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História Verão de 1985 - Parte I: Meia-vida


Escrita por: vermelhatipica

Notas do Autor


Okay, era pra essa fic ter saído dia 31, mas como a pessoa aqui é mestra em revisar tudo que escreve umas mil vezes pra provar que realmente tá aceitável, eu me atrasei. E, como tá muito grande o que eu já escrevi (para o meu gosto) e eu não podia vacilar de novo aqui (já atrasei um dia essa budega, poxa), decidi dividir em duas partes.
Até lá, galeris!
(Obs.: na parte II eu coloco todas as músicas em uma playlist e publico aqui. E a capa lindíssima é do @supotsuman).

Capítulo 1 - Parte I: Meia-vida


½

Kim Taehyung era alguém que todos que o conheciam chamavam de avoado e língua solta. Não era realmente mentira, considerando que havia perdido o aniversário de morte de seis anos de sua avó e, agora, era começo da noite e o cemitério havia acabado de fechar.

— Nem pro coveiro fazer uma média e me deixar entrar — Taehyung falou, suspirou e depois bufou, tudo enquanto chutava a terra fofa e acabava por sujar toda a sua “roupa séria”, como gostava de frisar nas reuniões com os amigos arruaceiros. — Coração sem alma. Pelo amor, eu conheço aquele cara desde que me entendo por gente!

Sentou-se no gramado meio desajeitado. A grama estava molhada pela chuva recente, o solo cheio de pocinhas de lama, mas nem se preocupava com isso. Estava com as roupas encharcadas, já que havia se esquecido de pegar o guarda-chuva no trabalho quando veio correndo ao olhar o relógio e se dar conta da hora exacerbada.

Tirou a mochila surrada de suas costas e deixou que desabasse na grama, pegando o seu walkman, já com a fita nº3 acoplada, e seus fones. Sabia qual era a sétima de sua playlist e se animou um pouco com isso. Eyes Without a Face nunca deixava alguém na rua da amargura, por mais que fosse a própria amargura.

— Vovó bem que poderia dar uma aparecida com aquele espectro todo azul e dar um susto no senhor Park. — riu com o próprio comentário. A canção casou bem com o latido ao seu lado, embora Billy cantando “Got no human grace” tivesse que ser levada ao pé da letra. Assustou-se um pouco. Quando que aquele cachorro pequeno como um jabuti havia aparecido?

Depositou o bom senso de lado e decidiu bater um papo com ele, talvez fosse aquele tipo de encosto que não faz mal. Sério, de onde aquele cachorro havia surgido? Ao menos era alguma coisa viva a não ser os vagalumes que surgiam cada vez mais com o passar do entardecer e a voz de Billy Idol em seu ouvido.

— Você tem que concordar que seria ótimo, vai. Aquele sem coração deve ter endurecido de tanto que cava cova, só pode. “Now it makes me sad...” — cantarolou engraçadinho.

Ouviu outro latido e duas patinhas pousaram em sua coxa, contrariando-o. Riu anasalado, permaneceu com os fones — anotando mentalmente de, assim que chegasse em casa, rebobinar a fita com a caneta — e acariciou o pelo mesclado do cachorrinho. Quase enganchou os anéis diversos no pelo todo emaranhado, mas tudo bem.

— Se você não tiver dono, te trago comigo e depois arco com os xingamentos de Jeongguk — disse, decidido. Pegou o cachorro encardido e o colocou em seu colo, tateando o pescoço a procura de uma identificação que pudesse o relatar alguma coisa, mas não havia nada. — Ótimo, você vai comigo, pequeno ouvinte. Okay, pequeno ouvinte é um nome bobo demais — pensou. — Deixe-me ver... sentar, esperar e dar a patinha... Yeontan. Que tal? — esperou que o cachorro fosse gostar, ledo engano.

Olhou para ele com uma carinha de bravo, com o focinho emitindo uma baforada tão violenta de ar que só o deixou com mais certeza de adotar aquele nome a ele.

— Melhor pra mim, então. Vai ficar Yeontan, sim, senhor. Se não gostou, “Steal a car and go to Las Vegas, ooh, the gigolo pool”!

Quando as nuvens juntaram-se novamente para cair o mundo, e o Kim preparava-se para levantar-se com o cachorrinho bem aconchegado em seus braços — também de saco cheio das mordidas fervorosas em sua pele da perna —, o rapaz parou ao ver um objeto vagando pelo riacho.

Aproximou-se mais. Estava escuro e, se não fosse as luzes verdes amareladas dos bumbuns dos vagalumes e o pôr do sol ainda persistindo, não enxergaria um palmo à frente.

— Alguém pegue o buquê!

Com sorte, o dito buquê parou de viajar pelas águas ao ter a fita, que prendia as rosas, enroscar-se nas pedras.

Taehyung soltou Yeontan e o colocou no gramado, ergueu as mangas de sua camisa e de seu paletó e foi se embrenhar nos cascalhos e pedras do riacho, molhando suas meias, seu sapato e sua calça – anotou mentalmente que Gguk o daria outro sermão por chegar todo esculhambado e mulambento. “Não faz mal se eu disser que fugi de um assaltante”, depois pensou novamente, enquanto pegava as rosas estraçalhadas do riacho, “ele vai perceber, eu minto mal pra um caralho. E, se não perceber, vai dizer que fui burro e poderia estar à sete palmos do chão agora...merda.”

O autor do grito desesperado, que praticamente fez o Kim pular no lugar, veio correndo, até parar do seu lado completamente ofegante e curvado, buscando fôlego. Parecia um animal ruidoso, mas era fofo de certa forma. O estranho era baixinho e estava todo trajado como se indo para a missa.

— Obrigado, não saberia o que fazer se perdesse essas flores. Eram as últimas da floricultura – disse ao tomar fôlego. Passou os dedos pelo cabelo ruivo charmosamente, mesmo sem tal intenção, endireitou a postura e bateu nas roupas certinhas como se buscasse alguma dignidade. Estendeu a mão gordinha para Taehyung e apresentou um sorriso tão adorável, com direito a dois olhos alongados reduzidos a risquinhos, que Taehyung bateu-se mentalmente por tê-lo chamado de metidinho em pensamento. – Prazer, sou Park Jimin.

Taehyung entregou as flores às mãos pequenas do outro e teria ficado por apenas um “de nada” se não fosse tão curioso ao querer saber o que o engomadinho do rapaz estava fazendo ali àquela hora da noite – deveria estar fazendo a mesma pergunta a si mesmo, no entanto, nem ele próprio sabia realmente a resposta. Somente os seus pés o haviam levado até aquele campo, então eram outros quinhentos.

Ao ouvir o beep do outro tocar e o tal do Park atendê-lo como se o Kim — e o cachorrinho sentadinho como se houvesse aceitado o dono cabeça de vento de fato — nem estivesse realmente ali, proferindo vários “uhun's; tá bon's; volto logo e compro kimchi antes da mercearia fechar” ao ler em alto tom, como se prestasse mais atenção nas mensagens caso falasse em voz alta.

Taehyung permaneceu como estátua ali mesmo, embora batesse o pé impacientemente algumas vezes. Que conversa demorada era aquela? O cara estava recebendo esporro da mãe, por um acaso?

Pudera, um pingo de gente, muito bonito por sinal, andando por aquele lugar onde um assassino possivelmente teria escondido um corpo, era uma coisa a se salientar por seu próprio bem.

Mas já estava se contradizendo: era difícil acontecer algum caso de assassinato, assassinato mesmo. No máximo um suicídio de idosos e olhe lá...

Ao menos deu tempo para Billy Idol terminar de cantar “And now it's getting worse” repetidas vezes. Riu um pouco, odiava essa parte por dar-lhe um medo terrível, gelando-lhe a espinha, até  que ouviu um “vou ao cemitério, hyung; tem algo a dizer ao pai?” bem baixinho. Nesse momento, o Kim parou de fazer gracinhas em pensamento e o olhou com pena. Como contaria que o coveiro era um desgraçado que nem deixava que os vivos presenteassem os mortos? Está bom que eles estavam mortos, mas quem sabe um bate-papo não fosse alegrar a alma, seja lá onde ela estivesse?

— Não conseguirá ir hoje ao cemitério, cara. Fechou às 17:30 – coçou a nuca, desconfortável. Odiava dar notícias ruins. – E vai por mim, eu até entreguei meu mochi para o sem coração do coveiro e ele nem deu bola. Me expulsou à ponta pés como cachorro morto.

Jimin colocou o beep no bolso de sua casaca assim que terminou de responder o irmão. Já Taehyung estranhou a próxima música de sua playlist tocar bem naquele momento: “I’m Gonna Haunt You”.

“Por que caralhos eu fui escolher a playlist de Halloween logo hoje?!”

— Ah, não tem problema – Jimin disse, meio rindo, a ponto de seus olhos formarem meia-luas adoráveis novamente. Segurou com carinho as rosas molhadas,  sem todo o esplendor da imagem que tinha assim que saiu da floricultura. – Eu posso te ajudar com isso. ‘O sem coração do coveiro’ é meu pai.

Taehyung, caso não estivesse completamente chocado, teria dito milhões de desculpas. Jimin quase riu de sua cara congelada, mas se recompôs e passou a andar com ele até o cemitério, não querendo deixar o rapaz prestativo todo acuado, até porque sabia, vivia e reconhecia que o gênio de seu pai não era um dos melhores.

Nunca havia falado diretamente com o “grande senhor” Park Hajun pessoalmente, e não era como se se preocupasse com uma figura paterna.

"Puff, quem precisa desse homem? Eu não!"

Desde que concluiu seu jardim de infância e segundo colegial, Seokjin, seu irmão mais velho, procurava sempre animá-lo no dia dos pais e em seus aniversários, nos quais recebia apenas um cartão postal e doces do 1,99 do pai ausente. Nas vezes mais milagrosas, recebia um boneco do He-man que dizia claramente “destinado à crianças de até cinco anos”.

Era também por isso que Jimin tinha certeza que sua mãe o contactava para lembrá-lo de seu aniversário. Na verdade, tinha certeza de que senhor Park Hajun só mandava a pensão para não ser preso, assim como sabia que o trabalho de avisá-lo foi passado ao seu irmão, depois que ela morreu.

Nessa época de experiência reveladoras para Jimin, igualmente quando pequeno mas com uma vivência familiar melhor, Taehyung preocupava-se apenas em não acreditar muito em historietas assombradas ou lendas urbanas de cunho muito do maldoso.

Tornou-se bem sucedido nisso, mas tinha lá seus medos que não faziam tanto sentido. Borboletas era um deles, e nunca parou para realmente pensar em como uma descarga tão grande de adrenalina surgiria assim que se confrontasse com uma dessas figuras fantasmagóricas, caso tivesse receio de encontrar um fantasminha passando por sua frente, por exemplo – estando longe de asas batendo e casulos de transformações, ele estava de bem com a vida, muito obrigado.

Bem, Jimin não se preocupou em frear esses medos, estava preocupado com outras coisas, então, vualá, Taehyung finalmente recordou disso ao encontrar uma pessoa que tinha simplesmente pavor de fantasmas. Era essa a conclusão, ou a careta de medo do ruivinho enquanto chegavam cada vez mais perto do cemitério dizia que estava com indigestão.

De um jeito ou de outro, passou a pensar nos motivos para que Jimin não precisasse temê-los enquanto estivesse entre caixões de mármore e lápides cheia de inscrições, como se a pessoa não tivesse morrido e sempre fosse estar ali para as visitas dos parentes e conhecidos, trazendo bebidas, flores, ou qualquer outra coisa que a dita cuja apreciava no mundo terrestre.

– Vamos lá – olhou para o céu das dezesseis e buscou alguma inspiração. Como queria ter prestado atenção nas aulas de estudos comportamentais da faculdade de Sociologia.

Isso piorava ainda mais quando Fred Schneider dizia em seu ouvido “That wherever you go I'm right there behind you” parecendo mesmo um fantasminha, e não o do tipo camarada.

– Primeiramente, eles estão mortos.

– Não é uma coisa muito boa de se pensar nesse momento, Taehyung. – Jimin suspirou e abraçou ainda mais as rosas molhadas. – Pode segurá-las, por favor? – estendeu o buquê à Taehyung, achando ser mais seguro a confirmação da integridade delas até o fim do percurso.

O mais alto o pegou enquanto Jimin tirava o cachorrinho-pequeno-ouvinte do chão e o embalava com a casaca. A falta de hesitação do cachorro em seus braços, junto do pequeno guincho de contentamento, serviu para tirar um doce sorriso seu e acalmar um pouco seu espírito.

– Melhor. Pode continuar.

– Não é tão difícil de se pensar – Taehyung o retrucou, franzindo o cenho. – Mortos não fazem mau algum, quem exerce esse trabalhinho são os vivos. Mas imagine o Jason criança saindo do lago Crystal Lake pronto pra te dar um bote como se tivesse te esperado pra isso...

Taehyung pensou bem e soltou uma risada, nem reparando no rapaz assustado ao seu lado que abraçou com mais força o pequeno ouvinte. Jimin já havia visto o filme, sozinho, e deixou a sessão nos trinta minutos iniciais, sofrendo praticamente de um Ben Johnson ou seja, quase desfalecendo na cadeira do cinema.

– ...lembro bem dessa cena, domingo de oitenta e um, verão, à noite, cinema lotado com o lançamento. O pessoal tinha levado pipoca escondida e estava um cheiro de manteiga à beça, parecia até que o sangue de ketchup da fita tinha gosto amanteigado. No ano seguinte, até aluguei a fita cassete lá na locadora do Namjoon. Se quiser, eu te apresento ele; é um caroço, mas faz você economizar uma bufunfa que até dá pra esquecer desse detal-

– Aish, Kim Taehyung! Você definitivamente não está ajudando! – Jimin exclamou, bufou e saiu pisando forte e, se quisesse, teria feito uma cratera naquela calçada só para mandar Taehyung para o núcleo da Terra e calar a sua boca de caçapa.

Yeontan até acordou com a voz furiosa do rapaz menor, e, finalmente, o Kim acordou para a vida.

Chegaram aos portões do cemitério.

As letras carcomidas do letreiro de ferro acima da estrutura, o musgo e videiras secos e quebradiços cobrindo toda a parede de pedra e a bruma fina adormecendo seus olhos, como se fumantes tivessem passado por ali e expelido fumaça como chaminés, não faziam o lugar tão agradável aos olhos.

Caso não fosse o local de trabalho de seu pai e flores e uma marmita, esta que estava em sua mochila, tivessem de ser entregues, Jimin não pisaria seus pés naquele lugar nefasto. Como queria matar Jin por não ter avisado da reunião de última hora do CJET (Cúpula dos Jogadores de Elite de Tamagotchi).

– Ah, desculpa mesmo. Pensei que você fosse rachar o bico comigo, broto – Taehyung ainda teve a cara de pau de dizer-lhe isso e apoiar o braço em seus ombros.

Jimin chacoalhou-se e deu um passo maior que as suas pernas curtas podiam dar, tropeçando e quase caindo como uma jaca madura. Taehyung riu anasalado, “até que o engomadinho é engraçadinho”.

– Nem venha com essa de broto que não te dei intimidade. E vamos entrar logo, pelo amor de Deus.

Pensou em, depois da situação atual, mandar ele a merda e nunca mais vê-lo. Só que repensou que, se nunca mais fosse encontrá-lo, o que era meio impossível dado à pequenez crônica que a sua cidade natal sofria, também não trombaria com o cachorrinho adorável em seus braços.

E, poxa, cara, o pequeno ouvinte era a coisa mais fofa que havia visto e, incrivelmente, não havia tido um surto de espirros ao encostar nele.

Talvez fosse os seus dons caninos de desviá-lo das problemáticas da vida, pois, ao perceber, suas pernas já lhe guiavam até a casinha onde seu pai ficava hospedado sem pensar nos ‘caixões de mármore e lápides cheia de inscrições, como se a pessoa não tivesse morrido’.

Jin, ao menos, teve a decência de lhe dizer tintim por tintim o caminho: “siga em frente até encontrar a lápide de aparência mais rica, depois, vire à esquerda e continue seguindo em frente. A casinha assustadora ao fundo, que parece aquela do lago do Jason – por Deus, havia se esquecido que seu irmão também era um doido por filmes sangrentos – é o seu destino!”.

– Se continuar parado aí, vai dar três da manhã e vai ser bem capaz da gente ver o capiroto em pessoa.

– Não sei onde meu pai está, seu energúmeno – Jimin disse, amargurado e com um bico tão extremamente fofo que o Kim deixou o xingamento passar quieto (era mesmo um xingamento? Ele não sabia, nunca havia ouvido essa palavra). – Meu irmão falou que, nas vezes dele, tinha de esperar o pai chegar naquela cabaninha, pois ele sempre se embrenhava pra catar capim e erva daninha nos lugares mais afastados do cemitério.

– Um homem que ama o trabalho, pelo que vejo! – Taehyung disse, completamente impressionado. O vozeirão impressionando até o corvo que saiu do telhado vermelho e voou com um guincho esganiçado. Jimin estremeceu. – Está com frio? – perguntou, preocupado.

O Park quase sentiu seu coração amolecer, já que, embora tapado, Taehyung ainda se prestou a tentar ajudá-lo.

– Aqui – tirou o seu casacoe pousou nos ombros de Jimin, terminando por tocar com a ponta do dedo longo no focinho do pequeno ajudante adormecido nos braços dele, enrolado, por sua vez, com a casaca de Jimin. – Tannie realmente gostou de você, mas não pense que vou entregar ele de mão beijada!

– Não daria muito certo. Meu irmão espirra só de pensar que ele possa pisar essas patinhas peludas na nossa casa...

O caminho de pedras, que levava ao portão da cabana, era de um charme bem peculiar naquele espaço que agravava  a miopia de Jimin.

Os 2.5 graus ficavam terrivelmente piores com uma cortina de fumaça, ainda mais quando não estava com os seus óculos. Tanto que agarrou um braço de Taehyung, fazendo quase um malabarismo para que o cachorrinho em seus braços ficasse suficientemente confortável enquanto isso. O Kim sentiu-se um ursinho sendo agarrado por uma criança, algo que o fez soltar um sorriso tipicamente quadrado.

– Ô de casa! – Taehyung gritou e bateu na madeira da porta fortemente.

Jimin olhou-o, interrogando-o. Não havia falado que teriam de esperar seu pai chegar primeiro?

– Não custa nada conferir. Eu odiaria estar fazendo uma coisa e parar pra atender dois rapazes chegando do nada. Imagina se tivesse pizza? Eu que não iria dividi-la!

– Quem entregaria pizza no cemitério, Taehyung?

– Uma pessoa que, assim como seu pai, ama seu trabalho – está certo, Taehyung definitivamente estava puxando sardinha para seu pai só para conquistá-lo.

Balançou a cabeça, tirou o braço do apoio de Taehyung e tateou o bolso traseiro de sua calça, procurando pela chave que sabia ter pegado.

Não havia nada.

Passou o pequeno ajudante para seu braço direito e procurou o objeto em seu outro bolso com a mão livre. Também não havia nada.

– Eu tenho certeza de ter pegado a chave na mesa de centro antes de sair de casa – com o cenho franzido, foi ainda mais fundo no bolso.

Quem sabe fossem os seus dedos gordinhos que estivessem atrapalhando a operação.

– Tae, segura o Tannie, por favor – Jimin pediu, mal percebendo que havia criado um apelido carinhoso ao pedir que ele segurasse o pequeno ajudante.

Fogos de artifícios extremamente coloridos festejaram por todo o interior de Taehyung, mas nada falou, ficou quieto vendo Jimin revirar os bolsos de sua calça e da casaca, quando a tirou do entorno do pequeno ajudante, e cantarolando para Yeontan a introdução de “Landescape” enquanto o via se atrapalhar a procura da chave.

Com os olhos pequenos arregalados e dizendo baixinho não mil vezes, tirou a mochila enorme de suas costas e começou a pegar tudo que havia dentro dela, largando no chão sem o menor cuidado ao perceber, com cada vez mais desespero, que a última coisa que achava era a maldita chave.

– Eaí, achou? – Taehyung perguntou só por perguntar, tinha vezes que não conseguia controlar suas perguntas estúpidas em momentos de tensão para outras pessoas. Era exatamente por isso que quase sempre ia ao cinema sozinho.

– O que você acha?

Jimin, ao ficar cansado de ficar agachado catando os objetos que desprezou, largou a mochila no batente da porta e se sentou no único degrau da cabana, apoiando sua cabeça na viga de madeira, desacreditado com a própria leseira.

– Aish, eu só não esqueço a cabeça porque ela ainda está colada no meu pescoço!

– Fica tranquilo, seu pai não deve demorar – Taehyung sentou-se ao lado de Jimin, arrumando o casaco desajeitado em seus ombros. – Não é? – questionou ao receber apenas o silêncio do outro.

O Park soltou uma risadinha desconfortável, acariciou uma orelhinha, que escapou da figura encolhida do pequeno ajudante nos braços longos do Kim, e fez de tudo para ignorar o olhar ansioso dele em si.

– Claro, ele não nos deixaria plantados aqui a essa hora da noite por tanto tempo – disse, convencendo-se da própria resposta. – Claro que não. – dessa vez, a risada saiu divertida. – Definitivamente não.

½

Certo, definitivamente não era um termo radical demais. Taehyung, para ter-se noção, teve que trocar a fita cassete de lado umas três vezes. Estavam plantados ali há quarenta e cinco minutos e vinte e seis segundos. Vinte e oito. Vinte e nove.

Tirou os fones dos ouvidos de si mesmo e de Jimin, uma vez que compartilhavam, e guardou o walkman na mochila. Nem as musiquinhas de Halloween junto à atmosfera nebulosa o davam receio mais. Tudo estava tão chato...

– Se você olhar os ponteiros desse relógio de vovô mais uma vez, eu taco essas rosas em você sem nenhum remorso – Taehyung disse, chutou o cascalho do chão de pedra e largou a cabeça para trás quando os fios encaracolados passaram a cobrir a sua visão já não muito boa por causa daquele nevoeiro com cheiro esquisito de enxofre e formol.

– Quer saber? Eu vou ver a minha vó que eu ganho mais. A velha já deve ter me dado um cascudo em espectro e eu nem devo ter percebido.

Voltou-se para Jimin, os olhinhos castanhos de cachorro abandonado dele trouxeram uma sensação de culpa que não deveria estar ali...

– O convite é estendido a você também, broto – e lá estava a sua guarda totalmente baixa com um simples sorriso de alívio de Jimin.

Taehyung levantou-se com um pulo para buscar alguma animação, estava quase cochilando encostado naquela viga, e estendeu a mão calejada, de tanto tocar as cordas espessas da guitarra na bandinha horrível de Jeongguk.

Jimin aceitou a mão estendida para erguer-se.

Taehyung olhou em volta e acendeu a lâmpada pendurada em um gancho perto da porta de madeira. A iluminação ainda estava péssima, mas era alguma coisa, ao menos conseguiu achar uma lanterna perto da janela esquerda da cabana. Testou e funcionou perfeitamente: um cônico clarão apareceu, cegando quem porventura estivesse à frente.

– Em dupla é melhor, e sugiro continuar agarrado ao meu braço – Jimin o olhou estranho. – Estou tentando ajudar, caramba! Pensa que eu não percebi que você é cegueta? Fofo, mas um quatro olhos que aperta eles até sobrarem dois risquinhos.

– Eu só não te respondo da maneira que posso, porque estou cansado demais e com fome demais. – Jimin novamente estremeceu, mas não saberia dizer se era do frio repentino, de medo ou do ronco de sua barriga.

Chegou à conclusão, embora não tenha se contentado com isso, que era por causa de Summerside, já que a cidade estava passando por fases conflituosas de mudanças climáticas naquele ano.

Ou seja, naquela estação, o que deveria ser naturalmente um inferno de quarenta graus, com sorvete derretendo e caindo no asfalto quente, quebrou-se em uma onda horrível de ar gelado e chuvas torrenciais de alagar as ruas.

Era completamente infeliz que a estação que nunca havia realmente tido estava estragada justo quando decidiu se candidatar na universidade pública de Summerside. Para completar, só a havia escolhido, entre outros fatores – como o fato de ter sido despejado da casa de seus tios em Rivers –, por causa da droga do verão.

– Okay – Taehyung lhe disse, coçou a garganta e olhou para a sua mochila igualmente largada ao lado da de Jimin.

Com a lanterna na boca, iluminou o interior, mexendo entre cacarecos desnecessários e cadernos universitários que pesavam uma tonelada, até achar a sua caixa rosa, com um lacinho enfeitando no topo e cinco mochi dentro. Estendeu-a para Jimin.

– Pegue, deve servir para diminuir um pouco a fome.

Jimin aceitou de bom grado o doce, um pouco constrangido para dar alguma resposta que não fosse três tapinhas no ombro com a mão desocupada e a bochecha cheia como a de um esquilo guardando nozes.

Depois, com a fome mais branda, percebeu que realmente não sabia que sensação era aquela de frio interminável. E não, não parecia ser algo físico. Vindo do péssimo tempo de Summerside, parecia mais psicológico e isso o estava trazendo, além de receio, uma confusa sensação de reviver o mesmo momento como num deja-vu.

Quando – ao embrenhar-se naquele lugar maldito com um braço seu enganchado ao de Taehyung e o outro ocupado por Yeontan –, enxergou uma árvore deformada, galhos retorcidos e uma fita, da mesma cor vermelha que os sapatinhos mágicos da Dorothy, estancou.

– Que foi, mochi? – Taehyung perguntou. Havia cismado em lhe chamar de mochi desde que lhe deu o doce rosa.

– Eu... eu não sei – mesmo na penumbra daquele lugar, com uma lanterna iluminando porcamente o caminho por causa da névoa, o Kim percebeu o cenho franzido em legítima confusão. – Não deve ser nada. Acho que esse lugar está me fazendo perder alguns parafusos.

– Sinceramente, não julgo. Mas não se preocupe, estamos chegando perto do túmulo da minha avó, e logo, logo, devemos encontrar o seu pai – enganchou ainda mais o braço que estava entrelaçado ao do baixinho, batendo o ombro no dele e lhe dando um sorriso encorajador para animá-lo. – Que tal uma música? Sempre me ajuda quando fico com medo.

– Desde quando você tem medo, Tae?! – riu, sentindo-se um pouco mais leve. – Você é a pessoa que assiste Sexta-Feira 13 sozinho, acha que o sangue tem cheiro de mantega e pipoca e ainda tem a pachorra de alugar a fita não muito tempo depois! Fala sério.

– Eu vou te contar um segredo, mas nada de contar isso para outra pessoa, viu?

– Juro juradinho.

– Acho bom, porque o que vou contar a você te fará ficar de cabelos em pé – dramatizou. – Olha só, até que você ficaria descolado com cabelo em pé. Pareceria fogo! 

– Aish, Taehyung. Cale a matraca ou fale de uma vez esse teu segredo super secreto.

– Prefiro que me chame de Tae, não gosto que brigue comigo, mochi – se o Kim esperava que seu bico de tristeza exalando manha fosse funcionar para cima de Jimin, quase acertou.

O rapaz mais baixo por muito pouco deixou escapar um “fofo”, mas voltou à realidade e ralhou novamente ao perceber que Taehyung estava com receio de contar-lhe seu medo.

– Está bem, está bem! Eu conto! Cruzes, não se pode nem preparar o terreno antes de contar que tenho medo de borboletas – falou tão baixo que Jimin quase não comprrendeu. – Está feliz agora? É isso, tenhomedodeborboletas! Pronto, falei! Mas você queria o que? Com assassinos de tela de cinema, está tudo as mil maravilhas, são irreais. Agora, esses negócios de insetos cheios de patinhas que acham que vão te conquistar com asinhas coloridinhas: não, nem pensar! Já viu um casulo de borboleta num microscópio? É repugnante! Sem contar aquela coisa horrorosa de efeito borboleta. É um negócio asqueroso que deixa um monte de casulo, assim como pele morta, e com um potencial de fazer a porra de uma mudança em todo o mund-

– Tae, por favor – Jimin mal começou a falar que riu, estava se controlando em respeito aos medos de Taehyung, assim como ele tentou se portar respeitosamente aos seus, mas simplesmente não dava. – Você tem visto muita história conspiracionista. Não é porque a União Soviética está na nossa porta que você precisa colocar uma dominação mundial no meio.

E continuou a rir, tombando a cabeça no ombro de Taehyung, sacudindo todo o corpo – tremelicando Yeontan, que pulou de seu colo ao finalmente acordar totalmente –, e dando uma risada tão adorável que o Kim deixou de ficar rabugento e começou a rir também.

– Você mal estava respirando para contar tudo – Jimin recomeçou depois de parar de rir. Os olhinhos brilhantes, pelo que a lua iluminava depois de chegarem a uma área mais ao ar livre, cheio de lágrimas não desprendidas. – Tem tanto pavor assim delas? São tão amáveis. Sem contar que têm muita serventia na polinização das flores. Pena que têm a vida tão curta.

– Falô aí, biólogo! – desdenhou, divertido. – Mais vale eu ter medo de uma coisa real do que uma inventada. Fantasmas, sério? Se tivesse visto Os Caça-Fantasmas no cinema, ano passado, nunca teria medo deles. É só construir uma mochila de prótons e está tudo uma belezura.

Falô aí, físico nuclear! Se você quer encarar assim, então queria ver você aprisionar o espírito de uma mulher doida estilo David Bowie ou um bonecão branco com roupa de marinheiro!

– Viu só? Você falando isso fica ainda mais ridículo esse medo de fantasmas. – disse, confiante, pensando ter encerrado o assunto com chave mestra de ouro. – Eita, chegamos. E – levantou o pulso de Jimin e checou o relógio, quase gritando ao olhar os ponteiros – às sete e quarenta! Meu Deus, o que a gente fez durante todo esse tempo? Entramos num limbo temporal?

– Sei lá – se o Jimin antes de entrar no cemitério tivesse olhado a hora, com certeza teria uma reação pior que a de Taehyung. Não gostava de ficar tão tarde da noite fora de casa, ainda mais naquele momento de mundo bipolarizado e todas essas coisas complicadas que o faziam encarar tudo como toque de recolher.

Mas, naquele momento, estava tão calmo com o braço enroscado ao dele e Yeontan ao seu lado, obediente, como um cãozinho de guarda de seus donos – espantando corvos empoleirados nas lápides e rosnando para o nada –, que se sentiu seguro e calmo.

O gelado da espinha tinha se dissipado, assim como a sensação de urgência. Sentia que se esqueceu de alguma coisa muito importante, contudo, era tão contente com o fato de ter se encontrado com outro estabanado na cidade, sem nem ter feito uma longa lista de coisas a fazer para apresentar uma boa primeira impressão e não ficar com um saldo de “único amigo à vista: Jin, irmão irresponsável e que também mal conhece o pai que eles têm”, que deixou isso passar.

Taehyung iluminou uma lápide mais à frente. Um sorriso charmosamente quadrado não falhando em aparecer rapidamente.

– Kim Mirae... – Jimin disse ao parar ao lado dele e olhar a inscrição na lápide. Yeontan sentou-se ao seu lado, abanando a cauda alegre. O Park soltou um riso baixinho. – É um nome muito bonito.

– Completamente – Taehyung falou com tanto carinho que Jimin sorriu perfeitamente com os olhos. – A proprietária deste nome também era. O engraçado era que combinava demais com a minha avó: ela nunca parava de falar em futuro e essas coisas. Deve ter olhado tanto o futuro que se cansou do que viu. Morreu cedo.

– Oitenta e cinco anos ainda é um tempo considerável, Tae.

– Estava brincando. Ela era um terror, nem sei como teve paciência para morrer. Acredita que, um dia, ela chegou em casa com um boletim de ocorrência em mãos e dois guardas às costas dela?! Mamãe e eu quase tivemos um piripaque. E olha que ela já tinha oitenta anos. Uma velhinha de oitenta anos que arranjava mais perigo e aventura desenfreada do que eu convivendo com Min Yoongi...

– Você está exagerando.

– Pior que não estou, mochi. – Taehyung abaixou-se até ficar na altura da lápide e estendeu uma mão à Jimin. Pegou-a gentilmente e o trouxe para perto de si. – Venha para mais próximo de mim para ver o que essa velha colocou na descrição.

– “Não chore. Sempre estarei te vigiando daqui de baixo” – Jimin leu, a voz morrendo aos poucos enquanto uma risada escandalosa rompia de Taehyung. – Agora eu sei de onde veio o seu humor.

O Kim tirou sua mochila das costas e pegou uma caixinha de música dourada, cheia de arabescos. Puxou um colar que estava escondido debaixo de sua roupa e desprendeu-o de seu pescoço, usando o pingente em forma de chave, também dourado, para conectar na caixinha de música, rodá-lo e emitir um clique. Quando a tampa da caixinha abriu, uma doce canção começou a tocar. A bailarina em miniatura girou em seu eixo e depois percorreu uma estradinha desenhada na superfície da caixinha.

– É Over the Rainbow? – Jimin perguntou, maravilhado com a caixinha. Yeontan encostou-se em si, escorando-se como se quisesse ouvir melhor a canção.

– Vovó chamava de “Parabéns para Você”. Mas é sim.

– Ela tinha um bom gosto para as coisas, mesmo com o humor questionável.

– Ela adorava Judy Garland e O Mágico de Oz. Acho que parte do humor veio dela. Ao menos não fumava e nem usava drogas, essas eram as únicas críticas à Judy que ela fazia, por mais que entendesse os motivos pelos quais ela usava essas merdas. Quando Judy Garland morreu, foi uma das únicas vezes que minha mãe e eu vimos vovó chorar.

Levantaram-se quando a canção acabou. Jimin puxou uma rosa branca do buquê que ainda carregava e colocou na mureta da lápide, recebendo um “obrigado” baixinho de Taehyung. Entregou-lhe um beijo rápido na bochecha quando viu uma lágrima teimosa cair e marcar o seu rosto, insistindo em mostrar que não estava triste e que não sentia saudades.

– Vamos, mochi. Agora é sua vez de presentear a sua pessoa especial.

 

½

Aquele terreno era peculiar.

Jimin, a cada vez mais que passava pela névoa densa, descobria um novo ponto. Em nada o caminho que Jin lhe falou parecia fácil de se seguir, talvez por causa da bruma insistente, talvez por causa de sua miopia, talvez por terem que parar para dar bronca a cada vez que Yeontan cheirava algo novo. Só sabia que estava difícil de achar o túmulo de sua mãe e isso não lhe parecia nem um pouco legal.

As coordenadas também não estavam muito claras. Tinha certeza que Jin quase não a visitava por causa do mesmo motivo que ele: o pai.

Sentia as rosas brancas seguradas e abraçadas em seu peito perderem o frescor de serem recém compradas da floricultura e tinha certeza que sofriam por Jimin ainda se assustar com um ou outro barulho, uns solavancos de seu corpo enganchado ao de Taehyung que sentiam tremores em suas pétalas, algumas já se desprendendo do botão com seus tropeços ocasionais.

Contudo, antes de chegarem ao túmulo de sua mãe – sempre seguindo as instruções que Jin deu ao seu irmão – ouviram um barulho, baixo, como se abafados por aquela névoa de filme de terror, mas ainda assim audível. Era um grito agoniado, ambos perceberam.

– Tae, me diz que o que eu escutei foi não foi nada... – Jimin olhou-o diretamente nos olhos, um sorriso desconfortável em seus lábios e novamente o arrepio passando por sua espinha, deixando-o tenso e com a sensação de ter vivido aquele momento, ouvido aquele som desconfortável.

– Mochi, pode ser seu pai tropeçando em alguma coisa que o machucou – Taehyung não era alguém muito voltado às coisas sobrenaturais, costumava tentar chegar a uma conclusão cabível com base no mundo terreno, por mais que brincasse e muito com historinhas de assombrações. – Você pode ter puxado o seu pai. Dizem que na genética tudo tem explicação, sabe... Ao menos reconhece a voz dele?

– Nunca o vi pessoalmente – mordeu os lábios, envergonhado. – Essa seria a primeira vez que eu o veria assim, cara a cara. Antes só sabia que ele ainda estava vivo por conversas com o meu irmão e cartões postais. Ele era caminhoneiro, decidiu ser coveiro daqui por indicação de alguém ligado à saúde e, bem, aqui estamos.

Taehyung decidiu não o perguntar mais nada, percebera como o assunto deixava seu mochi incomodado.

Determinaram-se a seguir o tal som. Consideraram que a explicação de Taehyung era aceitável, mas, quando finalmente iam, Yeontan mordeu a barra da calça de Jimin, e, quando não conseguiu o efeito que queria, mordeu a de Taehyung, como que para impedi-los.

– Ora, Tannie. – o Kim disse. – Nos deixe ir, cachorro medroso.

Yeontan rosnou, o que assustou um pouco ambos os rapazes. O pequeno-ajudante não tinha uma postura tão agressiva assim, ao menos não dava a entender que ele era assim, devido a quase inexistente experiência de tempo com ele.

Todavia, como quem tem juízo, questiona, nenhum dos dois ficou mais que alguns segundos para assim fazer. Yeontan ficou parado por birra, mas, como seus donos distanciavam-se a ponto de só conseguir enxergar seus contornos, correu para alcançá-los.

– Te disse que era só um cachorro medroso, Jiminie. Não precisa se preocupar com isso. Sem contar que temos que encontrar seu pai logo e essa é a única pista que temos até agora – explicou a ele, que somente acenava em afirmação com a cabeça baixa, vendo onde pisava no terreno que naquela parte era mais íngreme, um singelo morro. – Eu que não queria ficar que nem poste naquela cabaninha sem graça. Imagina só a cena? A gente bem que ia cochilar no chão duro com rato e barata passando por cima da gente.

– Credo, Tae! Não exagere. Poderíamos ter deixado isso para outro dia, de preferência quando fizesse sol, ou somente estivesse mais claro.

– Eu não me arrependo – falou, confiante, lançando-lhe um sorriso tão grande que Jimin repetiu o gesto, batendo os ombros, sabendo exatamente o que ele queria insinuar com aquilo. – Nunca teria te conhecido se não fosse tão teimoso.

– Aish! Nós teríamos nos encontrado em qualquer outra situação. Essa cidade é um ovo, praticamente.

– Não seria a mesma coisa, mochi.

Assim que Jimin iria retrucar, ouviram mais um grito, mais alto, estridente em seu apelo. Estavam perto. Olharam-se, olho no olho, os dois pares arregalados. Aquele grito agoniado era o mesmo, mas com certeza não deveria ser o Sr. Park tropeçando mais uma vez. Era um pedido de socorro.

Altruístas, correram o máximo que suas pernas conseguiam naquele terreno íngreme e falhado junto a Yeontan, em seu encalço, até chegarem em uma cerca de arame. Oharam para o lado esquerdo quando outro grito pôde ser ouvido e andaram até lá, ofegantes demais para colocarem mais esforços.

A bateria da lâmpada acabou na hora, deixando-os numa escuridão sem limites e só a lua os iluminando pelas frestas que as folhas das árvores permitiam.

Foi quando chegaram ao dito jardim do Sr. Park que Jin descreveu uma vez à Jimin, quando ele fez uma visita rápida a pedido do pai, que queria ver como que seu filho mais velho estava, depois de mais de vinte anos sem o ver e com uma cara de pau terrível.

E condizia com a imagem relatada: cheio de flores tão lindas quanto o buquê de rosas brancas que Jimin carregava, mas tão destoante com o resto do cemitério que sua garganta apertou, pressentindo alguma coisa errada. Tanto que, quando visualizaram um corpo estendido em uma cama de tulipas, com o Sr. Park agachado, usando uma pá fincada no solo como apoio, Jimin e Taehyung tiveram mais certeza do quanto aquele lugar estava errado.

E era o Sr. Park. Era o pai de Jimin. Apesar de incrédulos, as roupas cinzentas e pesadas e o chapéu de pescador escondendo o cabelo longo e mal tratado, a fala marcantemente roca de viciado em fumo lhes eram características. Ao menos para Taehyung, que o viu desde quando a avó morreu e teve de visitá-la naquele cemitério, sempre puxando papo com o homem taciturno. Para Jimin, restou-lhe somente a confirmação baseada em sua intuição e, novamente, no deja-vu.

Não havia túmulos ou coisa do tipo, mas tinham valas - dava para perceber por causa das partes onde não existiam tulipas. Uma vala, em específico, do mesmo tamanho do corpo estendido na cama de flores, bem ao lado do dele.

Jimin colocou a mão na boca de Taehyung, puxando-o para esconder-se atrás de uma árvore. Não fez com tanta força quanto seu ser atento, como se o que fizesse fosse extremamente urgente, pediu, pois ainda estavam com suas mochilas com cacarecos e parecia que qualquer movimento que algum deles fizessem poderia os colocar em uma furada. Felizmente Yeontan seguiu-os e ficou bem perto dos dois.

As respirações estavam desreguladas, não tanto pelo esforço que exerceram, mas pela adrenalina de possível morte que os abateram. Jimin deixou que o buquê caísse de sua mão desocupada quando percebeu que emitiria algum som, usando-a para tapar a própria boca, o corpo trêmulo fundindo-se ao de Taehyung como que para protegê-los de serem vistos.

Isso se provou ser útil, pois, ao ouvirem alguma coisa como “você não deveria estar aqui, Jahyeun. Eu te avisei e foi para o seu bem.”, um som de um objeto metálico atingindo com força descomunal uma outra coisa foi escutado, o que haveria de ser possivelmente a pá golpeando o crânio ou as costelas do corpo estendido.

 

“Você não deveria estar aqui, filho. Eu não queria fazer isso, mas, desde o primeiro momento, eu avisei à sua mãe o que aconteceria se vocês voltassem aqui e vissem o tipo de trabalho que faço...”

 

Achando terem presenciado demais, Taehyung puxou a mão que tapava sua boca, entrelaçou-a à sua e pegou o cachorrinho tremendo aos seus pés. Percebeu que Jimin estava travado no lugar, seu corpo plantado como se não tivesse força para mover-se e a mente longe, em transe. O Sr. Park ainda estava conversando com a pessoa caída, morta, mas não conseguiu se voltar para ouvi-lo, uma vez que a preocupação com Jimin e com a situação que estavam tapavam qualquer som exterior à sua mente latejando e gritando para saíram dali de uma vez.

– Jimin, pelo amor de Deus – sussurrou, desesperado. – Se mexa.

Jimin finalmente o olhou sem parecer estar em outro lugar, os olhos marejaram, estava assustado, perturbado também com uma memória falsa que nunca aconteceu, mas ele acordou. O problema foi que, quando o choque grande deu lugar à adrenalina e eles se preparavam para fugir, fizeram um barulho que souberam na hora que o Sr. Park teria escutado:

– Merda.

Pena que nem se atentaram ao buquê caído...

 

“Acha que conseguirá fugir, Jimin? Não acha que já foi o suficiente? – riu. – Não acredito que esperava por uma reunião familiar! Que pena, só faltava seu irmão aqui com nós..."

 

Percorrendo o labirinto que era aquele lugar, com um homem ao alcance deles, tiveram que ir até o portão do cemitério, mas perceberam que ele estava fechado. "Que porra de portão é esse que se fecha sem porteiro?!", foi o que ambos pensaram.

Nenhum dos dois sabia como escalar aquele negócio, nem as vigas poderiam ser usadas como apoio, uma vez que estavam estragadas, secas. Sem mais outro lugar para esconderem-se até pensarem melhor, foram até a cabana, vendo-a entreaberta. O Sr. Park ainda estava longe, provavelmente decidindo se o que ouviu foi um animal fugitivo qualquer ou alguém de fato.

Ledo engano.

Entraram na cabana. Sem luz para não atentar o morador que, mesmo ao longe, poderia enxergar a iluminação, mas com ainda mais perigo de serem ouvidos naquele lugar. Procuraram por um telefone de gancho, deveria ter naquele lugar, era imprevisível.

– Tae, eu que iria morrer ao invés daquele homem. — Jimin não parou a procura pelo telefone, tateando as mesinhas e tomando cuidado ao andar no assoalho velho, mas Taehyung sentiu o olhar dele em si, procurando por sua atenção. 

– Sim, sim. Nós três vamos morrer se não sairmos logo daqui – sussurrava, mas em um apelo que lhe dizia tanta urgência que parecia que gritava.

– Não, você não tá entendendo! Eu já estive aqui. Fiz esse mesmo caminho, encontrei com você na guarita brigando com o meu pai. Tae, tudo isso já aconteceu comigo, mas você não estava aqui.

– Jimin...o que você está falando?

– Eu tô morto. Teoricamente morto. E, de alguma forma, eu tô vivo e estou revivendo tudo de novo. Só que agora com você, aqui.



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