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História Vagabond (Interativa) - Capitulo 2


Escrita por: Tdavi

Notas do Autor


Perdoem qualquer erro.

Capítulo 5 - Capitulo 2


Capítulo 2

Igarashi Setsuna Centric
 

No meio da tarde, o céu plúmbeo denuncia maus presságios e remete vagamente as águas turvas e cobertas de espuma no mar alto. O sol se esconde em algum lugar da infinitude cinza, e seus raios auriculares perseguem qualquer lacuna que haja na massa de aspecto fúnebre. 

Os ventos pavorosamente cortantes serpenteiam pelas as ruas espaçadas, uivam pelos becos, contornam vielas, sobem a ponte de pedra, ladeiam a multidão de casacos e transpassam o rosto insípido da mulher que mantém, com ternura, as pálpebras abaixadas. Os braceletes pesados em seus pulsos combinam com os que prendem seus pés descalços. Ambos são desgastados, têm salpicos de sangue e entoam um barulho metálico de desesperança a cada movimento. 

Sob seus pés, as rochas escuras e polvorientas vibram muito levemente à medida em que carruagens puxadas por pares de garanhões e éguas transpassam na rua, a apenas alguns metros à frente. Mas, com o paredão humano ante si, é quase impossível enxergar muito além de deslumbres disto.

Homens de armadura empunhando lanças e arcos se dividem em dois grupos, obstruindo os flancos dela e das demais; a única escapatória está em suas costas, no rio de águas agitadas recheadas de talhas de gelo. Uma alternativa viável, exceto pela corda de três tranças cingida em seu pescoço. E, óbvio, os dois homens com os braços firmemente entrelaçados aos seus. 

O que estava à sua esquerda, tinha olhos estrábicos e segurava, pela bainha, a chokuto de Setsuna, que fora confiscada. Uma elegante espada reta, de gume único e cabo cor de café. Linda como uma peça de exposição. 

Entre os sussurros que se perdem, algumas vozes se destacam. Como a do homem que ergue, acima da cabeça, um livro grosso que aglomera páginas amareladas e desgastadas, com manchas e cicatrizes na lombada, enquanto fala a todos com autoridade e uma superioridade subentendida. O som mais singelo também não escapa de ouvidos, como o da mulher ao seu lado, que choraminga acanhada e funga sem parar. 

— … Arrependam-se agora e confessem seus pecados. — Dizia o homem do livro. 

    Em meio a tudo isso, dentre o turbilhão de pensamentos que alguém poderia ter num momento como este, apenas um se passava na cabeça da Igarashi: frio. Estava muito frio. Os quatro mil tendões de seu corpo pareciam que iriam gangrenar a qualquer segundo. 

— A de olhos fechados? — Alguém perguntou de algum lugar, a voz altiva e penetrante quase a fez abrir os olhos. 

    Se ele teve a resposta que queria, Setsuna não escutou. 

— E você, tem algo para dizer em sua defesa? 

    O ar quente bifurcou o nariz da mulher. Suas pálpebras altearam morosamente até revelarem por completo um par de olhos que remetem a meia noite, espelhando as baixas temperaturas da estação. À sua frente, estava o homem de barba ruiva e bastante rala, vestindo uma bata de tecido fino e abraçando o livro contra o peito. Ele era baixinho, menor que a mulher de cabelos cinza-carvão, mas parecia que era ele quem a olhava de cima. 

    Ela entreabriu os lábios finos, soltando uma coluna de ar congelado pelo canto da boca, e disse baixinho, como quem conta um segredo:

— Eu quero parar mas, por acaso… você tem um cigarro aí? 

    Os dedos do homem apertaram o livro com mais força, seu queixo empertigou atrás dos fios avermelhados. 

— Essa era sua única chance. Devia tê-la usado melhor. — Retrucou igualmente baixo, com a indignação passiva de quem tem um decoro a zelar.   

    E então, ele se afastou. Parecia desnorteado, olhava para os lados e para cima, como se estivesse juntando coragem ou esperando algum sinal.  

“Joguem as três”. Foi a sentença.

Aos olhos de Setsuna, o cenário mudou muito rápido. Fora suspensa pelos braços e, no segundo em que o dedão de seu pé deixou de tocar o solo, viu as nuvens por tão pouco tempo que seu cérebro mal pôde compreender o que eram; sentiu a algo rígido premer contra a lombar e então rodopiou por cima da balaustrada da ponte. 

A corda amarrada a um dos balaústres tem alguns metros e desliza pelo chão à medida em que ela despenca. Se quem estiver na outra extremidade não tiver a sorte de ter o pescoço quebrado no segundo em que a corda esticar até o máximo, sufocará até a morte.

No limite da visão do guarda de olhos estrábicos, algo avultou-se. A chokuto fora tomada de sua mão antes que notasse e então, quem o fez, mergulhou de cabeça ponte abaixo. 

Os soldados se amontoaram uns contra os outros no limite da balaustrada. 

— Preparem os arcos! — Gritou um deles. — Uma bruxa sumiu! 

Das três mulheres que foram atiradas para o enforcamento, só haviam duas. A corda de uma fora cortada. O homem de barba ruiva engasgou com a própria saliva. 

No breu desnorteante sob a água, o frio era tanto que Setsuna sentia sua pele queimar. As correntes pesam e a puxam para baixo com a força de uma correnteza, mas o braço em volta de sua cintura não a deixa afundar. 

Quando os dois emergiram, tentou ver quem era, mas tudo o que vira fora um pescoço longo e serrilhados cabelos azuis-escuros. Se uma noite de inverno tivesse uma cor, com certeza seria essa. Entretanto, sua atenção fora desviada para cima, traços enegrecidos pairavam no céu e então irromperam contra suas cabeças. 

— Prenda a respiração! — O sujeito urrou. Sua voz era reconhecível, a mesma que ouvira pouco antes da conversa com o homem da barba ruiva. 

    Ela já tinha o feito antes mesmo dele pensar em dizer e então afundou outra vez, levando-o junto consigo. Dezenas de flechas tibungaram alguns centímetros antes de perderem força e serem arrastadas como os blocos de água congelada. 

    Nadar enquanto algo tenta arrastar-lhe para o fundo é, no mínimo, desesperador. Quando Setsuna sentiu algo minimamente sólido abaixo de seus pés, se apressou a correr, com os pés afundando na lama, até margem do rio. Uma flecha se fincou no chão a alguns metros de si, as outras passaram mais distantes. 

    A areia molhada ia se desfazendo, fazendo-a titubear vez ou outra. Uma nova saraivada de flechas fora catapultada em sua direção, e então mãos alheias empurraram suas costas até que conseguissem se esconder na árvore mais perto, em meio a arbustos. 

    Os ombros da garota perderam altura e medida em que o ar deixava seus pulmões. Com os lábios levemente separados, era difícil estabilizar a respiração enquanto seu corpo vibrava sentindo falta do calor.

Setsuna espiou, de onde estava, a ponte. Os arqueiros não estavam mais ali, os lanceiros também não. A única saída seria ir mais a fundo na floresta e cruzar a montanha que demarca o fim da cidade. 

Ela voltou a esconder-se e encarou pela primeira vez a pessoa à sua frente. Ele é alto.  Mesmo curvado com as mãos apoiadas nos joelhos, é quase de sua altura. Apesar de não conseguir ver seu rosto, era perceptível que ele sorria. 

— Sabia que as pessoas costumam me agradecer quando salvo elas?

    Izumi endireitou a postura e ela notou como absolutamente todos os traços de seu rosto são presunçosos. Ele pareceu esperar alguma resposta, mas a garota permaneceu tão silenciosa quanto a árvore que serve de arrimo para suas costas.

Izumi foi medido da cabeça aos pés por um par de íris caleidoscopicamente soturnas. Alguns pontos dele valiam a pena ser notados, mas o que, de fato, prendeu a atenção de Setsuna, fora a espada que ele ergueu até  a altura de sua cintura. Um chokuto. 

— É sua. Aquela sua amiga me disse. 

    Ela aceitou depressa. Algumas perguntas passavam por sua cabeça, como quem era ele, por que a ajudou e, principalmente, quem é a amiga a qual ele se referiu. De relance, a imagem de Aburame Shi-yo veio à sua mente. Algo pareceu perfurar seu coração. Talvez nostalgia. 

Mas há momentos propícios para conversas, e esse não é um.  Setsuna sintetizou seu agradecimento em um movimento de cabeça e transpassou-o, rumando mata adentro, pretendendo estar fora da cidade e da floresta antes de anoitecer. 

    O som de passos se mesclou ao tilintar de suas correntes, e logo Izumi estava ao seu lado. Ele sorriu novamente. 

— Foi mal, eu tenho que entregar você viva para receber a outra metade do pagamento. 

Ela poderia tentar despistá-lo ou talvez o afastar, mas as algemas eram uma desvantagem grande demais para não serem levadas em conta. Pelo menos, teria alguém para ajudá-la a encontrar um bom ferreiro que pudesse quebrá-las. 

— Aliás, sua amiga esqueceu de me dizer seu nome.

    A mulher olhou por cima do ombro. Nenhum sinal ainda dos soldados que, a essa altura, com certeza já estavam procurando os dois. 

— Poupe a energia de falar e ande mais rápido. — Ela murmurou, apressando o passo. 

    Ele acompanhou o ritmo. 

⚔️⚔️

    Aquela rota fora, provavelmente, uma péssima ideia, Setsuna ponderou quando o bosque começou a escurecer ao redor deles. Talvez devessem ter deixado a correnteza do rio os levar, ou tentado despistar os soldados na floresta e buscado abrigo na cidade. 

— Você realmente sabe para onde está indo? — Izumi perguntou, com despreocupação no tom. 

    A mulher abanou as mãos, como se o caminho fosse o menor dos problemas. Ambos são tão opostos quantos os pólos da terra no que tange aos trejeitos, então o pouco tempo de convivência tem sido perturbador para um, e entediante para o outro. 

    Isso sem contar o barulho infernal que a corrente algemas nos tornozelos de Igarashi faz ao ser arrastada. Depois de alguns minutos ouvindo aquilo a cabeça já começa a latejar. 

    O espadachim suspirou, passando a mão pelos cabelos ainda molhados. — Sua amiga é rica? Ela vai ter que me pagar mais que o combinado. 

    Ela coçou a testa acima da sobrancelha.

     — Eu não tenho amiga.

‘     — Como não? E a loira na ponte?  — Perguntou, apontando por cima do ombro com o dedão da mão. 

     — Não sei quem é. 

    ⚔️⚔️

À medida que a noite chegou, a situação ganhou contornos de urgência. As nuvens no alto se abriram como uma cortina, revelando uma enorme lua dourada. Setsuna encarou-a por alguns segundos. Lembrava algumas das muitas joias que tinha em sua infância, apesar de nenhuma ser tão bela assim. 

Na escuridão da mata, havia algo de cortante que a fazia eriçar os pelos da nuca. As árvores sussurravam como coisas vivas. 

À medida em que se aproximavam do fim da floresta e do início da montanha, uma sensação estranha aumentava, uma tensão nervosa que se aproximava perigosamente do medo.

Izumi, por sua vez, mantinha-se em total silêncio, para a surpresa dela. Era a primeira vez que ocorrera. Ele olhava principalmente para cima, para a copa das árvores, sem focar em nenhum ponto específico; mas uma sensação não o abandonava, como se alguma coisa estivesse o assistindo, algo frio e implacavelmente mortal que não gostava dele. 

Pensou que se livraria do sentimento quando o bosque ficou para trás. A sensação de que algo aconteceria pesava sobre seus ombros.

Subiram a encosta íngreme por uma estrada estreita de terra. Setsuna apertava contra o próprio corpo seu quimono de cores sólidas e monocromáticas, que tremula com o vento, como uma bandeira. 

De repente, a areia sob os pés também fora soprada para cima e se ergueu em um espiral que cresceu de tamanho até cobrir totalmente os dois. Izumi encolheu o corpo, protegendo os olhos com as mãos. Cada grão de areia era como o vidro e fazia pequenos furos em sua pele e no quimono largo que vestia. O filete de sangue que escorreu de sua sobrancelha sequer alcançou os olhos antes de se misturar com a poeira e empedrar. 

Ele queria gritar por Setsuna, saber se ela ainda estava ali, do seu lado, mas não era idiota para querer abrir a boca. Era impossível enxergar algo além do turbilhão. A areia começou a entrar pelos espaços de sua blusa, cortando a pele por debaixo do tecido, e parecia tentar penetrar suas orelhas também. 

O espadachim prendeu a respiração e começou a andar para frente, com um pé na frente do outro, indo de encontro ao furioso paredão espiralante, sólido como rocha. A areia parecia ficar mais rápida e seus cortes mais profundos. Suas mãos afundaram e se perderam na areia e então ele desistiu da ideia e recuou. Gotas de sangue se acumulavam em suas palmas. 

E então, o funil de areia se dispersou como fumaça. Sua primeira ação foi procurar Igarashi, encontrando-a ao seu lado, onde sempre esteve. Ela o encarava também, seus olhos estavam saltados e havia inúmeros furos em seu rosto, como catapora.

— Eu não recebi o suficiente pra isso. — Motejou.      

Toda a areia aglomerou-se em um só ponto frente a eles, como se estivesse se reagrupando. E então, enxergaram algo em meio a escuridão, havia alguém ali, inerte no centro da areia rodopiante. A lua pintava a silhueta de um sujeito enorme, que parecia segurar uma manta por cima da cabeça.

E isso era tudo o que podiam ver. 

Na cortina de areia que tremula ao redor dele e bloqueia todo o resto do caminho, o Yoshida imaginou ter visto rostos, mas não humanos, rostos animalescos e desagradáveis, feitos de areia e costurados uns nos outros. 

Sua primeira ação seria puxar a katana em sua cintura, mas a mão de Setsuna pousou suavemente em seu pulso e o impediu. Ele a olhou de relance por um segundo. Sua expressão era tão difícil de ler quanto seria se um véu estivesse cobrindo seu rosto. 

— Decifra-me ou devoro-te. — Disse o homem com uma voz untuosa, que parecia misturar várias numa só, como se a frase tivesse sido dita por um exército. — Eu venero o conhecimento, só quem o tem pode cruzar minha casa. 

— Se eu soubesse que seu caminho ia nos trazer até aqui, você teria vindo sozinha. — Izumi cotovelou levemente o braço da garota.

    Ela deu passos à frente, gesticulando com a mão para que ele ficasse onde estava. 

— Eu te decifro. — Anunciou. Um furo ardeu próximo ao seu lábio 

    Segundos de silêncio perduraram, o vento uivou e o homem começou:

— De manhã tenho quatro pernas; ao meio dia, duas; quando chega o crepúsculo, três. Dentre todas as criaturas, é a única a mudar o número de pernas, mas quanto maior o número de pernas, menor sua rapidez e força.

Igarashi soltou ar pelo nariz. Já ouvira enigmas antes, na estante de seu quarto na infância, havia livros com alguns. Mas todos eram bobos, infantis até demais. 

    Os olhos de Izumi queimavam em suas costas. Se voltassem à floresta, talvez dessem de cara com os soldados querendo terminar o serviço de antes. E se conseguissem cruzar a montanha, estariam livres. 

Essa é a força do conhecimento. 

— O ser humano. — Respondeu. 

— ...Tem certeza?

— Tenho.

— Porque? 

— Manhã, meio dia e crepúsculo são as fases da vida; no começo da vida engatinhamos sobre braços e pernas; no meio da vida caminhamos sobre duas pernas; e no fim da vida, usamos uma bengala. 

    O homem bateu firmemente com a bengala no chão e um barulho parecia reverberar por debaixo da terra. Por entre os braços de areia que pairam ao seu derredor, ele estendeu a mão, direcionando um dedo pontudo para quem lhe respondera. 

— Você foi a terceira. Quando se sentir perdida, procure pela primeira. 

    Suas sobrancelhas se uniram. 

— Que primeira? 

— Vocês podem ir.

    Tão subitamente e da mesma forma que apareceu, ele se fora, sumindo junto aos redemoinhos que se dispersaram. 

    Setsuna piscou os olhos e direcionou o queixo para o ombro direito, encarando Izumi, que mexia a cabeça para cima e para baixo. Queria se certificar de que isso realmente acontecera e ela não morrera de hipotermia e tudo fora fruto de imaginação. 

— Eu não saberia responder. — O Yoshida aproximou-se. — Se estivesse sozinho, teria morrido, provavelmente. — Ele sorriu, descansando as mãos na cintura. — É incrível como todo mundo que eu conheço se mostra alguém brilhante. 

    Talvez fosse um delírio, mas ele imaginou ter visto um esboço de sorriso.


Notas Finais


Aos que tiveram os personagens nesse cap: a personalidade deles ficou fiel?


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