História Venom - Here Comes Revenge

Laura sentia o peso do olhar de Matt sobre si, cheio de expectativa. Estava tão surpresa que era como se o chão tivesse sumido debaixo de seus pés, e as mãos de Matt em seu rosto eram a única coisa que a sustentava.

Ela sabia que precisava dar uma resposta a ele. Talvez nem mesmo uma resposta, mas meras palavras para que não parecesse surpresa demais, ou assustada demais. Ela via que ele estava sendo sincero, tanto sobre seus sentimentos quanto sobre o resto. Queria dizer sim, queria dar a ele tudo o que estava pedindo, e com certeza não queria magoá-lo, mas ainda assim as únicas palavras que saíram de sua boca foram:

- Eu não sei o que dizer.

Como esperado, a expressão dele desmoronou diante de seus olhos, e as mãos escorregaram para longe de seu rosto, deixando uma incômoda sensação fria e um vazio em seu lugar.

- Quer dizer, nossa... eu... isso é incrível, Matt! Eu sabia que fechar o negócio com o Brooks seria ótimo para a Deathbat.

- É...

- Mas não é sobre isso que estamos falando – ela forçou uma risada, envergonhada. – Desculpe, você me pegou de surpresa. Eu realmente não sei o que dizer, Matt. É bom saber como se sente, eu... eu sei que causei muito transtorno na sua vida, quero que as coisas fiquem bem. Mas...

- Tudo bem – disse ele sem muita emoção.

- Não – Laura estendeu a mão, segurando a dele. – Não estou dizendo que não quero isso. Eu só preciso pensar. É uma grande mudança, e preciso ter certeza de que estou pronta para isso. Entende?

Matt assentiu, incapaz de elaborar uma resposta. Ela via o quanto aquilo o machucava, e se odiava por aquilo, mas ainda era o melhor a fazer. Seus sentimentos por Matt eram muito fortes, nisso não havia dúvida. Nunca havia conhecido alguém como ele, e nunca havia se sentido como agora, ao seu lado. Mas isso não era tudo.

Queria ter algo mais para dizer, algo que o fizesse entender o quanto aquilo era difícil para ela, mas as palavras não surgiam. Felizmente, a porta do escritório se abriu antes que algum deles pudesse dizer mais alguma coisa, e Brian espiou para dentro da sala.

- Estava te procurando – disse ele a Matt, então pareceu notar o clima pesado ali, e se apressou em concluir: - Vamos começar, precisamos de você.

Assim que Brian saiu, Matt a olhou demoradamente. Ele parecia ter muito a dizer, e ela não sabia o quanto poderia ouvir naquele momento sem transbordar todos os sentimentos que começavam a acumular em seu peito, mas ele somente murmurou que precisava ir e a deixou sozinha.

Foram necessários alguns segundos para que Laura pudesse superar o choque e se mover. Ela deixou o escritório e rumou para o open bar improvisado quase sem pensar no que fazia, e quando se juntou a Leana, ficou feliz por a amiga estar concentrada demais na luta de Jimmy, que estava prestes a começar, para perceber que havia algo errado.

De repente, toda sua animação para o evento havia desaparecido. Sabia que Matt respeitaria seu espaço e lhe daria tempo para pensar. Mas ela também sabia que não poderia simplesmente ir para casa naquela noite e fingir que nada havia acontecido. Não conseguiria ter uma resposta definitiva tão cedo, mas precisava ao menos de algo que pudesse dar a ele, um motivo, uma explicação. E, no fim, a parte mais difícil era saber que, inevitavelmente, sua decisão determinaria se havia algum futuro para eles.

***

Enquanto o torneio não começava, Zacky saiu em busca de um lugar para assistir a primeira luta. O camarote era pequeno – Brooks estava lá – e a agitação se concentrou toda perto do octógono, então ficar um pouco mais atrás não seria problema. Foi quando encontrou Johnny Christ com os olhos e acenou para que ele se aproximasse. O colega tinha um sorriso no rosto e uma cerveja em cada mão.

- Onde estava? – Perguntou pegando uma das bebidas.

- Apostando com uns caras. Sessenta dólares no James, quarenta no adversário.

Zacky não acreditava:

- Apostou no oponente do seu melhor amigo?

- Se ele perder eu ainda ganho! Tem tática melhor do que essa?

Foi impossível conter uma risada. Vengeance fingiu que entendia as atitudes loucas do amigo e parou um minuto para admirar o salão cheio de gente. Haviam muitos clientes da academia presentes, inclusive mulheres, algumas passavam por eles e chamavam a atenção de Johnny que, depois de uma cantada, não conseguia nada delas além de um sorriso tímido. Ali do lado, Zacky apenas pensava no quanto as coisas tinham melhorado para a Deathbat. Os dias de trabalho duro não terminariam naquele dia, contudo a segurança financeira que tanto precisavam deixaria alguns problemas mais leves. Se Brooks era mesmo tudo que seu sócio e professor acreditavam, eles estavam no caminho certo finalmente.

E olhando para cima, viu tudo pronto, com exceção de Brian que pouco depois voltava do escritório.  A porta da salinha se abriu e dela saiu Shadows, não demorando para segui-lo e então, Laura passou pela mesma em seguida. Ela estava com pressa, de cabeça baixa, indo em direção à amiga um pouco mais à frente, perto do ringue. Ao contrário de Leana, não existia mais nenhum um vestígio de animação nos traços da ex namorada.

- E aí galera – falou Brian de repente no microfone, recebendo gritos de animação como resposta. – Sejam bem-vindos à Deathbat Fighting! Estão todos preparados?

Mais gritos e aplausos. O público estava agitado e com Laura de costas ele não podia ver além dos cabelos castanhos soltos pelos ombros. Mas era óbvio que ela estava preocupada com alguma coisa.

No octógono, Shadows tentava acalmar James ao mesmo tempo que o ajudava com as luvas e o protetor de boca. Rev assentia, claramente nervoso, até ouvir Brian chamar seu nome de guerra o apresentando ao público.

- ACABA COM ESSE FEIOSO, AMOR – berrou Leana de forma que ele a ouvisse.

E assim que Haner apitou a euforia tomou conta das pessoas. O desafiante de Jimmy The Rev era mais baixo e parecia ser mais forte do que ele, embora fossem da mesma categoria de peso. Não demorou muito e logo Rev avançou contra o adversário, enérgico. Ele acertou a cruzada de direita e levou uma de esquerda no segundo seguinte.

Zacky goleou sua cerveja e olhou novamente para as duas amigas assistindo a luta, uma delas eufórica enquanto a outra mal se movia. Então Johnny deu um grito indignado ao seu lado, visto que James havia levado outro golpe.

- Reage, seu filho da mãe!

E sem aviso Laura simplesmente olhou para trás, como se o tivesse sentido, seus olhares se chocaram por alguns segundos. Era fácil perceber que o humor de quando chegara havia mudado, ela tinha uma mescla de confusão e tristeza no semblante, algo profundo que Zachary não conseguia entender.

Mesmo assim ele não tentaria. Apenas levou sua visão de volta aos dois que brigavam no octógono, quebrando o contato visual, esperando que ela fizesse o mesmo o mais rápido possível – o que logo aconteceu. Se quisesse mesmo esquecê-la, não podia se importar. Infelizmente nada mais era da sua conta, ao menos sobre Laura.

De repente Jimmy começou a revidar. Seu oponente tentou levar a luta para o chão onde Jiu Jitsu seria indispensável, mas ele não deixou, mantendo o foco e a vantagem da briga no boxe. O homem contra quem James lutava não aguentaria muito mais, não com aquela sequência de socos sendo depositados em sua cabeça um após o outro. E antes que Rev o fizesse desmaiar Brian ergueu seu braço declarando a vitória, fazendo Leana berrar mais alto que todos.

- Parabéns Rev, estou orgulhoso de você – disse o professor contente quando pegou o microfone outra vez. – E antes do próximo combate, gostaria de apresentar a vocês o mais novo patrocinador da Deathbat, Brooks Wackerman!

A voz grave do empresário soou pelo alto-falante enquanto parte da plateia parava de aplaudir:

- Obrigado Haner. Tenho certeza de que será uma parceria maravilhosa. Quero aproveitar e agradecer mais uma vez aos sócios, Matt e Zacky, e a você Brian pela confiança. À propósito, acho que esta é uma boa hora para pedir aquela luta entre amigos que me falou. Adoraríamos ver uma revanche, não é pessoal?

***

Brian disfarçou o calafrio. Viu Matt apertar os lábios, sem ter o que responder à Brooks. A galera assistindo concordava, animada, repetindo "revanche!" em coro. Zacky saiu do lado de Johnny e subiu no camarote/ringue ao lado do octógono, indo direto até Shadows.

- Você quer lutar? – Ele falou com Vengeance.

- Com você? Sempre.

- Me escutem, vocês dois. – Brian se aproximou. – Não quero uma luta como aquela, não quero dois sócios perdendo o respeito um pelo outro mais uma vez.

 - Não vamos – disse Matt. – Não é mais por ela, certo Baker?

- Certo. – Zacky o olhava com convicção. – É pela vitória, que dessa vez será minha.

Shadows sorriu elegante, aceitando a provocação e guardando toda sua ansiedade para o combate. Ele sabia que Vengeance estava falando sério e que, por mais que as coisas ainda não estivessem completamente bem entre eles, aquela seria uma luta mais tranquila e amistosa que a primeira.

Era no que Brian acreditava também. Ele queria que show o continuasse, que aquela fosse uma das muitas festas que eles dariam para seus amigos e matriculados. Mas àquela altura, quando os dois voltaram do vestiário com suas luvas calçadas, foi praticamente impossível mostrar outra feição de não fosse a de preocupação, ainda mais se tratando dos ex amigos um contra o outro.

 - Não precisam de apresentações, precisam? – A voz de Brian soou nas caixas de som mais tranquila do que ele realmente estava e por isso todos gritaram com entusiasmo.

Então guardou o microfone e esperou que os lutadores se pusessem um de cada lado. E automaticamente a tensão pousou sobre suas cabeças, ambos trocavam olhares sérios, sem ressentimentos, porém cheios de ambição por aquele momento. Brian colocou uma mão em cada ombro, fazendo Zacky e Matt virarem sua atenção para ele.

- Joguem limpo. E não me decepcionem, rapazes.

Não havia mais o que pudesse dizer, não para eles. O gongo soou e para a surpresa de todos que assistiam, Vengeance foi o primeiro a atacar. Matt fugiu de seus golpes, notando a movimentação ligeira: Zacky havia treinado mais os pés, finalmente. Porém nada daquilo seria problema, pois logo acertara um bom chute, fazendo a galera reagir a favor dele.

Johnny apareceu em um dos cantos, volta e meia soltando um urro de incentivo para Zacky, vendo que como juiz Brian não podia fazer tanto por nenhum deles. Do outro lado do octógono, no camarote ao lado de Brooks, Jimmy segurava uma bolsa de gelo em uma das faces enquanto tentava berrar algo para Matt.

Foi a vez de Shadows partir para cima, batendo contra os músculos da barriga de Vengeance que aguentava firme as pancadas com os braços protegendo a cabeça. Passar tanto tempo treinando sozinho tinha valido a pena, afinal. Se via mais resistente, mais ágil e concentrado no oponente, mesmo com aquela gritaria.

Mas protegendo a cabeça, Zacky deixava as pernas vulneráveis. E aquela foi a oportunidade que Matt agarrou para conseguir desarmá-lo, acertando uma joelhada na articulação de seu adversário. Não precisou esperá-lo cair para fechar o braço em volta do pescoço em um mata-leão, do qual Zacky resistia tentando esmurrá-lo naquela posição.

Matt olhou rápido para a primeira fileira, Laura se destacou entre o público ansioso quase todo de homens. Ele a observou por brevíssimos segundos e o tempo passou mais devagar, lembrando da conversa que tiveram a pouco, vendo a aflição nos olhos azulados da namorada. E aquilo foi suficiente para que sua concentração se desviasse para ela e o que supostamente estaria pensando.

Se ele se mudasse, seria o fim? Ou ela o seguiria para São Francisco? Por que ela não iria? Muitas perguntas sem resposta, surgindo em sua cabeça e o mandando para mais longe daquela luta. Ao contrário do que havia negado, Laura, novamente, fazia parte daquilo. Fora a desconcentração de Zachary da primeira vez e agora estava sendo a sua – não podia evitar. Assim como não pode prever a mão fechada e enluvada de Vengeance atingir a maçã de seu rosto, a dor lhe despertando, o obrigando a soltá-lo depressa para tentar se recuperar.

Parada, Laura viu Matt cambalear para trás, desequilibrado pelo soco que tinha acabado de levar. E então Zacky não perdeu tempo e voltou a golpear o sócio, conseguindo uma boa reação dos espectadores e aproveitando para criar a vantagem que precisava.

- Se defende, Matt! – Clamou Leana por ela.

Shadows tentava revidar e se esquivar ao mesmo tempo, ele pensou que tinha recuperado a concentração, mas Vengeance acertou outro murro em sua têmpora. A tontura passou a ser forte demais e quando a agitação da torcida havia se transformado apenas em um bipe contínuo, Zacky o tinha empurrado com o corpo como um jogador de futebol americano. Os dois caíram, transpirando e fazendo a plateia delirar. A vista de Matt começava a embaçar com o suor se juntando nos olhos e o outro com o joelho sobre seu peito, se esforçando para socar sua cara mais uma vez.

Até que ele conseguiu. Baker acertou o maxilar de Sanders e puxava o punho de volta para repetir o movimento quando Brian interveio, os separando e dando fim ao combate. Todos já sabiam quem era vencedor.

***

Laura acendeu as luzes do apartamento assim que Matt destrancou a porta. O caminho de volta da Deathbat havia sido percorrido em silêncio, a não ser pelo baixo volume do rádio do carro dele, murmurando alguma música que nenhum dos dois fez questão de reparar, mas que servia apenas para cortar minimamente a tensão.

Depois da luta dos sócios, o torneio seguiu normalmente, com confrontos entre os alunos da academia, mas Laura sabia que para todos os presentes, o ponto alto da noite já havia passado. Depois de encerradas as lutas, houve um pequeno coquetel em comemoração, quando Brian aproveitou para arrastar Brooks para todos os lados, conversando com alunos e fazendo comentários sobre a academia, sempre acompanhado de perto por Baker e Sanders.

Ela quis ir até ele, tanto pela conversa anterior quanto pelo resultado do desafio, mas ele parecia concentrado demais em dar atenção ao novo patrocinador. Além do mais, o breve olhar que trocaram ainda durante a luta havia indicado a ela que devia dar um pouco de espaço a ele.

Talvez Matt ainda não quisesse tocar no assunto, pois assim que trancou a porta do apartamento, foi direto para o quarto, e não demorou para que Laura pudesse ouvir o som distante do chuveiro ligado. Sabia que ele devia estar cansado, e os novos machucados com certeza incomodavam, então enquanto ele terminava o banho, ela tratou de arrumar compressas frias.

Quando ele finalmente reapareceu na sala, Laura aguardava sentada no sofá, as mãos já frias por segurar a bolsa de gelo. Matt se demorou na entrada da sala, trocando um breve olhar com ela, mas claramente longe de saber como agir, então Laura tomou a iniciativa, levantando e se aproximando dele tanto quanto sua insegurança permitia.

- Preparei para você – disse ela em voz baixa, erguendo o objeto que segurava, e tentou não revelar em sua expressão a mágoa que sentiu quando ele, ao invés de permitir que ela o ajudasse, somente tomou a compressa de suas mãos.

- Obrigado.

Ela observou quando ele foi até a cozinha, tomou um comprimido para dor e repousou a bolsa de gelo sobre o olho machucado, onde a pele já assumia uma coloração arroxeada.

- Sinto muito pela luta – continuou ela, insistindo em conversar sobre qualquer coisa que fosse, apenas para acabar com aquela tensão, mas Matt deu de ombros.

- Zacky tem treinado bastante. E o importante é que demos ao Brooks o que havíamos prometido.

- Tem razão – Laura murmurou, mesmo que ambos tivessem consciência de que aquela rápida troca de olhares e todos os pensamentos que certamente rondavam os pensamentos de Matt naquele momento foram decisivos para o fatídico resultado.

Ela queria saber o que dizer. Podia ver que apesar da fingida indiferença, Matt ainda esperava que ela desse uma explicação melhor do que a obteve mais cedo. Mas a mágoa nos olhos verdes a assustava, e a última coisa que ela queria era cometer mais um erro como aquele, então somente tocaria no assunto quando realmente tivesse uma resposta definitiva.

- Estou cansado, acho que vou tentar dormir – disse Matt depois de um bom tempo em silêncio, e Laura apenas assentiu, permanecendo calada enquanto ele depositava um leve beijo no topo de sua cabeça antes de deixá-la sozinha.

Também se sentindo exausta, Laura não demorou muito mais para tomar um breve banho e ir para a cama, encontrando Matt já em um sono profundo. Adormecido, ele não parecia rondado por tantas incertezas e preocupações, e ela se permitiu observá-lo por um longo tempo, refletindo sobre tudo o que havia acontecido.

O fato de ele ainda ser tão gentil e carinhoso mesmo quando ela sequer era capaz de demonstrar os próprios sentimentos a machucava mais do que qualquer coisa. Porque a verdade é que ela o amava, não havia dúvidas quanto a isso. Mas não poderia simplesmente abrir seu coração, quando aquilo não bastava.

O amor que sentia por Matt era, possivelmente, uma das coisas mais fortes que havia experenciado, e talvez fosse o suficiente em um tempo diferente. Enquanto corria o olhar pelos traços do rosto do namorado, Laura teve consciência do quão difícil era a decisão que devia tomar.

Poderia ter uma vida ao lado dele, se decidisse desta forma. Gostaria de ter certeza de que era a escolha certa, mas não queria basear seu futuro em um relacionamento, por mais feliz que ele a fizesse. De outro lado, pensar em recusar a proposta de Matt a assustava, porque era certo que não haveria volta, e a simples ideia de perde-lo a machucava mais do que imaginava ser possível.

Mas quanto mais pensava, mais concluía que na verdade não era muito uma escolha. Sabia que ambas as opções tinham seus pontos positivos e negativos, mas considerando um contexto maior, era cada vez mais claro com qual opção ela poderia viver.