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História Trégua Suspensa - Is this just fantasy?


Escrita por: caulaty

Capítulo 5 - Is this just fantasy?


Se fosse para buscar na essência qual foi a causa verdadeira do término entre Kyle e Kenny, o loiro tinha certeza de que sabia o momento exato do começo do fim. Foram oito meses de relacionamento. Foram suas unhas. Durante os seis primeiros, Kenny estava totalmente alheio às próprias unhas em contraste com as de Kyle. Ele não pensava nessas coisas. Até o dia em que encaixou por trás do corpo do ruivo para dormir, depois de transarem até seis da manhã. A luz do sol já invadia através das frestas da cortina, iluminando o suficiente para que as mãos entrelaçadas dos dois ficassem visíveis. Kyle adorava dormir de conchinha no frio de South Park. Kenny jamais reclamou de colar por trás do corpo dele e sentir as costas do ruivo em seu peito, o cabelo cheiroso pertinho do nariz. E as mãos...

As mãos de Kyle eram tão macias. As de Kenny eram ásperas, calejadas. As unhas de Kyle eram tão bem cuidadas, todas do mesmo tamanho, lixadas e hidratadas, sempre muito limpas. As de Kenny eram quebradiças, manchadas, de tamanhos diferentes e sempre muito sujas. Seus dedos eram tão rudes em contraste que, ao observar seus dedos entrelaçados com os de Kyle, o loiro não conseguiu conter o pensamento de que havia alguma coisa errada ali.

Depois surgiram outras coisas. Como o dia em que Kyle mencionou um poeta francês morto chamado Rimbaud e Kenny podia jurar que ele estava falando do Rambo. Quando disse isso ao namorado, ele riu e fez um carinho no rosto de Kenny como se faz com uma criança que acabou de dizer uma bobagem bonitinha. Aquilo o irritou. A forma como Kyle falava com outras pessoas sobre “impactos sociológicos do processo civilizador constituem em um abrandamento das pulsões de cada indivíduo” e Kenny não fazia a mínima ideia do que isso queria dizer. O loiro não podia dizer que se arrependia de nunca ter feito faculdade. Não era do seu interesse e ele não teria como pagar, de qualquer forma. Mas nessas horas, ele sempre se perguntava se talvez ele e Kyle poderiam, algum dia, ter tido uma conversa com essas palavras complicadas se ele tivesse estudado mais. O ruivo nunca falava desse jeito perto dele.

E no fim das contas, ele ainda estava morando como um intruso no apartamento que seu namorado dividia com Stan. Ele não tinha mais para onde ir, mas não ganhava o suficiente para pagar o valor do aluguel, porque era um apartamento muito acima do poder aquisitivo dele. Ainda que agora ele já não dormisse mais no sofá da sala, desde que ele e Kyle começaram a ficar juntos, continuava sendo o quarto de Kyle. Não dele. Não dos dois. Olhando bem, de verdade, que merda ele tinha a oferecer?

O complexo de inferioridade não era suficiente para que Kenny pensasse em terminar tudo, porque quando ele olhava no fundo daqueles olhinhos verdes, todas essas coisas pareciam pequenas. Ei, ele nunca teve problema em morar de favor e ser ignorante, por que deveria começar agora que as coisas estavam tão boas? Honestamente. Mas o complexo de inferioridade foi, sim, suficiente para começar a deixá-lo inseguro. Coisa que o loiro nunca tinha experimentado antes, com ninguém, em relação nenhuma. Não que ele já tivesse se comprometido de verdade com alguém antes de Kyle, mas a parte de se sentir diminuído e insuficiente era insuportável, especialmente quando havia outros homens por perto.

Homens com as unhas limpas. Com dinheiro. Com educação, com diploma, que sabiam quem era Rimbaud. No caso daquela noite específica, esse homem era Craig Tucker. Sim, eles estudaram juntos quando pequenos. Sim, eventualmente freqüentavam as mesmas festas. Mas Kenny nunca gostou dele. E quando bateu os olhos nele, com uma bebida na mão, falando perto do ouvido do seu ruivo e dando um sorrisinho malicioso, gesticulando com a mão livre de forma blasé e arrogante, bem. Aí Kenny passou rapidamente de “não gostar” para “colocaria um buraco na sua cabeça se eu tivesse a chance, sem hesitar”. Ele estava um pouco bêbado, é verdade, talvez o problema maior fosse esse.

Se você quer a verdade, ele estava bêbado a ponto de só lembrar daquela noite em flashes. A parte da qual não se lembrava, mas que narraram para ele várias vezes, foi a em que Kenny segurou Craig pela gola da camisa e esmurrou o corpo dele contra a parede. Craig bateu a cabeça tão forte que o corpo escorregou pela parede e caiu desorientado no chão, e a essa altura Kenny já estava em cima dele, socando até os punhos sangrarem.

A parte da qual Kenny se lembrava melhor era a da briga com Kyle no quintal da casa de Eric Cartman, enquanto a festa ainda acontecia lá dentro, apesar do pequeno inconveniente de Clyde precisar levar Craig para o hospital pelo nariz quebrado. A voz de Kyle era esganiçada e descontrolada, gritando tantos palavrões que Kenny nem mesmo conhecia – e disso ele entendia muito bem -, acusando-o de todos os males do planeta. Kenny também não falou pouco, disso ele sabia. Vomitou tudo que havia sentido nos últimos dois meses sobre a arrogância e a superioridade do judeu, como nunca foi bom o suficiente para ele, mas que pelo menos era homem o bastante para quebrar a cara de quem desse em cima dele.

Stan pediu que ele dormisse na casa de Cartman aquela noite, quando passaram do ponto em que Kyle não queria mais olhar na cara dele e disse que conversariam no dia seguinte, quando Kenny estivesse sóbrio. E Stan o levou para casa.

Stan Marsh era completamente, totalmente, absolutamente apaixonado por Kyle Broflovski nessa época. Mas essa é uma história que fica mais para a frente.

O importante é que a visão de Stan passando o braço pelos ombros do seu namorado e o colocando dentro do carro, sussurrando palavras gentis quando ele tentava se conter, tomando conta dele... Foi um soco muito pior do que os que Craig tentou dar para se defender. Infinitamente pior.

E isso fez com que o loiro se arrastasse de volta para a festa e continuasse bebendo, ignorando os olhares de reprovação de algumas pessoas em volta diante daquela figura ofegante e moribunda de punhos feridos.

E Kenny McCormick acordou no dia seguinte com a maior dor de cabeça da História, a garganta arranhada, os punhos latejando de dor e Bebe Stevens nua ao seu lado na cama.

Tudo bem, talvez fosse esse o momento mais exato em que o relacionamento entre Kenny e Kyle terminou. Mas isso não teria acontecido se as unhas de Kyle não fossem tão irritantemente perfeitas.

 

-Kyle. – ele foi o primeiro a quebrar o silêncio na cozinha.

O ruivo soltou a faca quase que imediatamente, secando as mãos na calça jeans enquanto abaixava um pouco a cabeça, incerto do que fazer. Sally alternou o olhar entre os dois homens parados de pé em sua cozinha, depois lançou um olhar cuidadoso ao marido, que bebia o café ansiosamente.

-Stan. – ela chamou. – Me ajude com algo ali na horta, por favor?

O marido largou a caneca sobre a bancada e observou os dois amigos, buscando se havia alguma súplica nos olhos de qualquer um deles. Mas sequer pareciam reconhecer a existência de outras pessoas naquele momento, que não um ao outro. Lentamente, Stan concordou com a cabeça e se dirigiu à porta dos fundos, acompanhado da esposa.

O clique da porta fechando pareceu despertar algo dentro de Kyle, que engoliu seco e suspirou, aproximando-se mais do loiro.

-Kenny, eu...

Os olhos azuis se abriram um pouco mais, ainda inchados de sono, enchendo-se de curiosidade e expectativa. Ainda que o resto da expressão em seu rosto não entregasse isso. Deus, como os olhos de Kenny eram azuis. Como seu cabelo era dourado sujo, cor de mel, uma coisa diferente do restante da humanidade. Kyle levantou um pouco mais o queixo ao encará-lo, limpando a garganta.

-Eu sinto muito se eu fui idiota com você ao telefone, eu realmente fiquei... – A voz do ruivo falhou e ele fez uma pausa longa e desconfortável. – Você me assustou.

-Desculpa.

Bem. Oito anos depois e a primeira palavra que Kenny diz, depois de seu nome, é “desculpa”. Também foram as últimas palavras dele. Não sabia pelo que ele estava se desculpando agora, mas ofereceu um gesto de conforto com a cabeça.

-Tá tudo bem.

-Tá?

O ruivo hesitou.

-Sim. Vai ficar tudo bem.

O que Kyle esperava que acontecesse em seguida era um silêncio esquisito até que um dos dois resolvesse sair correndo pela porta. Em vez disso, Kenny começou a se aproximar. E não parou. Céus, ele estava chegando muito perto, atravessando a cozinha. Os braços se abrindo. E de repente, contra tudo o que Kyle esperava, o loiro passou os braços pela sua cintura e envolveu seu corpo em um abraço apertado, sufocante, quase o deixando sem ar. O corpo dele ainda estava quente como quem acaba de levantar da cama. O cheiro de tabaco e shampoo barato em seu cabelo fez as pernas do ruivo estremecerem. A força com que aqueles braços – que pareciam, inclusive, mais fortes do que quando eram jovens – o apertavam contra seu corpo magro fez com que Kyle abaixasse qualquer defesa que ainda havia entre eles. Enfim, ergueu os próprios braços e envolveu o pescoço do loiro entre eles, deitando o queixo em seu ombro. A respiração quente dele tão perto, arrepiando sua nuca.

-Eu senti tanto a sua falta... – Kenny sussurrou com a boca amassada na lateral do pescoço do ruivo.

E assim, tão simples quanto o abraço veio, ele se foi. Kenny soltou seu tronco e deu alguns passos para trás, uma expressão satisfeita em seu rosto.

O ruivo não havia captado ainda que o momento escorregou pelos seus dedos e desapareceu. E agora eles não estavam mais se tocando. O que não fazia sentido algum. Simplesmente não fazia sentido.

Sally e Stan, que deveriam estar espiando pela janela o momento certo para voltar, abriram a porta da cozinha como se nada tivesse acontecido. A mulher retirava o avental, enfim, pendurando-o atrás da porta e indo ao armário retirar os pratos para servir a mesa.

-Vocês vão ficar para o almoço, né?

-Não. – Kenny respondeu primeiro. – Eu preciso ir. Minha irmã deve estar preocupada. Muito obrigado por me deixarem passar a noite. – ele se aproximou de Sally com aquele sorriso tão galanteador de adolescente, passou a mão pelas costas dela e disse em um tom mais manso. – Foi um prazer, senhora Stan Marsh. Muito obrigado pelo cobertor.

Para Stan e Kyle, ele só ofereceu um aceno desajeitado, recusando quando Stan quis acompanhá-lo até a porta. E praticamente correu dali.

-Cara. – Stan disse, passando as mãos pelos cabelos e se virando em direção a Kyle. – Você tá bem? O que houve?

Havia um brilho nos olhos verdes de Kyle que não estava ali antes. Que não aparecia há oito anos, para ser mais exato.

-Eu... Eu não sei. 



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