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História Trickster: A ilha de Caballa. - Qual o som da despedida?


Escrita por: Reliearth

Notas do Autor


Olá pessoas!
Primeiro de tudo, um big thank you para Adriana, que fez a commission do Bernard pra mim.
Segundo, um big thank you pros amigos que me aguentaram falar dessa fic inúmeras vezes e me ajudaram!
Comecei a escrever a fic em 2013, avancei alguns capítulos, mas nunca postei por não achar que estava bem desenvolvida.
Finalmente aprendi umas coisinhas aqui e outras ali, melhorei minha escrita e reescrevi o primeiro capítulo, agora vou arrumar algumas coisinhas nos outros e lançar também.
Sobre Trickster... Jogo Trickster desde que me lembro ter um PC com internet. kkkk
Tenho um carinho muito grande pela estória do jogo, queria compartilhar ela com quem não teve a oportunidade de jogar, usando um personagem original pra mostrar a mesma de um outro ponto de vista, porém respeitando a estória em sua essência.
Como todas as áreas do jogo tem um imagenzinha que aparece quando você entra no mapa, decidi fazer uma pra Londres! Elas estarão como capa do Capítulo.
Espero que gostem da estória e do Bernard tanto quanto eu, aproveitem!
PS: Revisei mil vezes, mas sempre escapa algo, se acharem um errinho me avisem, pfvr!

Capítulo 1 - Qual o som da despedida?


Fanfic / Fanfiction Trickster: A ilha de Caballa. - Qual o som da despedida?

Como é engraçado o tempo, não é? Aquele criado pelo próprio homem, para que honrosamente cumpríssemos com nossos compromissos... Ninguém esperava porém, que ele se tornasse o nosso mais cruel inimigo.

Andando pelas ruas de Londres, eu percebo que ele é relativo à cada vida que passa por mim. Eu não sou capaz de defini-lo, pois tenho meu próprio ritmo, assim como cada um tem o seu.

Tudo começou quando caminhava à Queen’s Park Station, me lembro claramente a primeira vez que pegava o caminho, disseram-me, “Ora, corte à esquerda e atravessará o parque muito mais rápido! Caso contrário terá que dar a volta no quarteirão!”.

Hoje, em meio a correria e as travas da estação, onde rapidamente puxava meu Oyster Card, eu me via sufocando assim como todas as outras vezes, desde aquele dia. Desci as escadas apressado, os horários eram pontuais, se perdesse o metrô para Oxford Circus onde trocaria de linha, teria de esperar meia hora!

Meia hora, ou trinta minutos, parado, sem fazer absolutamente nada a não ser esbravejar internamente, por ter afrouxado o passo para apreciar o nascer do sol numa manhã de inverno.

Ainda assim, que bela vista... Os fractais de gelo no gramado do parque me faziam refletir, assim como os próprios faziam-no com a luz que os tocava. Mas humano como sou, a bela imagem que ficou gravado em minhas desorganizadas memórias logo se esvaiu, dando espaço à tarefas e afazeres de maior prioridade, mas quando...? Quando eu finalmente teria tempo para mim?

Quando envelhecer? Quando meu ritmo mudar e eu não mais conseguir acompanhar a dança da vida?

Ingênuo Bernard, você é ingênuo! O tempo não pode ser de ninguém! Não pode tocá-lo, não pode pará-lo, pois o tempo não espera, nem por mim, e nem você...

Oito e meia da manhã, adentrei o metrô com êxito! Seria eu rápido o suficiente para sentar em algum banco? Infelizmente não.

Ficaria de pé até Oxford Circus, onde trocaria para a linha principal e chegaria em Holborn.

O metrô me dava algum tempo para refletir novamente, e dessa vez minhas preocupações eram outras. Como ingressaria numa faculdade de música? Com dezoito anos estou apto a frequentar uma, e mesmo que ingressasse, como iria convencer meus pais que eu teria um futuro estável? Tantas perguntas, tão pouco tempo...

Oito e quarenta e cinco, finalmente cheguei a Oxford Circus! Não que isso seja bom, afinal, ninguém gosta de se sentir uma sardinha em uma lata! Troquei para a linha principal, a vermelha, e me espremi entre as outras pessoas, numa tentativa de não ser deixado para trás, para o meu alívio as portas fecharam comigo dentro. Era uma questão de tempo até estar em Holborn!

E assim se passaram os breves minutos me espremendo educadamente entre as pessoas. O metrô finalmente parou e eu desci com certo impulso, procurei a saída e me deparei com as escadas rolantes que me levavam para fora da estação.

Curioso, não? As pessoas sem pressa ficavam paradas do lado direito da escada rolante, abrindo passagem à esquerda para os apressadinhos subirem os degraus, pois adivinhe que lado escolhi? O da direita, é claro, me dei ao luxo de subir observando os cartazes dos filmes e peças que estavam sendo apresentados.

Estava quase ao topo da escada e saquei o Oyster Card novamente, deveria ser rápido ou as travas fechariam antes de eu conseguir passar, isso seria um infortúnio, mas não aconteceria dessa vez! Passei meu Oyster e atravessei rapidamente pelas travas! Me deparando com a saída para a rua.

Nove horas, em frente a Holborn havia uma banca de flores de variados tipos — me pareceu ao passar dos olhos — mas meu objetivo era outro. Aproveitei o sinal aberto e transpassei pela rua entre a multidão, com certa maestria até, se me permitem. Então me deparava com Sainsbury’s! A melhor loja de conveniências que eu poderia pedir, não perdi tempo e agarrei com malícia dois cupcakes por um pound, seriam meu café da manhã.

Ao sair da loja após pagar em um caixa rápido, tive um breve momento de autoconsciência, me percebia com um dos cupcakes na boca enquanto admirava aquela bela cidade.

Observei o ônibus vermelho passando na sua própria via, parando em seu ponto, e ao fundo, logo na esquina do outro lado da rua, um café, onde uma mulher acabara de derrubar seu copo no chão, não seria um dia fácil para ela...

Nunca canso de olhar para as construções, belas, enfeitadas de adornos da arquitetura renascentista e vitoriana, embora não exclusivamente, e para os prédios de cores brancas, bege e um marrom caramelo vívido, porém desbotado.

Me aconchego em meu sobretudo ainda com o outro cupcake sobrevivente em minha mão, enquanto o outro era devorado sem qualquer sinal de piedade. Infelizmente, hora de ir, dou as costas para a encruzilhada, onde carros, pedestres, ciclistas e ônibus disputavam sua vez de atravessar, e sigo para New London Theatre a pé, que é onde trabalho.

Nove e cinco, aproximadamente. Ofegante devido ao meu "leve sobrepeso", chego ao trabalho, limpar as arquibancadas do teatro e verificar as necessidades dos atores, além de deixar o backstage organizado e fazer a checagem de som. Eu era um espécie de faz tudo.

— Bernard Fowler! — uma voz feminina e forte ecoou no teatro quando o adentrei. — Você está cinco minutos atrasado!

— "É claro que estou, ora!" — pensei. — Perdoe-me senhorita Abigail, como desculpa, lhe trouxe um cupcake!

— Essa vez é a última, Bernard! Deixe o cupcake em cima da minha mesa e vá limpar as arquibancadas do primeiro andar!

Abigail era uma ótima pessoa, afinal, aquela já era a segunda “última vez” naquela semana, mas quem não cederia por um delicioso cupcake?

Com meu café da manhã tirado de mim, me dirigi às arquibancadas do primeiro andar com disposição, felizmente não estavam tão sujas quanto de costume, seria um trabalho rápido, embora eu tivesse outros afazeres em seguida.

O teatro era espetacular, tirando o lixo que a plateia deixava, me sentia revigorado ao passar um tempo ali entre as bronzeadas cadeiras que fitavam aquele lindo palco. Quantas vezes me imaginei numa Aria enquanto os holofotes destacavam minha presença em meio à multidão? Ah... Meus favoritos eram os musicais, de fato.

Tanto que, ao final das apresentações, onde apenas eu e outros colegas ficavam arrumando o essencial para o próximo dia, eu sempre terminava mais cedo para, sorrateiramente, usar o piano da orquestra, mas que isso fique apenas entre nós!

Minhas composições saiam todas dali, e hoje não seria diferente, hei de terminar uma música que há dias não avanço. Meus turnos eram apenas nas segundas de manhã, quintas de noite, e sextas de manhã e tarde, o salário não era dos melhores, mas ao menos podia usar o piano, contanto que não me pegassem.

Mas até quando poderia sustentar essa ilusão? Não poderia viver minha vida toda compondo escondido e recebendo alguns pounds... Meus pais não deixariam, e mais importante, não era o que queria para mim!

Dez e dezesseis, as arquibancadas estavam limpas e todos estavam alvoroçados. Agora para o backstage! Era impressionante o que ficava escondido sob as cortinas e o cenário, o trabalho exigido para que tudo ocorresse bem numa peça era colossal, de um modo que qualquer mínimo detalhe fora do planejado poderia se tornar um grave problema.

Me vi atravessando o palco, caminhando para o backstage, involuntariamente minha mão afagou as cortinas enquanto passava por elas, talvez no fundo eu realmente gostasse de trabalhar ali, mais do que quisesse admitir.

A primeira vista me deparei com os figurinos sendo organizados por ninguém menos que a própria Abigail, a jovem moça, dois ou três anos mais velha que eu, os tratava com tanto carinho, que seus olhos chegavam a brilhar com a tentação de vesti-los, não era o único a ter desejos ocultos.

A moça dos cabelos crespos em um black power elegantemente amarrado com um lenço bege tornou sua atenção para mim, fitando-me como se minha presença não tivesse sido requisitada.

— Quer tirar uma foto? — os lábios carnudos da morena finalmente quebraram o silêncio. — Vamos Bernard! Está todo mundo trabalhando desde muito cedo, temos menos de uma hora para o começo da peça!

— Sim, senhorita! — disse prontamente, me dirigindo aos camarins, onde verificaria se a maquiagem e as garrafas d'água estavam em ordem.

Tudo pronto, os atores já haviam chego e estavam se preparando para a peça às onze horas, cujo fim era por volta do meio dia e meio.

Fiz a checagem de som, que era meu verdadeiro trabalho ali, e não havia nenhum problema. Agora era só me certificar que tudo ocorreria bem durante a peça e aproveitar o belo musical, “School of Rock”.

Durante a peça não conseguia me conter, mesmo vendo inúmeras vezes, a liberdade dos atores de interpretar os personagens era intrigante, de uma boa maneira. Minha canção favorita passou a ser “Stick it to the man”, especialmente pelo modo como os intérpretes se divertiam e esbanjavam do sentimento de frustração que os personagens sentiam.

A peça acabara ao som dos contagiantes aplausos que a plateia lançava para todos os envolvidos, e novamente um alívio tomava conta de mim, passei um ano como estagiário aprendendo como lidar com os equipamentos e soltar as faixas de música na hora correta, felizmente havia me tornado familiar com os instrumentos rapidamente, tanto que antes, o áudio dos ensaios passaram a ser responsabilidade minha.

Abigail veio me agradecer pelo trabalho como de costume, enquanto deliciava-se com o cupcake cujo eu havia a subornado mais cedo, então me mandou organizar o equipamento para a próxima sessão.

Mal sabia ela que o mesmo estava completamente em ordem e eu apenas esperava minha deixa para utilizar o piano. Observei meus vários colegas saindo após seus deveres, e finalmente me via em uma posição confortável para me aproximar do instrumento.

Apesar de estar com um pouco de fome, preferi ficar por ali, pois teria tempo o suficiente para terminar minha música entre os dois espetáculos.

Sentei-me na banqueta do piano, e instintivamente meus dedos se puseram sobre as teclas, as acariciei e as pressionei em seguida, ouvindo um afinado som das cordas. Voltei-me a minha bolsa recostada sobre os pés da banqueta e retirei minhas pobres partituras rabiscadas.

Procurei por uma em específico, e a coloquei de pé sob o suporte embutido na tampa, que protegia as teclas. Minhas composições eram fortemente baseadas em Giovanni Allevi, Yann Tiersen, Ludovico Einaudi, Paul Cardal e os mestres Beethoven, Tchaikovsky e Erik Satie, além de outros incríveis compositores que, sem usar uma palavra sequer, conseguiam expressar todos os tipos de emoções que breves, semibreves, mínimas, semínimas e colcheias podiam emitir, isso que nem mencionei as dramáticas pausas da fermata e ornamentos como staccato e apogiatura.

Minha melancólica música agora tomava o local onde nos encontrávamos, o piano e eu, mantinha um mesmo tom com um sussurrar de esperança entre as notas tocadas pelos meus dedos, que agora percorriam as teclas se entrelaçando num vagaroso ritmo contínuo.

Fortune” tem sido uma música difícil de compor, ela transbordava de meus dedos de tantas maneiras diferentes que era como se eu não coubesse em sua existência, me sentia insuficiente. Além disso, novamente aquela mesma coisa me preocupava... Por mais que insistisse, nunca havido conseguido compor a parte lírica, sempre que tentava, sentia que uma barreira acústica de vidro me afastava de cada nota escrita na partitura.

Algum tempo se passou, o relógio bate duas horas. Durante esse tempo me frustrei, insisti e quase desisti, mas acabei. A música estava pronta! Ou parte dela...

Novamente meus colegas retornavam e todo o alvoroço começava. Organizei o piano e guardei minhas partituras com certa pressa, voltando minha atenção ao equipamento de áudio e as preparações. Três horas. Hora do show.

Novamente os atores arrasaram, nunca me canso disso! Porém algo me incomodava, não havia comido nada! E então, ao fim da apresentação, me despedi de meus caros companheiros de trabalho e, claro, de Abigail.

Cinco horas, o sol de outrora fora substituído pelas nuvens e céu agora escuro, costumeiro do inverno londrino. Deixei o teatro para encarar o vento frio lá fora, mas já estava acostumado, minha única preocupação para o final dessa sexta-feira era comer algo antes de pegar a Picadilly e Bakerloo Line, para voltar para casa.

Caminhava até Sainsbury’s, eles tinham um self-service onde podia-se montar seu prato e levar para casa, o que é perfeito para alguém no meu estado! Então atravessei por um atalho cujo conheço muito bem, mas não esperava me deparar com alguém, especialmente alguém como ele.

Próximo a um poste naquela rua estreita de paralelepípedos, havia um homem magro, usando uma cartola extravagante com penas das mais variadas cores e um terno preto. Ele estava cabisbaixo, e segurava algo em sua mão.

— Pst! — ouvi no mesmo instante que eu passei por ele. — Tenho algo para você!

— Para mim? — tornei meu corpo para ele e respondi instintivamente, com um súbito arrependimento. Por mais estranho que seja, eu simplesmente não consegui resistir.

— Sim! — disse ele com sua voz rouca, ainda cabisbaixo. — Aproxime-se meu Jovem.

Me aproximei sem pensar, ignorando qualquer vontade de correr que meu cérebro tentava me enviar.

— O que é? — perguntei.

Ele levantou sua cabeça que foi imediatamente coberta pela luz do poste onde estava parado. Eu vi sua face inteiramente pintada em forma de caveira me fitando curiosamente, dei um passo para trás e logo toda a vontade de correr que ignorei antes, se manifestou em meus pés.

— D-desculpe! — disse dando as costas para o estranho homem que me observava. — Não devo falar com estranhos.

— Tem certeza? — ele respondeu num tom calmo, e eu parei. Meu corpo parecia paralisado, e eu não tinha força ou coragem de me tornar à ele, então as luzes começaram a piscar.

— Sim, sim! — ele dizia, embora não sentisse que era para mim. Senti meu corpo se virar sozinho, e me deparei com seu dedo fazendo um círculo.

— Não fuja de mim! — em meio a um tom malicioso, ele esboçou um sorriso branco. — Meu nome é Vernel Le Harbinger. O primeiro e único!

Eu o fitava sem nenhuma reação, estava completamente paralisado olhando a caveira pintada em seu rosto, cuja luz destacava nitidamente.

— Como você é chato! — ele gritou em um tom debochado. — Cadê os aplausos?! Você sabe quanto tempo eu planejei pra fazer isso? — sua expressão era de incrédulo. — Que afronte!

Agora, o estranho homem me encarava com olhos tediosos, e após um breve silêncio, sua postura corporal tensa mudou para uma mais relaxada quase que instantaneamente.

— Você é muito engraçado! — ele ria abanando a mão para mim. — Deveria ver a sua cara!

Ele estalou seus dedos e meu corpo voltou a me responder, antes que pudesse notar, soltei um grito de pavor, mas abafei o mesmo o mais rápido possível com minhas mãos.

— Mas o que isso! Calma! — me olhou assustado, voltando sua atenção para o item repousando no chão, cujo segurava antes em sua mão. — E você cale a boca, porque eu sei o que estou fazendo!

Em meio ao seu monólogo, tentei me afastar devagar do psicótico homem que me deparei, mas ele havia percebido minhas intenções.

— Eu não faria isso se fosse você. — sua voz mudara para uma mais grossa e recebi um olhar de soslaio. Senti um frio subindo minha espinha e comecei a suar. Novamente as luzes do poste começaram a piscar, e para minha surpresa, a neve marcada para hoje começara a cair.

O homem sentou-se ao chão, frente à uma mesinha que simplesmente apareceu quando pisquei. Ele pegou o misterioso item com quem discutia a pouco e, de dentro dele, tirou um baralho.

— Aproxime-se. — ele me disse, e eu o obedeci, sentando em sua frente.

— Eu sou um cartomante. Minhas cartas nunca erram. — me disse embaralhando suas cartas. — Elas me contaram sobre você, Bernard.

Eu engoli seco, ele sabia meu nome? Não! As cartas sabiam meu nome?!

— Tudo que foge dos padrões é estranho, mas o estranho também significa belo. — continuou a me dizer em um tom mais calmo. — As cartas pediram para eu te encontrar, e te mostrar o que foi... — colocou o baralho na mesinha e continuou. — O que é... — seus olhos verdes encontraram com os meus, castanhos. — E o que será.

Vernel, o cartomante, pegou minha mão e colocou sobre seu baralho. Senti uma forte energia passar pelo meu corpo, e ao piscar meus olhos, via tudo em câmera lenta. Os pequenos flocos de neve quase pairavam no ar, ele não mais me assustava, de certa maneira, seus olhos que tinham um brilho incomum, me traziam calma.

A boca do cartomante se mexia, mas nenhum som saia dela, percebi minha mão se mover, espalhando o baralho. Voltei minha atenção ao mesmo, e vi três cartas se destacarem entre as outras, as puxei e dei-as a ele.

Ele as recebeu, reorganizou seu baralho, e o colocou no canto da pequena mesa, então pegou as três cartas e as colocou em uma disposição triangular ao meu ponto de vista.

Eu mesmerizei aquele momento, não estava em meu corpo, ao menos, não me sentia nele. Olhei para cima enquanto Vernel parecia conjurar algo em um dialeto desconhecido por mim, observei a neve cair, e também a luz do poste, que emitida tão fracamente parecia tocar a rua de maneira gentil.

— A arcana. — disse o cartomante, me puxado do devaneio. — Ela é o meio pelo qual as verdades são reveladas... Mostre-nos o que um dia foi.

Vernel virou a primeira das três cartas, o topo do triângulo. A tinta negra da carta branca tomou forma em frente aos meus olhos, era uma espada, e para a minha surpresa, a carta se rasgou.

— Foi revelado a nós.

O cartomante quebrou o silêncio, mas estranhamente, de sua boca pareciam sair duas vozes.

— O destino, imutável. O ciclo se repete e mais gente se fere. Seu amaldiçoado ser está sem tempo. — ele me olha, preocupado. — Você entende?

Não posso respondê-lo, estou em transe, hipnotizado por cada palavra que saia de sua boca, mas senti minha cabeça acenar. Ele então, se dirigiu à próxima carta, a da extremidade direita ao meu ver.

— A arcana. Ela é o meio pelo qual as verdades são reveladas. — recitou novamente. — Mostre-nos o que é...

Ele a virou, a tinta preta parecia brigar com a carta branca numa tentativa de tomar forma, e assim o fez. Repartida ao meio por duas paisagens, um deserto e uma floresta, a carta não me parecia um mau agouro.

— Você é um recipiente, um mero vaso enchido ao meio por terra, fértil, a metade vazia te permite aprender coisas que normalmente as pessoas não podem, você tem a capacidade de olhar através, do mesmo modo que pode ser preso por suas escolhas e não conseguir enxergar uma saída. Você pode se tornar um jardim cheio de vida, ou apenas areia infértil.

— A arcana. — novamente as mesmas palavras saíam de seus lábios. — Ela é o meio pelo qual as verdades são reveladas. Mostre-nos o que será...

Finalmente, a última carta, o cartomante hesita por um segundo, mas a vira. Uma silhueta negra se contorcia de dor, e de seu rosto indistinguível, embora familiar, lágrimas caiam. Eu senti sua dor por um breve instante, era como se tivessem espetado meu coração.

— A silhueta sofre, e com ela, você. Suas escolhas serão as chaves para quebrar as correntes que a machucam, ou os cadeados que a trancarão.

O cartomante passou a mão por cima das cartas e elas sumiram, então olhou para mim, estupefato pelo que acontecera, estendeu sua mão e disse.

— A leitura é vinte pounds. — sorriu. — Não aceito cartão!

As coisas voltaram a se mover normalmente, e a gentil luz do poste voltara a ser emitida vividamente. Sem pensar, retirei de minha carteira o dinheiro e o paguei, então levantamos e ele me entregou um papel.

— Aqui está seu recibo, espero que tenha uma noite adorável!

— O quê?! — finalmente sai do transe. — Não! Eu tenho perguntas!

Vernel, o extravagante cartomante que me atendera se virou e seguiu seu caminho, ao desaparecer nas sombras, um estalo ecoou pela estreita rua. As luzes piscaram. A mesinha havia sumido, e a neve pareceu nunca ter caído. Me deparei comigo naquela rua, me perguntando se não havia alucinado, mas o recibo estava em minha mão! Eu o abri, curioso com o conteúdo dentro do mesmo.

“Eu, Don Cavalier, gostaria de expressar meu desejo referente a minha fortuna.

Primeiramente, vocês todos devem estar curiosos sobre quem irá herdar toda a minha fortuna. Contudo, eu não vou selecionar apenas um herdeiro. Pelo contrário, eu gostaria de partilhar ela com todos aqueles que quiserem uma parte. Mas há um porém, existe uma ilha deserta no meio do Oceano Pacífico, que será o estágio final da minha obra-prima, “Trickster”.

Eu convido qualquer um que queira fazer parte da mesma! Aproveite, sobreviva e fique rico! Hahahahahahahaha~!”

— É isso! — pensei alto enquanto olhava o folheto. — É isso!! Se eu for milionário não terei de me preocupar com um futuro estável!! — passei a mão pelo meu cabelo, repartido ao meio. — Eu terei todo o tempo do mundo para me dedicar ao que amo!

Minha euforia tomava forma de gritos naquela rua.

— Poderei ter minha própria gravadora!

Me agarrei à aquele folheto e fui direto para minha casa, não me importava Sainsbury’s naquele momento! Entrei em Holborn e desci as escadas rolantes pela esquerda, peguei a Picadilly Line e parei em Piccadilly Circus, onde trocaria para Bakerloo Line, que me deixaria em Queen’s Park Station.

Com ideias mirabolantes para meu futuro, eu estava agarrado ao bilhete, mas a mais simples das perguntas me veio à mente, enquanto adentrava o underground de Bakerloo Line, a linha marrom.

— "Como vou participar?!" — pensei. — "Eu nem sei o que tenho que fazer para chegar nessa ilha."

Meu futuro... Eu o via estilhaçado em minha frente, nada disso teria sentido se eu não conseguisse chegar lá. Sentei-me em um dos bancos vazios. Além disso, e meus pais? O teatro?

Paramos em Paddington, uma das estações até Queen’s Park. Duas jovens entraram discutindo algo em voz alta.

— Eu sei né! — disse a garota de cabelos castanhos amarrados em um rabo de cavalo, vestindo um elegante sobretudo azul. — É loucura! Ela decidiu ir e já está preparando as malas.

— Nossa... Ela tem muita coragem! — sua amiga, de cabelos loiros curtos até o ombro, respondeu enquanto colocava seu cachecol por dentro do sobretudo cinza, igualmente bonito. — Mas e a família dela? Não disse nada?

— Ela não é de conversar com a família dela. — lançou um olhar preocupada. — Mas é loucura ir pro meio do Pacífico tão de repente assim, mesmo se for para ficar rica!

Minha face ficou pasma, virei-me para elas imediatamente, não era possível! De todas as possibilidades, essa era a menos provável.

— Mas se ela já está arrumando as malas...

— Uhum! — a moça de sobretudo azul concordou freneticamente com a cabeça. — Ela parte amanhã. Pelo que ela me disse, o navio sai de Canary Wharf bem cedo! Pensei em ir lá para me despedir, mas não sei se é uma boa ideia...

— Queria ter metade da coragem que a Lillie tem! — ela riu. — Só metade, e a minha vida já ia estar resolvida!

Canary Wharf! Me vi novamente agitado com possibilidade de pegar o tal navio. Minhas mãos soavam e apertavam o folheto sem que eu percebesse, sentia minha face tão fria e pálida que poderia ser o motivo do qual o homem ao meu lado trocou de banco. Talvez eu pudesse participar dessa tal “obra-prima”, o que teria a perder? É isso! Se eu não fizesse isso pelo meu sonho, iria me arrepender por toda a vida!

Seis horas. Desci em Queen’s Park Station e respirei fundo. Começara a nevar... Mas já não havia nevado antes? Observei os bancos onde sentara várias vezes, e também a cabine de vidro que já entrara para me proteger do frio enquanto esperava pelo metrô. Voltei-me às escadas, que subiam até as travas e à saída.

Passei meu Oyster Card pensativo, e deixei a estação, onde me virei para a esquerda e segui meu caminho para casa...

Como estava escuro, o Queen’s Park já havia fechado, teria de dar a volta por ele, e foi que fiz, observava as grades e o escuro parque enquanto algumas pessoas passavam por mim correndo, nem no inverno elas deixavam de praticar suas corridas diárias.

Agora mais calmo, começava a reconsiderar essa ideia inconsequente. Tinha responsabilidades para lidar, não podia jogar tudo para o ar e desaparecer para o meio de Oceano Pacífico... Como poderia ser tão egoísta a esse ponto?

As luzes dos postes me protegiam da rua escura, onde algumas raposas atravessavam após revirar os lixos, e passavam pelas grades do parque. Estava quase chegando em casa e a neve continuava fina, não haveria ninguém lá... Agora, pelo menos.

Meus pais haviam um jantar na casa de seus amigos mais próximos, recusei educadamente, estaria cansado das duas apresentações de hoje. Apesar de insistirem, os convenci que me alimentaria bem, que não haviam motivos para se preocuparem.

Agora em frente à minha casa, passo a chave naquela fechadura antiquada e acendo as luzes. Era uma casa rústica, havia uma cozinha que mais parecia um corredor, cheia de armários brancos, dividindo o espaço com uma geladeira, lava-louças, micro-ondas, e a pia embaixo da janela, que dava vista à um muro tomado pelas trepadeiras.

Também havia uma sala, onde a estante encostada na parede era enfeitada por porta-retratos, meus e de meus pais. Uma mesinha marrom em seu centro segurava um vaso azul, e outra mesinha perto à parede era o suporte da televisão de médio porte. Ainda na sala, uma porta de vidro dava acesso ao jardim, onde algumas raposas apareciam vez ou outra, não era cheio de flores, mas haviam alguns arbustos floridos e árvores.

Da entrada da casa até a sala, haviam as escadas para meu quarto e de meus pais, além do banheiro. Sem janta, eu subi para meu quarto, peguei uma leva de roupas limpas e tomei um banho.

Voltei ao meu quarto, onde ao abrir a porta encarava meu armário. O cômodo era simples, não muito grande, paredes brancas, um aquecedor ao lado de minha cama de solteiro, encostada na parede, e paralelo a ela, uma escrivaninha na outra extremidade do quarto, formando um pequeno corredor entre elas.

Peguei o folheto que havia deixado em cima da escrivaninha e passei meus olhos pelo mesmo novamente.

— Não posso... — amassei o mesmo e joguei no lixo, embaixo da escrivaninha.

Nove horas, meus pais não chegaram, decidi dormir, o próximo dia era sábado, mas teria de levantar cedo para atender alguns compromissos. Apaguei as luzes de meu quarto e deitei em minha cama. A janela estava coberta por uma fina cortina branca, onde a luz da lua atravessava. Me peguei olhando para as folhas de papel em cima da escrivaninha que usei antes de deitar, mas acabei pegando no sono.

Assustado, acordei ao som do despertador, era hora. Ainda confuso me levantei sem fazer muito barulho, meus pais deveriam ter chegado tarde e precisavam descansar.

Peguei minha mochila tiracolo, agora abarrotada de coisas e meu precioso MP3, dei uma última olhada nas folhas dobradas, cada uma com um nome, e desci as escadas na ponta dos pés.

Me virei para a porta e passei a chave na mesma, cautelosamente, então à abri me deparando com a escura rua.

— Não posso desperdiçar essa oportunidade. — com meu corpo virado, olhei para a casa escura, e um suspiro saiu involuntário. Então fechei a porta silenciosamente e parti, as cinco e vinte e cinco da manhã.

Enquanto caminhava para a estação, memorizava tudo que podia, as árvores secas com o inverno, o som dos pássaros que começavam a despertar, as ruas escuras, e as casas... Eu não sabia quando voltaria, mas humano como sou, sentiria saudades, e embora minhas memórias se dissolvessem com o tempo e a rotina, saberia que poderia rever Londres em meus sonhos.

Cheguei na estação as cinco e quarenta, peguei a Bakerloo Line, onde trocaria para a Jubilee Line em Baker Street.

Bancos vazios, apenas eu estava naquele vagão. Coloquei meu MP3 para tocar e me sentei timidamente com minha bolsa em meu colo, era tão espaçoso...

As seis horas cheguei em Baker Street, procurei pela linha cinza e adentrei o metrô, agora só sairia na estação de Canary Wharf, onde andaria até o píer.

Perdido em minhas músicas, um som começava a sussurrar em minha mente com estranheza, do qual embora tenha o ouvido antes, nunca havia sentido tão de perto, meu coração se intimidou por ele, e um aperto o envolveu, se intensificando com o ruído dos trilhos do underground, que som era aquele?

Aquela sensação me fez perguntar se o que estava fazendo era o certo, e novamente a mesma frase de outrora me passou pela cabeça...

Como é engraçado o tempo, não é? Aquele criado pelo próprio homem, para que honrosamente cumpríssemos com nossos compromissos... Ninguém esperava porém, que ele se tornasse o nosso mais cruel inimigo.

Mas sabe o que é o mais cruel no tempo? Cada escolha pesa no relógio, e as horas, minutos e segundos passados investindo em nossos incertos futuros, são tomados, mesmo que a princípio, nós nunca os tenhamos.

Eu finalmente percebo algo. Seria esse som que me aperta, o som da despedida? Em meio a tantos momentos vividos, vários sons passaram por mim misturados ao ritmo das pessoas, e agora sozinho nesse vagão, posso ouvi-lo como nunca antes, embora ainda abafado por meus pensamentos.

Seis e dezessete, saí da estação e segui meu caminho para o píer, na esperança de me encontrar com o tal navio. O céu, agora límpido, era tingido pelo nascer do sol, que eu apreciava enquanto sentia meus pés se moverem, quase que por conta própria.

Finalmente chegara. Lá estava, entre todos os navios cargueiros, um outro se destacava, mais parecia uma caravela, com seus mastros marrons sólidos e velas branquinhas, mas na minha opinião, mais parecia um disfarce para um navio de cruzeiro.

Embora muitas pessoas já estivessem à bordo, haviam várias outras se despedindo. Sem perder tempo, adentrei o navio, mostrando meu passaporte e perguntando se havia necessidade de uma passagem, já que o folheto não citara nada sobre a mesma. Para o meu alívio, pude subir.

Recebi uma chave com um número, foi me dito que seria minha hospedagem até chegarmos no destino. Não fui em busca da porta com o número da chave, queria ficar observando o que conseguia de Londres até perdê-la de vista, e as sete horas, o navio partiu.

Era tão estranho, mal começamos a navegar e Londres já me parecia ainda mais bela, em meu MP3 tocava “Marching Line”, que ironicamente, era perfeita para a ocasião, mas ao passar meus olhos pelo píer, aquele som que me amedrontou voltara e só a ele minha audição pertencia.

Naquele momento, naquele ínfimo segundo de momento, ele soou afinado em minha cabeça.

Eu descobri qual o som da despedida enquanto observava meus pais na doca... Soou como um grito abafado por minha mão, enquanto a outra acenava para as figuras que agora estavam embaçadas em meus olhos. No fundo, eu só queria ter tido tempo para me despedir.


Notas Finais


Espero que tenham gostado, de verdade!! Escrevi esse cap com muito carinho.
Ficou um pouco grande, mas era necessário. Agora que conhecem um pouco do Bernard, podemos seguir!! Off we go!


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