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História Vocação - Responde, Marcelo!


Escrita por: _glaydsonsilva

Notas do Autor


A história começou bem fofinha, né? Pois é, agora as coisas começam a mudar.

Capítulo 6 - Responde, Marcelo!


De novo, o Lucas me botando contra a parede. Eu não aguento mais.

— Eu não tenho mais nada a dizer, Lucas. Só que o que aconteceu entre a gente foi uma loucura e que eu tava fora de mim quando fiz aquilo.

— Não foi bom? — perguntou Lucas, visivelmente magoado e tentando não chorar. Eu tenho que ser forte, não posso me deixar comover.

— Por favor, Lucas, não complique as coisas.

— Eu, complicando as coisas?

Normalmente, o Lucas irritado era fofo. Mas agora, não havia fofura nenhuma nele. Na verdade, ele não tava irritado. Ele tava revoltado.

— Não sou eu que tô fugindo de ti desde ontem. Não sou eu que desligou o celular pra não ter que receber mensagem tua. Tem certeza que sou eu quem tá complicando as coisas?

— Acredita em mim, Lucas. É melhor assim. Melhor pra ti, melhor pra mim, melhor pra todo mundo.

— Por quê? — ele já tava começando a chorar. Merda.

— Não me faz pergunta difícil, Lucas. — disse, também começando a chorar.

Me soltei de Lucas, dei as costas pra ele e fui embora. Graças a Deus ele não me seguiu.

 

 

Sim, eu sei perfeitamente que eu tô sendo um babaca com o Lucas. Eu sei que eu tô machucando ele. Eu sei que eu tô sendo um covarde. Mas foi a melhor escolha que eu pude fazer.

Claro que eu adorei beijar o Lucas. Foi uma sensação incrivelmente boa, me fez muito bem. Eu nunca me senti tão amado, tão querido, tão desejado em toda a minha vida. Meu primeiro beijo, e com uma pessoa tão especial pra mim. Foi muito apaixonante.

Mas… mas… e depois? Com que cara eu ia virar pras pessoas se elas soubessem que eu beijei o Lucas? Se os meninos já me olham torto porque eu sou amigo do Lucas, o que é que eles não fariam se soubessem que eu tô gostando dele? Eu sei que eles são bem agressivos com o Lucas, já defendi o Lucas deles várias vezes. Eles com certeza iam se virar contra mim.

Eu poderia muito bem me defender de provocações e agressões. Poucas pessoas se atreveriam a enfrentar alguém do meu tamanho. Mas e as que se atreverem? Nem tanto na escola, mas na rua. Se já olham torto pra preto que nem eu, imagina pra preto viado? Pode até ser que eu consiga me impor na escola porque o povo me conhece, mas na rua não. Ninguém quer nem saber quem eu sou.

E é claro que o Lucas também vai ser incomodado com isso. Também vai sobrar pra ele. Eu sei que ele já sofre com isso, mas ele pode sofrer mais ainda. Eu não quero me expor e não quero que ele fique mais exposto por minha causa.

E outra coisa: como é que a minha família ia reagir? Eu não queria nem pensar nisso, mas eu nem precisei pensar.

 

 

Saí correndo da casa do Lucas direto pra casa. Tudo o que eu queria era me esconder em algum lugar.

Mas me esconder aonde? Na sala, onde todo mundo passa a maior parte do dia? Na cozinha, "território de dona Emília"? No banheiro, que todo mundo usa? No meu quarto, junto com o Martim me provocando toda hora? No quarto dos meus pais? Não tinha lugar pra me esconder.

Mas eu nem pensei nisso. Só queria chegar em casa e chorar. Só não sabia onde.

Eu só me arrependi de ter tido essa ideia quando eu abri a porta de casa e dei de cara com minha mãe. Ela se assustou ao me ver chorando e me cobrou explicações.

— Confia em mim, filho. — disse ela.

É claro que eu confiei nela. Afinal, é a minha mãe. O quê que podia dar errado?

Mais uma vez, a resposta só veio depois que a merda já tava feita.

Chamei ela pra conversar no quarto. Felizmente, Martim não estava em casa, a gente tinha um rápido momento a sós. Eu precisava aproveitar e contar tudo antes que ele voltasse e ouvisse alguma coisa.

— Eu passei a tarde estudando com o Lucas lá na casa dele. — expliquei, rápido e objetivo. Minha voz tremia, porque eu ainda não conseguia parar de chorar. — Eu acabei largando o estudo uma hora lá, me desesperei, eu surtei na frente do Lucas porque não tava conseguindo entender a matéria. Ele tentou me acalmar, tentou fazer eu voltar a pensar de novo. Nisso aí, eu não sei o que aconteceu. Mas quando eu dei fé, a gente tava se beijando.

Ela respirou fundo. A expressão dela era de puro desgosto. Se eu já tava conseguindo controlar o meu choro, agora ele começou a voltar forte.

— Eu sabia que mais cedo ou mais tarde ia dar nisso.

Essa doeu. E não foi pouco. Não dava mais pra não chorar.

— O tanto que eu te avisei, meu filho. Mas não, tu tinha que fazer amizade com esse garoto. Ele ia se aproveitar de ti. Não deu outra.

— Fui eu quem beijou ele, mãe.

— Mas ele te empurrou? Ele te repreendeu?

Eu não respondi.

— Eu morri de te avisar pra tu não se misturar com gente como esse Lucas, pra não acabar virando um deles.

A ofensa era pro Lucas, mas doía em mim. Doía muito.

Eu nem conseguia respirar direito. Não sei se era pelo nervosismo ou pela dor que a minha mãe tava causando dentro do meu juízo.

— Tu deu confiança demais praquele… — até que enfim, ela pensou antes de falar. Mas foi só pra não machucar muito. — Praquele garoto. Deu abertura e ele achou a oportunidade certa pra te seduzir e fazer com que tu levasse ele pra cama.

— Não! Não. A gente não transou. No meio do beijo, eu soltei ele. Eu me desesperei de novo e fui embora, sem nem me despedir dele.

— Pelo menos isso. — ela suspirou, aliviada. — Vai ser mais fácil de resolver isso.

— Pelo amor de Deus, mãe. Não conta nada pro pai. — disse, desesperado. Eu cheguei ao ponto de descer da cama e ficar de joelhos na frente dela. — Eu imploro. Não conta nada pra ninguém.

— Não vou. Esse assunto morre aqui. Vamos enterrar ele aqui e agora. E se aquele depravado vier te procurar de novo, não dê ouvidos pra ele. Despiste ele, não dê mais atenção pra ele. Chega de alimentar essa cobra. Tu já percebeu o que é que esse garoto quer contigo. Não dê mais abertura pra ele, senão tu vai virar um depravado que nem ele. E eu não quero que filho meu se perca nesse mundo.

Eu já tava profundamente arrependido de ter falado com ela. Eu não queria mais escutar nada, eu só queria ficar sozinho, eu só queria sumir. Mas eu não podia. Eu tinha que aguentar até o fim.

— Me promete que não vai procurar esse Lucas? Me promete que não vai deixar esse garoto chegar perto de ti de novo? Me promete, Marcelo?

— Prometo… — disse, bem baixinho, na esperança de que isso acabasse logo.

— Eu não ouvi. Promete, Marcelo?

— Prometo.

— Mais alto, Marcelo. Promete?

— Prometo! — eu praticamente gritei, me acabando de chorar.

Ela sorriu pra mim, simpática.

— Eu sei que não vai ser fácil, mas faça um esforço. Tu vai vencer essa batalha, eu sei que vai. Tu é forte, eu sei da tua força. Não força física, mas força de vontade, força do querer. Eu sei que tu vai conseguir resistir a essa tentação e atravessar essa tribulação. Com a ajuda do Nosso Senhor Jesus Cristo, tu vai sair dessa renovado e, se Deus quiser, tu vai encontrar um rumo maravilhoso pra tua vida no fim disso tudo. Vai encontrar uma mulher — aquela ênfase no "mulher" — maravilhosa que te ama de verdade e vai te dar uma família numerosa e feliz.

Tudo o que eu queria é que ela parasse de falar. Tudo o que ela diz me machuca, que nem uma facada no peito. Na verdade, acho que uma facada no peito ia doer menos.

— Eu só tô fazendo isso pro teu bem, meu filho. Eu só quero o teu bem, o teu sucesso. Não quero que tu se perca no meio dessa gente asquerosa, sem dignidade alguma, que só pensa em vandalizar o próprio corpo e subverter a ordem das coisas no mundo. Não desista de você, e não deixa a gente desistir de ti.

Então, ela se levantou da cama. Enfim, ela vai sair daqui.

— Vou te deixar sozinho. — Graças a Deus. — Quer dizer, sozinho não. Vou te deixar a sós com Nosso Senhor. Ore, meu filho. Ore. Deus há de lhe dar a luz que tu tanto precisa pra se livrar dessa tentação maldita.

E, até que enfim, ela se virou e foi embora.

A primeira coisa que eu fiz assim que a porta bateu foi me jogar em cima da cama, virado pro teto.

[…]

Nada melhorou nas horas seguintes. Continuei angustiado, nervoso, e o Martim me olhando torto o tempo todo não ajudava em nada.

Mas na hora do jantar, tudo piorou de vez. Antes da gente começar a comer, meu pai pediu a palavra e olhou diretamente pra mim.

— Quando é que tu pretendia me contar, Marcelo?

Meu mundo caiu naquela hora.

— O quê?

— Não se faça de bobo, Marcelo! Quando é que tu ia me contar o que aconteceu entre tu e aquele viado nojento?

Bem… resumo da ópera: meu pai passou meia hora gritando com a gente, confiscou meu celular e só não me bateu porque minha mãe interviu. Mas eu e o Martim ouvimos ele batendo na mãe de madrugada na hora de dormir. Deu pra perceber que ela tentou tapar a boca pra ninguém ouvir os gritos, mas o som das mãozadas não dava pra abafar.

— Isso é culpa tua. Satisfeito? — disse Martim pra mim, antes de se virar de costas pra mim e tentar dormir.

 

 

Por quê que a mãe contou pro pai o que tinha acontecido? Ela prometeu manter segredo. Ela disse que o assunto tinha morrido ali. Por quê que ela me enganou? Por quê que ela mentiu pra mim?

Eu nunca vou entender isso.

Mas é bom que eu aprendo que na dona Emília não dá mais pra confiar de jeito nenhum.

Cheguei em casa a tempo de ver o Martim de saída pra faculdade.

— Oi, irmão. — disse ele, com aquela ironia fodida. — Chegou cedo, né? O que foi, brigou com a Luquete?

— Cala a tua boca.

Tentei passar pro quarto, mas ele me segurou pelo braço e não me deixou sair da frente dele.

— Não, sabe o quê que é? É que em briga de marido e mulher não se mete a colher, né? E como não tem mulher nessa briga aí, então eu achei que poderia meter. — disse ele, rindo à vontade. — Não, quer dizer, eu não meto nada nessa história aí não, longe de mim. Deixo isso pra vocês, que entendem do assunto.

Eu voei em cima do Martim. A minha vontade era de apertar o pescoço dele, mas por alguma razão eu resolvi segurar ele pela camisa. Enfim, sorte a dele.

Sorte a dele também que a minha mãe veio correndo da cozinha e foi nos separar.

— Parem com isso, vocês dois! — disse ela, me soltando e me afastando dele.

— Não, eu tô parado, quem tá surtando é o Celinho. — respondeu Martim, com aquele sorriso desgraçado.

Não. Ele não disse isso.

— Nunca mais me chame de Celinho!

— Ué, por quê? É só a tua cadelinha pode te chamar de Celinho? — ele continuou provocando.

Ele só não levou um soco porque minha mãe me empurrou e me afastou de vez dele.

— Vai pra tua aula, Martim! Deixa o teu irmão em paz! — disse dona Emília, tentando me conter. — E pelo amor de Deus, nunca mais repita esse apelido. Esse nome está proibido aqui dentro dessa casa.

Martim passou do meu lado e fez questão de falar no meu ouvido.

— Até de noite. Celinho.

Empurrei ele na hora. De novo, minha mãe me empurrou e não me deixou meter o socão no meio das ventas dele.

— E tu, vai pro teu quarto. — disse dona Emília, se virando pra mim.

Claro, eu obedeci na hora.

Me tranquei no quarto, melhor dizendo. Aproveitei esse tempo sozinho pra fazer o que eu nunca posso fazer na frente de ninguém: chorar.

Desde criança eu aprendi que homem não chora, homem não pode demonstrar fraqueza. Eu cresci sem saber direito como lidar com frustração, com raiva, com tristeza. As únicas pessoas nesse mundo que eu já tive a coragem de confiar o meu choro foi a minha mãe e o Lucas. Eu não confio mais na minha mãe e acabei tendo que afastar o Lucas da minha vida pra não apanhar do meu pai.

Eu espero que, algum dia, o Lucas seja capaz de me perdoar.


Notas Finais


Até amanhã.


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