Ele abre a porta. Não, não. Que ridículo um começo assim. Então, ele chega na casa. Não, ainda não parece respeitável.
Ele sabe que tem três horas — assim está bom. Ele está sozinho, e as pedras, e a sua pele, e o ar, e a casa, e o seu coração, está tudo vazio, tudo frio. Ele a vê ao longe, solitária naquele chão cinzento e naquela tempestade. Ela está lá, como se parte das rochas fizesse, como se pertencesse tanto àquela paisagem quanto o mar e quanto a chuva.
O céu denso acima dele não parece feliz, está dizendo que não é bem-vindo ali, que não é ali que deve estar. Mas ele precisa chegar nela, porque ele só tem três horas. Ele olha para cima e, com os olhos estreitados, pede desculpa ao céu, e depois volta ao seu caminho.
Atravessa a estrada; cada passo contra aquele vento como se fosse contra a gravidade do próprio Sol. Está frio, e vazio, e assustador.
Mas ela está ali, olhando-o com aquele sorrisinho penoso: são só alguns passinhos na chuva, se apresse.
A promessa do abrigo contra a chuva, o vazio e o frio faz com que ele dê mais um passo, e outro, cobrindo o rosto com o antebraço, abraçando mais seu sobretudo contra si.
É quando ele chega na casa. É quando ele abre a porta.
E ela está vazia, e fria, e tão escura quanto a escuridão.
Sua respiração condensa a sua frente e ele sabe que está na hora de acender a lareira. Mas que tolice a sua! É claro que isso tem de ser feito. Isso e muito mais, porque ele só tem três horas.
Então o homem pega os fósforos, porque lenha é coisa do passado. Acende sua lareira com a mesma destreza que um lutador de boxe teria ao fazer um passo de ballet. Com isso, a casa entrou em processo de aquecimento.
Acende as luzes, sim, isso é importante. Nessa primeira hora, ele se ocupa em colocar tudo no seu devido lugar, deixar a aparência aconchegante e macia, como deve ser: arruma as almofadas para que todas fiquem do lado de suas amigas — caso contrário, elas brigariam e gritariam, tornando o ambiente insuportável —, estica a manta no sofá para que ela possa se espreguiçar, pendura os canecos — eles só gostam de ficar no alto, aqueles mimados —, cobre as janelas com as cortinas para esconder a tempestade raivosa.
Ele apenas não mexe nas margaridas que estão em cima da mesinha de centro, elas parecem ficar bem felizes ali.
Essa foi a primeira hora. Quando ele olha o relógio, toma um susto, porque ele só tem duas horas.
Durante a segunda hora, ele não para quieto. Anda de lá para cá, troca os lençóis, lava a louça. Ao entrar na cozinha, lembra-se de que é bom ter algo para comer quando a hora chegar. Por isso, a maior parte da segunda hora se dá nele fazendo uma lasanha improvisada. Ela fica um pouco torta, mas parece estar feliz mesmo com o seu corpinho deformado.
Para beber, prepara um achocolatado que transborda amor e esperança. Os sentimentos dele são tão intensos que queimam a mão do homem quando ele vai tentar pegar a xícara.
E ele olha no relógio; falta uma hora.
Sessenta minutos não eram nem um nanômetro de vida.
Ele se desespera. E com razão.
Na última hora, ele chora.
A campainha toca. É quando acaba a terceira hora. Está tudo bem, ele não precisa mais chorar.
De olhos inchados, vermelhos, ele atende a porta. Algumas gotas da chuva molham o seu rosto.
Não restam mais horas.
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