…
— Ele está a mentir — anunciou Lithiel.
Chrome dirigiu um olhar arregalado à doppelganger, com as bochechas coloridas de vermelho, mas fiquei na dúvida se seria por vergonha ou por raiva.
— Diz a verdade, Chrome — pediu Nevra.
— Fiquei preocupado porque vocês convidaram pessoas sem qualquer tipo de treino para uma missão importante — disse o rapaz sem parar de fitar a minha dupla — Achei que eles iriam estragar tudo, ou pior…
— Preocupação? Não terá sido inveja? — alvitrou Lithiel — Ficaste chateado porque uma humana e um aprendiz de bibliotecário foram convocados para uma missão secreta e tu não?
— N-não!
— Mentes.
— Eu não estou a mentir!
— É inútil discutir com a Lithiel, Chrome — lembrou Nevra — Diz a verdade, simplesmente…
Chrome lançou um olhar furioso a Lithiel, mas endireitou os ombros ao dizer:
— Sim, fiquei chateado! E não foi só por duas pessoas sem treino terem sido chamadas a participar na missão! Fiquei chateado porque tu — apontou um dedo à cara de Nevra — chamaste-me para investigar o roubo das amostras, mas descartaste-me na hora de seguir as pistas! Não é justo!
— Do que é que ele está a falar? — perguntei num murmúrio a Lithiel.
— O Nevra disse que esta missão era para seguir uma pista do roubo das amostras, para esconder o nosso verdadeiro propósito.
— Verdadeiro propósito? — repetiu Chrome, espetando as orelhas — Qual é o verdadeiro propósito?
Nevra soltou um suspiro cansado, apertando a cana do nariz entre o indicador e o polegar.
— O que é que eu faço convosco…?
— Envia-o de volta — exigiu Ezarel — Nós já temos excursionistas suficientes, não precisamos de mais um!
— O Chrome pode ajudar-nos, na verdade — disse Karenn, surgindo atrás do irmão — Tu estavas preocupado porque não tínhamos ninguém para vigiar a nossa retaguarda, não era, Nevra? O Chrome pode fazê-lo.
— Não, não, não — negou Ezarel — Má ideia. Nevra, não.
— O Chrome é bastante hábil na leitura de rastos — continuou a vampira — Tem afinidade com a terra, consegue farejar o perigo a quilómetros de distância…
— Pudera, é um cão! — atirou Ezarel.
— Eu não sou um cão! — gritou o rapazinho, esmurrando a mesa — Sou um lobo! Lo-bo!
— Já chega!
O berro do Comandante da Obsidiana pôs os zaragateiros em sentido e de bico calado. Valkyon fixou-os um a um para se certificar de que permaneceriam quietos antes de encarar o Mestre da Sombra.
— Nevra — chamou num tom mais sereno — Tu és o líder da missão e o Mestre do Chrome. Cabe-te a ti decidir o que fazer com ele.
— Ele fica — decidiu o vampiro — A Karenn tem razão…
— É má ideia — repetiu Ezarel.
— Seria pior enviá-lo de volta. O Chrome sabe demasiado e, além disso… — baixou o tom de voz — Por esta altura, o titã já deve saber que ele está connosco. Se o mandarmos voltar para trás, há o risco de o titã o apanhar e usar como refém. Não podemos permitir isso.
— Vocês estão atrás do titã? — admirou-se Chrome.
— Nós vamos explicar-te tudo durante a viagem — disse o vampiro antes de se virar para a irmã — Karenn, faz o que tens a fazer. Não demores, precisamos de nos meter a caminho.
A rapariga acenou e pegou no pulso de Chrome, arrastando-o para as escadas que levavam aos quartos. Valkyon seguiu-os com o olhar, perguntando:
— Como é que o encontraste?
— Foi a Karenn quem o encontrou — revelou Nevra, sentando-se na cadeira onde estivera Chrome — Ela cheirou-o.
— Não sabia que o olfato dela era mais apurado que o teu…
— Em situações normais, não é, mas ela está sedenta. Todos os seus sentidos estão alerta. Além disso, ela já se alimentou do Chrome antes, por isso conhece o cheiro do sangue dele melhor do que eu — Nevra esticou-se para pegar numa laranja — Lee, limpa a cara, parece que estás a derreter.
O elfo olhou para Ezarel.
— Diretor, tem a certeza que não quer lamber…?
Lee calou-se e ergueu as mãos em rendição quando o outro elfo lhe apontou a faca com que estava a barrar mel num pão. Ezarel abriu um dos seus sorrisos perigosos.
— Posso tirar-te o mel da cara com esta faca… Aproveito e “aparo” as maçãs do teu rosto… Queres?
Lee negou veemente com a cabeça e afastou-se cautelosamente do Diretor da Absinto.
Terminámos o nosso pequeno-almoço sem mais sobressaltos e começamos a preparar-nos para seguir viagem. Eu subi as escadas para ir buscar a minha mochila, mas estaquei ao entrar no quarto. Karenn e Chrome separaram-se com um pulo, mas a roupa amarrotada e os rostos corados entregavam-nos completamente. Evitando um sorriso divertido, tapei os meus próprios olhos.
— Eu não vi nada. Vim ao meu quarto buscar a minha mochila e não estava ninguém aqui. Não sei onde estão a Karenn e o Chrome, nem o que estão a fazer. Talvez já estejam lá fora à nossa espera…
Senti dois pequenos vultos apressados passar por mim e ouvi os seus passos afastar-se pelo corredor. Quando os ouvi descer as escadas, baixei as mãos… e saltei de susto quando um novo par de mãos me cobriu os olhos. Teria gritado se não tivesse sentido aquela troca de calor que já me era conhecida.
— O que é que tu queres, Leiftan?
Ele soltou um risinho pelo nariz a pouca distância da minha orelha e a minha pele arrepiou-se.
— Ouvi a tua voz e vim dar-te os bons dias.
— Não esperava que estivesses aqui — admiti — Pensei que ias sair à nossa frente, como ontem.
— Eu irei à vossa frente, mas não me afastarei muito do grupo desta vez — senti o seu peito encostar-se às minhas costas, empurrando-me para dentro do quarto — Preciso de me manter perto para o caso de o titã atacar.
— Achas que ele fará isso?
Ouvi a porta do quarto bater atrás de nós.
— Não sei… Ele parece querer provar-te a sua boa vontade e eu gosto de pensar que isso o impedirá de atacar, mas… os titãs são imprevisíveis.
— Tem piada dizeres isso quando ambos temos ligações a eles…
— É justamente essa a questão. Sei como funciona a cabeça de um titã.
Agarrei os pulsos do investigador e puxei as suas mãos dos meus olhos. Virei-me para o encarar.
— Sabes mesmo?
Leiftan inclinou a cabeça ligeiramente para o lado enquanto dirigia uma mão para o meu rosto, segurando delicadamente o meu queixo.
— Porque é que estamos a falar disto, Eduarda?
Virei-lhe as costas e afastei-me alguns passos.
— Há algo sobre os titãs e a Titanomaquia… que não bate certo.
— O que queres dizer?
— A Lithiel contou-me… que os titãs já estavam aqui muito antes da guerra e que eram os senhores de Eldarya.
— E tu acreditaste?
— A Lithiel não tem razões para me mentir.
— A Lithiel não precisa de razões para mentir. É a sua natureza.
— Isso quer dizer o quê? — perguntei virando-me para o enfrentar — Quer dizer que a nossa natureza define inexoravelmente as pessoas que somos? A Lithiel é uma doppelganger, por isso é mentirosa? A Karenn é uma vampira, por isso é uma assassina? Eu sou uma titânide, por isso sou um monstro?!
— Não foi isso que eu quis dizer…
— O que quiseste dizer, então?!
— A Lithiel nem sempre consegue controlar a sua tendência para mentir. Ela não é mentirosa, mas, às vezes… acontece…
— Ela nunca me mentiu quando o assunto era sério e não acho que iria começar agora!
— Vais acreditar no que ela disse, então?
Eu inclinei a cabeça ligeiramente para o lado.
— A Lithiel disse-me uma coisa muito interessante ontem… sobre como é possível mentir sem querer apenas porque acreditamos que o que estamos a dizer é verdade. Eu sou um ótimo exemplo disso, aliás. Já disse que era humana, já disse que era meio faery e, afinal… não sou nenhuma das coisas. Pode acontecer o mesmo com a Lithiel! Ela acredita naquilo que disse, por isso, não posso acusá-la de mentir… mas não vou ignorar a hipótese de a informação ser falsa — inclinei a cabeça ligeiramente para o lado — Embora… isso seja muito improvável! Se fosse falsa, não haveria necessidade de a esconder, não é verdade?
Leiftan abriu um pequeno sorriso.
— És demasiado esperta para o teu próprio bem, Eduarda…
— Ah! — exclamei, erguendo um dedo no ar — Será que acabei de te ouvir dizer que acertei em cheio?
O sorriso do investigador alargou-se. Aproximou-se até quase encostar os nossos corpos e ergueu-me o queixo até os nossos olhos se encontrarem.
— A tua vontade de descobrir a verdade é admirável, mas… — o sorriso desfez-se lentamente — é perigoso. A verdade sobre a Titanomaquia não trará nada de bom. Não insistas nesse assunto, Eduarda. Por favor.
— O que aconteceu de tão terrível para ser preciso esconder a verdade de toda a gente? — perguntei num murmúrio — O que fizeram os titãs? Ou foram os faeries? Quem é que…?
Leiftan silenciou-me com os lábios, espetando-me um beijo enquanto a sua mão na minha nuca me impedia de afastar. Poisei as mãos no seu peito, pronta para empurrá-lo, mas ele parou antes de ter a oportunidade. Não se afastou, nem me soltou, sussurrando a centímetros da minha boca:
— Não insistas. Estou a falar a sério.
— Mas…
Ele voltou a beijar-me e eu empurrei-o com força. Descolei as nossas bocas, mas o investigador enrolou um braço na minha cintura para me segurar contra ele.
— Para de me beijar! — ralhei.
— Para de insistir — volveu ele — Eu prometi pedir autorização antes de te beijar, mas se voltares a puxar esse assunto, enfio-te a língua na boca!
— O quê?! — guinchei, corando, enquanto um grito enojado vinha do corredor.
— Ai, gostaria tanto de ser surdo agora! — queixava-se a voz de Ezarel — Ó Mãe, porque é que deste ouvidos tão apurados aos teus filhos?! Ó Pai, acode-me e sopra as palavras destes depravados para longe de mim! — a porta do quarto estremeceu com a força de um pontapé — Porcos!
Eu e Leiftan trocámos um olhar arregalado. Ele tentou conter-se, mas acabou por soltar uma pequena gargalhada.
— Parece que o nosso pequeno arranjo deixou de ser segredo… O Nevra vai ficar possesso!
— Porquê? — perguntei, confusa.
Leiftan ergueu uma sobrancelha muito ligeiramente.
— Nunca reparaste?
— No quê?
— Ele está muitíssimo interessado em ti!
— Está interessado nas minhas veias — corrigi.
— Ele quer um pouco mais do que as tuas veias…
— Porque é um mulherengo que se atira a qualquer rabo de saia que passa por ele!
— Não é só isso — negou Leiftan — Ele está fascinado contigo. Não tenho a certeza se é um fascínio romântico, mas…
— Não importa — interrompi-o, soltando-me dos seus braços e encaminhando-me para a minha mochila — Não importa, não quero saber. Eu não estou interessada em envolvimentos românticos. Podemos dizer aos outros que o nosso “pequeno arranjo” é um namoro, mas vamos “terminar a relação” assim que eu tiver Maana suficiente para reconstruir a minha casca humana. Entendido?
— Perfeitamente. Mas tenho uma questão… até onde estás disposta a ir para fingir que somos namorados?
Virei-me e deparei-me com um sorriso matreiro escondido atrás de uma mão. Estendi a minha mão para a pequena adaga guardada na minha mochila e Leiftan apressou o passo para fora do quarto, rindo baixinho.
Engraçadinho…
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