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História Wings - Stigma


Escrita por: LouKaShow

Notas do Autor


A história foi inspirada nos mvs do bts, espero que gostem. ^^
É grande, mas não se assustem, a leitura passa rápido.

Capítulo 1 - Stigma


Fanfic / Fanfiction Wings - Stigma

***

Dezembro

 

Era um dia nublado, dentro do carro, que passava pela estrada acima da velocidade permitida, um jovem de cabelos escuros apertava o volante com força. Às vezes, apesar da irresponsabilidade, ele abaixava a cabeça, furioso.

Acelerou ainda mais, ultrapassou um caminhão a sua frente e nesse momento foi ao encontro de outro carro que vinha na pista oposta. Ele desviou o carro, os pneus fizeram barulho no asfalto, deixando suas marcas sofridas. O carro parou perto do acostamento, milagrosamente ileso. Havia acabado de evitar uma batida, porém ele não estava satisfeito com isso.

No fundo, achava que deveria ter batido.

Ele merecia isso.

O jovem encostou a cabeça no banco, suspirando. Quis chorar, mas não se sentia nesse direito também.

Ele não merecia ter o privilégio de chorar pelo amigo que partira, seria hipócrita demais quando tudo havia sido sua culpa.

A garrafa de whisky, que antes estava no banco do carona, havia caído e quebrado com o quase acidente. O rapaz de pele pálida deu um meio sorriso, incrédulo de que sua única bebida, a única coisa que poderia lhe trazer paz, também havia sido lhe tirada.

Ele sabia, não merecia nem mesmo isso.

O celular começou a vibrar em seu bolso, e sem vontade alguma ele o pegou, olhando o visor com a foto e o nome de um de seus amigos.

Ele não atendeu a ligação, ignorando que alguém pudesse querer procurá-lo. Não pelo outro, mas porque ele não queria ver ninguém.

Após o fim da chamada, ele achou que o rapaz tinha desistido, mas logo veio uma mensagem. Esta que ele não pôde ignorar.

“Yoongi, aonde você está?

Sei que está com problemas, mas não seja assim, podemos resolver isso juntos. Por favor, me encontre na cafeteria daqui meia hora. Estarei te esperando.

Jin.”

Yoongi ignorou a mensagem, prestes a desligar o celular quando outra veio.

“Não me ignore. Precisamos mesmo conversar, é sobre o Jungkook.”

E aquele nome. E apenas um assunto relacionado a ele fez Yoongi estremecer.

Jungkook era algo que ele nunca deveria ter ignorado.

 

***

 

Julho

Do lado de fora do posto a chuva caia sem parar, Namjoon desembrulhou um pirulito, enfiando o doce na boca enquanto observava a água escorrer pelo vidro.

Havia sido um dia ruim, clientes maus educados e um patrão que só sabia reclamar. Mas talvez, Namjoon pensava, que fosse uma vida ruim.

Um pai ausente e uma mãe que precisava de seu dinheiro para sustentar a casa e a filha. Namjoon queria ir para a faculdade, ele tinha as melhores notas de sua turma, seu QI era altíssimo, ele tinha tudo para ter sucesso.

Tinha.

Havia acabado num posto de gasolina, um trabalho medíocre para o tamanho de suas ambições.

Era uma vida medíocre, ele sabia. Mas não podia abandonar sua mãe e sua irmã, ele precisava se sacrificar por elas.

Um sacrifício diário para o alimento de cada dia.

O sino que indicava a entrada de um cliente na loja de conveniência tocou, e Namjoon encarou a figura que tanto conhecia.

Ele lhe sorriu.

_Jin, o que está fazendo aqui?

_Estamos indo numa viagem, você não quer ir?

_Viagem?

_Vamos para Busan.

Jin apontou para fora, para a caminhonete onde os outros estavam. Seus amigos: Yoongi, Jungkook, Taehyung, Hoseok e Jimin.

Namjoon sorriu, sempre surpreso com as ideias divertidas e malucas dos amigos.

_Está chovendo.

_Vai parar.

_Como você pode saber?

Jin deu de ombros.

_Eu sei.

_Mas eu estou trabalhando...

_Aqui..._ Jin olhou em volta, observando a loja de conveniência que ele sabia que Namjoon detestava_ Por favor, você adoraria sair daqui. Pelo menos por um tempo.

_Mas...

Namjoon queria dizer que não podia, que isso colocaria seu emprego em risco, o emprego que ele precisava para o sustento de sua família. Entretanto, antes que isso acontecesse, o sino da porta tocou novamente, e dessa vez foi Taehyung a entrar.

Ele sorriu abertamente, comentando:

_Vocês estão demorando muito...

_Namjoon está se decidindo.

Jin respondeu, encarando o mais novo. Namjoon abaixou a cabeça, ponderando. Ficou assim por um instantes, e quando levantou o olhar não encarou a figura de Jin, mas o rosto sorridente e os olhos escuros de Taehyung.

E não teve dúvidas.

 

***

Setembro

 

A noite estava estrelada e quente, num perfeito fim de verão. Namjoon e Taehyung correram pela rua, parando em frente a um muro. O mais novo sorriu, apontando para a parede.

_O que acha?

_Um pouco sem vida.

Os dois pegaram as tintas em spray e em menos de meia hora já havia pichações em todo o muro. Os dois saíram correndo, rindo depois.

Já haviam feito aquilo antes, já haviam sido até presos, mas soltos depois. A adrenalina fazia o coração de Taehyung disparar, e ele não conseguia mais deixar de sentir aquela sensação. Ao seu lado Namjoon não via outro jeito de demonstrar toda a sua frustação.

Se não podia ter tudo o que sempre quis, se não podia ter a sua vida como planejou, não iria deixar que fosse medíocre como estava sendo antes.

Havia sido demitido do posto, e não se importava. O desespero de sua mãe... por que ela só podia pensar em dinheiro? Porque não podia pensar nele? Em seus planos?

Taehyung parou em uma barraca de rua e pediu uma garrafa de soju. Os dois sentaram numa mesa, conversando.

_Sabe Namjoon, eu gosto disso, dessa adrenalina.

_Você diz isso toda vez, eu sei que gosta.

_E você gosta?

Namjoon fechou o sorriso, pensando.

“Gosto da atenção que tenho. Gosto desse grito desesperado e sem sentido para dizer que eu não quero as coisas com elas são.”

_Gosto.

Ele respondeu simplesmente, e Taehyung se aproximou dele, tinha um meio sorriso, um misto de anjo e demônio. Todos sabiam que quando ele sorria assim é porque tinha algum plano.

_O que acha de continuar com essa adrenalina e ainda ter algum dinheiro?

_O quê? Vão nos pagar para pichar agora?

_Não, não é pichar, é outra coisa.

E embora ele não tenha dito, Namjoon entendeu as entrelinhas, e engoliu em seco.

_Isso é pesado Taehyung, se nos pegam...

_Nós só iríamos vender em lugares sem policiamento, dificilmente nos pegariam.

_Então onde está a adrenalina nisso?

_No dinheiro que vamos ganhar, acredite, é muito dinheiro.

Namjoon abaixou a cabeça, observando seus dedos. Seria muito bom aquele dinheiro, mas...

_Eu conheci ele há umas semanas, ele parece ser confiável, na medida do possível. Ele ofereceu uma boa grana para que vendêssemos, duas ou três noites por semana e você consegue levar dinheiro para casa, se der sorte ou vender mais dias conseguiria até pagar a sua faculdade.

Namjoon arregalou os olhos na mesma hora. Sua faculdade, sua tão sonhada faculdade.

Taehyung sabia o quanto ele queria aquilo, sabia que ele não poderia resistir. Entretanto, antes que Namjoon pudesse responder, uma sombra pairou sobre os dois, e quando eles levantaram o rosto se depararam com a expressão nervosa de Jin.

_Eu procurei por vocês em todos os lugares, onde estavam?

_Estávamos por aí.

Taehyung respondeu tranquilamente, e seu sorriso deu calafrios em Jin. Isso acontecia às vezes, mas Jin não entendia como alguém que ele gostava e ouvia tanto poderia lhe dar esse tipo de sensação.

Era contraditório. Mas muitas coisas eram contraditórias. Taehyung era uma delas.

_Sua mãe está te procurando,_ Jin encarou Namjoon_ Ela está preocupada, você sumiu de novo. Não deveria fazer isso.

_Eu sou adulto, acho que tenho o direito de fazer o que eu quiser.

_Não, você não tem. Ela é sua mãe, está preocupada com você, diz que você não se parece com o filho dela.

_O quê? Que ideia é essa?

_Ela me contou que você estava trabalhando numa cafeteria._ Namjoon espremeu os lábios, sabia o que Jin falaria em seguida._ Ela disse que você foi demitido porque roubou dinheiro do caixa. Isso não é algo que o Namjoon que conhecemos faria.

Ele abaixou a cabeça, sem saber o que dizer. Não, não era algo que ele faria, e por isso a vergonha lhe arrebatou tão rapidamente, mas agora que já havia feito o que poderia dizer para reverter tal erro?

_Você teve sorte do gerente não ter te denunciado, senão você poderia estar na cadeia Namjoon!

_Essas pessoas são tão mesquinhas!_ Taehyung interrompeu Jin, continuando_ O que o Namjoon roubou? 100? 200 dólares? O que é isso para ele? Ele tem muito mais que isso, foi apenas uma divisão justa de valores.

_Taehyung!

Jin o repreendeu, mas já era tarde. As palavras já haviam chegado aos ouvidos de Namjoon, e seu cérebro, traiçoeiro, já havia dado a elas uma razão que não lhes pertencia. Tinha sido assim nos últimos tempos, para tudo que Taehyung dizia ele atribuía um sentido, uma verdade absoluta. Mesmo que essas palavras fossem contrárias ao que ele pensou a vida inteira.

 Namjoon se levantou, falando:

_O Taehyung está certo, eu não fiz nada de errado. Isso não faria falta pra ele.

_Mas é o dinheiro dele, isso não é correto.

_Então o que é correto Jin? Que eu mereça muito mais, que eu tenha me esforçado a vida toda por um futuro melhor e não tenha nada. Acha isso justo?

Jin encarou o amigo, não sabendo o que dizer, a mãe dele estava certa, aquele não era o antigo Namjoon. Era um novo, um revoltado, inconsequente e irresponsável. Em vez de buscar por oportunidades, este novo Namjoon, apenas estava jogando seu futuro no lixo, atrás de um sonho dourado inexistente.

Namjoon pegou seu casaco sobre uma cadeira e deu as costas a ele, saindo a passos pesados. Jin iria segui-lo, continuar aquele conversa, porém Taehyung segurou seu braço. O mais velho o encarou, e mais uma vez ele sorriu.

_Deixa ele.

_Você não deveria ter dito aquilo, você está lhe dando conselhos errados.

_Não é errado, é a verdade. É injusto, estamos apenas equilibrando as coisas.

_Não é assim...

Taehyung desceu sua mão, entrelaçando-a na mão de Jin e apertando com força.

_Jin, não seja paranoico assim. Tudo vai ficar bem. Nada de mau acontecerá.

Jin sabia que era mentira, ele sentia que nada ficaria bem.

Mas o olhar confiante de Taehyung tinha algum feitiço. Não era apenas com ele, era com todos.

Ele apenas os hipnotizava.

E tudo o que ele dizia era obedecido.

 

***

Setembro

O copo de água foi colocado de maneira bruta em frente a ele, e Taehyung o pegou com delicadeza. Gostaria de ter dito: obrigada mãe. Mas fazia alguns anos que aquela mulher não deixava que ele a chamasse dessa forma.

Ele bebeu a água, observando o quarto pequeno onde morava com o pai e a mãe. Seu pai ainda não havia chegado. Era melhor assim. Tudo o que ele fazia era brigar e agredir os dois.

Demônios existiam.

Taehyung sabia.

Ele sabia que o pai era um.

_Eu vou arrumar algum dinheiro semana que vem.

Ele disse a mãe, que apenas o encarou com indiferença.

_Não quero saber o que vai aprontar, mas não quero receber chamadas da delegacia, me entendeu?

_Eu não vou parar na delegacia.

Taehyung se defendeu, encolhendo os ombros em seguida.

Passos pesados foram ouvidos na escada, e a mãe se tornou alerta, comentando.

_Seu pai está vindo.

Os dois se entreolharam, e por mais que nos últimos anos um abismo tivesse se formado entre eles, ainda havia algo que compartilhavam. O medo que antecedia aqueles passos.

_Eu só queria que isso acabasse. Eu só queria que ele fosse embora, então poderíamos viver bem. Só eu e você.

Taehyung comentou, e a mãe sorriu com escárnio.

_Só eu e você? Eu nunca viveria apenas com você, se seu pai desparecesse, eu também iria sumir, ir pra bem longe de você.

_Mãe...

Taehyung choramingou, os olhos ficando marejados. Nunca tinha feito nada de mal a ela, mas por que a mãe o odiava tanto?

_Você não percebe mesmo? Você não é uma boa pessoa, você também é ruim. Você também atrai coisas ruins.

_Mãe...

Ela se aproximou dele, os olhos injetados de uma raiva que uma mãe não deveria direcionar a um filho.

_Seu pai é um demônio, o que acha que o filho dele seria?

Taehyung não respondeu, e nesse momento a porta se abriu com um baque. O pesadelo começava.

 

***

Outubro

Hoseok passou a mão pelo espelho, e encarou o reflexo de um rosto pálido e com orelheiras. Em uma de suas mãos trêmulas um vidro de comprimidos era a sua tentação, a sua saída de emergência.

Porém, ele podia fugir sem antes saber a dimensão do fogo e amargura que o consumiam?

Com esforço, ele guardou o vidro no armário do banheiro, e encarou o reflexo novamente, agora com um olhar menos apático e mais decidido.

 

Ela era linda, talvez a mais linda de toda a universidade.

Não. Jimin tinha certeza que era a mais bonita de toda a terra. Linda sobre o prisma da paixão mais cega.

Então, ali, naquele quarto branco ele podia ver o rosto dela nas paredes de mesmo cor pura. Lembrava seu sorriso, e podia jurar sentir a textura de seus lábios nos seus.

Talvez, fosse apenas efeito dos remédios.

Eram muitas drogas, Jimin sabia que ficava dopado a maior parte do tempo.

Sabia também o motivo.

Quando acordava ficava alguns minutos em estado de inércia, depois a agitação chegava, e tudo o que ele queria era encontrar um fim.

Um fim pra toda sua tristeza.

As pessoas diziam que aquilo era idiotice, que ele não poderia ficar naquele estado por uma simples garota.

Entretanto, Jimin tinha uma outra teoria, talvez não fosse apenas depressão. Talvez ele tivesse enlouquecido, sempre achou que tivesse propensão à loucura, talvez ela tivesse chegado.

Talvez.

Talvez.

Talvez.

Jimin repetia as palavras, pensando que, talvez, se ele não tivesse conhecido Seulgi e não tivesse se apaixonado. Talvez, se Hoseok, seu amigo, não tivesse gostado dela também. Talvez, se os dois não tivessem o traído. Aí, talvez, ele não tivesse tentado suicídio. E talvez seus pais não o tivesse internado em uma clínica psiquiátrica.

Talvez.

Talvez.

A palavra dançava em volta da cabeça dele, um tango envolvente e perigoso.

Talvez.

Talvez.

Uma batida na porta interrompeu a dança, e Jimin se viu encarando-a, esperando que alguma enfermeira entrasse. Ele não estava errado.

_Jimin-ssi, tem uma visita para você.

Jimin estreitou os olhos, curioso sobre quem seria. Eram sempre as mesmas visitas, e isso o frustrava. A visita que esperava nunca chegava.

_São meus pais?

_Não, é um amigo seu.

_Que amigo?

_Ele disse que seu nome é SeokJin.

Jimin concordou, levantando-se da cama, e sentando-se na beirada dela.

_Pode deixar ele entrar.

A enfermeira assentiu, mas antes observando-o por alguns instantes.

Jimin soube decifrar o que ela pensou.

“Ele está calmo, acho que pode recebê-lo, não precisa de remédios agora.”

E quando a figura entrou, a porta foi fechada, deixando-os a sós. Jimin demorou um pouco a encará-lo, teve vergonha pela situação. Ele não era metade do garoto confiante que tinha sido sua vida inteira.

_Que bom que veio Jin.

Ele sorriu, encarando a figura conhecida. Entretanto, não era quem ele esperava.

Jimin deixou de sorrir, e perguntou-se: “seriam efeitos do remédio?”

Mas quando o rapaz falou ele teve certeza de que não estava alucinando.

_Não é o Jin, eu só não disse meu nome, porque fiquei com medo de que não me receberia.

_Eu não tenho mesmo motivos para te receber.

Jimin respondeu, e Hoseok suspirou, enfiando as mãos nos bolsos da calça.

_Eu sei que ainda está magoado...

_Não se ache tão importante,_ Jimin sorriu com desdém, era um esforço grande, mas ele precisava se mostrar indiferente_ Não estou aqui por causa de você. Estou aqui por causa dela, pela Seulgi.

_É tudo pela Seulgi, tudo o que houve conosco foi culpa dela.

_Não foi.

_Foi Jimin! Para de ser cego!

_Para você!_ ele gritou, levantando-se da cama_ Acha que tem o direito de estar aqui conversando comigo?

_Eu confesso que errei, eu gostei dela quando estava com você. Mas ela me deu abertura, ela veio em minha direção, se ela não tivesse vindo, eu nunca teria tido coragem de ir em sua direção.

_Para de mentir...

_Ela brincou com nós dois, você sabe disso.

_Cala a boca!

Jimin gritou, indo em direção a ele. Hoseok achou que ele o bateria, mas em vez disso passou por ele, indo até a porta. Hoseok percebeu que ele fugiria, e um pouco mais rápido trancou a porta, permanecendo com a mão na maçaneta.

Jimin segurou sobre a mão dele, sibilando:

_Solte.

_Eu vim conversar com você.

_Você veio acusar a Seulgi, culpá-la por seus erros.

_Eu vim pedir perdão.

Hoseok caiu de joelhos, surpreendendo Jimin. Ele deu dois passos para trás, encarando o amigo com olhos descrentes.

_Eu tenho vivido o inferno._ Hoseok começou, os olhos ficando úmidos_ Desde que brigamos, desde que ficou com depressão, desde que tentou se matar. Jimin... eu não tenho conseguido viver, porque eu sei que tenho culpa do que houve com você. Eu... nunca quis te fazer mal. Você é meu amigo, não posso viver sabendo que te fiz sofrer tanto a ponto de que você quisesse morrer.

_Já disse que não é só sobre você, ter me traído foi horrível, mas o principal motivo é ela, é a Seulgi, porque eu não posso ficar sem ela.

_Ela não te merece. Ela brincou com nós dois._ Hoseok se aproximou, as mãos suplicantes segurando a barra da calça do mais novo_ Me prometa que vai esquecê-la, me prometa que vai sair daqui e viver bem, feliz.

Jimin afastou-se, soltando sua calça. Encarou a figura, ainda ajoelhada, tão humilhada e insignificante, deveria se sentir bem por vê-lo assim, mas não se sentia.

_Se ela voltasse pra mim, eu te perdoaria. Eu poderia viver bem.

_Não Jimin, não fale isso. Ela nunca te faria bem, ela te trairia de novo. Ela não te ama, ela nunca amou.

_Você não pode saber, ela só ficou com você por causa do seu dinheiro. Todos nós sabemos disso, você sabe!

_Eu não me importo, eu só quero que fique bem. Por favor, me prometa que vai sair daqui, que vai ficar bem._ Hoseok abaixou a cabeça, as mãos juntas num misto de oração e pedido_ Eu pagarei pelos meus pecados, pelo mal que fiz. Eu só peço que me perdoe, não voltando a gostar de mim, mas gostando de si mesmo, querendo viver e ser feliz. Por favor Jimin, me prometa que vai ficar bem.

_Você se importa...

Jimin perguntou, mas não pareceu uma pergunta. Ele ficou confuso, Hoseok sempre se importava. Ele era seu amigo de infância, como podiam ter se separado tanto em tão pouco tempo?

Anos de amizade, destruídos por causa de um beijo.

Talvez, talvez Jimin fosse mesmo um bobo por ser importar com aquilo. Mas ele deveria se importar. Era Seulgi. Era sua paixão cega.

_Vá embora._ ele pediu_ Vá antes que eu faça um escândalo.

_Você não me respondeu.

_A minha vida Hoseok, não pode ser condicionada a uma promessa feita para alguém que eu amava tanto e que magoou na mesma proporção. Não é tão fácil, você não entende, nem eu entendo. Eu estou doente, eu preciso de tempo.

_Precisa também de força de vontade.

_E não é você que vai me dá-la, muito menos uma promessa vazia que eu poderia fazer.

Hoseok assentiu, ele estava certo, não tinha o direito de exigir uma promessa vazia apenas para aliviar seu espírito atormentado. Havia sido uma loucura, mas ele precisava de um último grito antes de se render a dor.

_Eu só quero que saiba que eu sempre gostei de você. Eu me arrependi muito do que fiz.

Jimin permaneceu em silêncio, friamente sem encarar o amigo, ainda em seu posição humilhante.

_O que quer que aconteça, não é por causa de você. Não é apenas pelo que houve. São muitas coisas, eu estou cansado, também quero consolo. Não são muitas coisas que eu possuo, eu perdi muito Jimin. Sinto muito porque nunca te contei meus segredos, eu queria tê-los divididos com a pessoa certa.

Jimin não virou o rosto, mas seus olhos se moveram de lado, vendo, em partes, a figura se levantar.

_Eu vou ficar bem.

Hoseok sussurrou, e depois abriu a porta, deixando o quarto como o outro havia pedido.

Jimin encarou a madeira pintada de branco, que escondeu o amigo que partia. E seu coração apertou. Era uma sensação estranha para um comportamento estranho.

Talvez.

Mas Jimin quis ignorar mais um “talvez”.

 

***

Agosto

 

_Ele gosta de você.

Taehyung sussurrou no ouvido da garota, que teve um leve sobressalto. Ela virou o pescoço, deparando-se com o sorriso travesso que todos conheciam.

_Do que está falando?

Ela perguntou, enquanto Taehyung sentava-se ao seu lado. Estavam em uma festa que um dos caras da faculdade havia organizado. Bebidas, luzes coloridas e música alta. Mais do mesmo.

Do outro lado do cômodo alguns garotos conversavam, ela conhecia Yoongi de vista, acompanhado do seu amigo pré-escolar, como os outros carinhosamente chamavam, Jungkook, ela sabia seu nome, embora achasse um desperdício uma rapaz tão bonito ser menor de idade. Ao lado dele duas figuras mais conhecidas, seus colegas de classe, seu namorado e o amigo dele. Jimin e Hoseok.

_Não se faça de boba Seulgi, estou falando do Hoseok. Todos sabem, você também, ele te olha diferente.

Seulgi riu, orgulhosa da beleza que fazia os homens se apaixonarem. Mas eles eram apenas uma conquista, um troféu, não tinham qualquer significado.

_O que importa?_ ela deu de ombros_ Eu já estou com o Jimin, estamos bem juntos.

_Não seja assim, eu sei o que você realmente quer.

_Sabe é?_ ela ergueu uma sobrancelha, curiosa_ E o que eu realmente quero.

_Dinheiro.

_O quê?

Ela sorriu, num misto de surpresa e diversão.

_Jimin vem de uma boa família, ele tem dinheiro, ele te dá presentes caros. Para uma garota de classe baixa ambiciosa como você, isso é tudo o que poderia querer de um relacionamento. Mas..._ Taehyung encarou a roda de garotos_ Devo te contar algo sobre o Hoseok?

_Você está doido para contar.

_Realmente, você sabia que ele vem de uma família abastada. Muito mais que um advogado bem sucedido, como o pai do Jimin, o pai do Hoseok é cirurgião plástico, tem três clínicas na Coreia, e está se preparando para abrir uma na China. É quase um império, então quando o Hoseok se formar ele vai trabalhar com o pai, Jimin também, talvez até você. Você prefere namorar o amigo do dono, ou o próprio dono?

Seulgi virou o rosto para encarar os jovens, Hoseok ria escandalosamente, com o jeito alegre de sempre.

_Você parece saber demais para um simples garoto da periferia. Pensei que fossem amigos.

_Mas somos, por acaso estou fazendo algo errado?

_Está dizendo para que largue um dos amigos e tente ficar com outro, isso acabaria com a relação deles, acha isso bom?

_Eu apenas tento ver o melhor caminho, se tem pedras nele ou não nós devemos aguentar algumas feridas, não acha?

_O que ganha com isso?

_Uma aliada. Seulgi, podemos ser amigos, grandes amigos. Se você se tornar alguém importante, quero que se lembre de mim. O seu amigo da periferia.

Seulgi pensou por alguns minutos, ainda observando a conversa dos amigos. Por fim encarou Taehyung que parecia entretido olhando para suas unhas, um pouco crescidas.

_E se ele não quiser? Mesmo que goste de mim, talvez não quisesse trair o amigo.

_Deixa eu te contar uma coisa sobre o Hoseok, ele parece muito sorridente e feliz, mas é mentira. Por dentro é um garoto assustado e em frangalhos. Eu sei, ele mesmo me contou.

_Te contou o que? Que é um garoto assustado?

_Ele tem problemas em casa, sua mãe é alcoólatra, e os pais brigam muito. Ele também não se dá bem com o pai, parece que ele cobra muito e o filho nunca alcança suas expectativas, mais do mesmo clichê família rica. Agora, se o Hoseok tivesse uma namorada inteligente e bonita como você, talvez, agradasse mais o pai, você... poderia ter muitas vantagens.

_E então eu te ajudaria...

Taehyung deu de ombros, e ela riu.

_Ok. Eu vou pensar na sua sugestão.

_Não pense demais, apenas aja.

Seulgi iria dizer mais alguma coisa, porém Taehyung sorriu abertamente, acenando para alguém que se aproximava deles.

_É o Jin, esqueça a conversa que tivemos.

_Ele não deveria saber dos conselhos que me deu.

_Por favor, Jin é certinho demais.

_Então por que anda com ele? Apenas pelo dinheiro?

_Ele nem me dá dinheiro.

_Então...

_As pessoas precisam de equilíbrio. Sua bondade me equilibra.

Seulgi observou os dois se cumprimentarem, em seguida também tendo um pequeno diálogo com o recém chegado, mas não demorou muito, pois sua atenção já estava voltada a outra pessoa.

Naquela noite ela e Hoseok conversaram sobre problemas pela primeira vez.

Hoseok se deixou levar, contou à ela seus medos como havia contado a Taehyung. Percebeu tarde demais que eram as pessoas erradas para dividir segredos.

Num dia ela se aproximou, e eles se beijaram, não demorou para que Jimin visse.

Os próximos dias foram o inferno para os dois.

Jimin queimou as fotos deles, rompeu com o amigo. Quis perdoar Seulgi, mas ela não queria, estava mais interessada no amigo rico. Bem, talvez ele também não conseguisse voltar.

Muitas coisas haviam se quebrado, mas Jimin não queria aceitar.

No final, só viu uma saída.

Para Hoseok não foi tão diferente.

Para ele só sobrou o vidro de comprimidos guardados no armário do banheiro.

 

***

Novembro

O líquido era amarelo escuro, mas Yoongi não conseguia se lembrar o nome da bebida. Lembrava que era forte, que tinha o álcool necessário para que ele esquecesse muitas coisas.

E ele precisava esquecer.

Quando sua mão foi em direção a garrafa para que enchesse o copo novamente, uma outra mão o parou. A voz preocupada chegando a seus ouvidos.

_Você já bebeu demais.

Yoongi encarou o rosto juvenil de Jungkook, ele parecia mais velho, não tinha mais as bochechas de crianças, as feições ou o olhar de uma. Ele tinha envelhecido, não sabia o quanto era devido a sua idade e o quanto era a influência de Yoongi.

A má influência de Yoongi.

Seus amigos tinham razão, ele deveria ter vergonha de levar um menor de idade para festas com bebidas e outras coisas, de dar bebida a ele. Mas, havia algo em Jungkook que Yoongi gostava, então sua presença se fazia necessária.

Pelo menos antes.

As coisas estavam mudadas agora.

Yoongi tinha medo. Medo de ter levado aquele garoto para um caminho que o faria se ferir.

Medo de mais tragédias.

Quando? Yonngi se perguntava, quando seu mundo havia ficado tão cinza e pesado?

Gostaria de voltar aos bons momentos. Eles poderiam voltar algum dia?

_Eu estou bem.

Yoongi respondeu, tirando a mão dele da garrafa e a pegando para mais um gole. Estavam na sala da casa de Jin, na adega do pai dele, e logo a figura do mais velho entrou na sala. Segurava o celular nas mãos, parecia tenso.

Ao observá-lo Jungkook também pensou nos velhos tempos, nos bons tempos, quando não via Yoongi beber para esquecer suas dores, e quando não via expressões tão doídas no rosto de Jin. Quando Jimin não estava internado numa clínica psiquiátrica, e quando eles não tinham acabado de enterrar o amigo deles.

Hoseok. Overdose.

Aquelas palavras não parecia combinar, mas era o que tinha acontecido.

Hoseok tinha morrido de overdose.

Yoongi bebia para se esquecer disso.

Jin apertou o celular nas mãos, mais tenso que cinco minutos atrás, quando havia saído da sala para atender a ligação.

Jungkook percebeu que algo tinha acontecido, Yoongi, mesmo levemente embriagado, também.

_O que foi?

O mais novo perguntou primeiro, e Jin engoliu em seco.

_O Namjoon..._ todos prenderam a respiração, encarando o outro e temendo pelo pior_ Ele foi pego vendendo drogas. Ele foi preso.

Jungkook só voltou a respirar quando ouviu o barulho de Yoongi bater o copo no balcão, após beber mais uma dose. Ele empurrou a cadeira para trás, a voz alterada, não somente pela bebida.

_Onde ele está?

_Na delegacia, mas vão transferi-lo para um presídio, já que ele não é réu primário. A mãe me ligou para avisar, ela está desesperada, eles nem sequer tem dinheiro para um advogado.

_Podemos pedir ao pai do Jimin...

Jungkook sugeriu, mas foi interrompido pelo grito estridente de Yoongi.

_Você está louco!? Como pode pensar em pedir algo para ele no momento em o que o filho está passando por uma depressão, ele ainda nem sabe do Hoseok! Esqueça o pai do Jimin, ele já tem problemas demais.

_Mas...

_Isso não importa,_ Jin disse, interrompendo a frase de Jungkook_ Eu posso pedir dinheiro ao meu pai, ou mesmo vender alguma coisa minha. Não é esse o pior problema, mas é que...

_É que...

_Ele é culpado, foi pego em flagrante, este não é o primeiro problema que causa, não acho que possa conseguir escapar. Ele vai ser preso, vai ter uma mancha na sua vida, o futuro do Namjoon acabou. Todos os sonhos dele acabarão.

Jungkook engoliu em seco, Namjoon não tinha as oportunidades, mas tinha um currículo limpo, era inteligente e com a ajuda de gente certa poderia conseguir seus objetivos, só precisava de paciência e tempo. Mas Namjoon não teve paciência, ele jogou tudo fora.

E então, os três podiam ver um castelo ruindo em frente a eles.

Num efeito dominó, cada amigo caindo, um a um, cedendo ao desespero e aos problemas.

E... quem seria o próximo?

 

Jin anunciou que ia para a delegacia, Jungkook e Yoongi ficaram, visto o estado do segundo, e o fato de que Jungkook prometeu leva-lo para casa e cuidar dele.

Porém, antes que saíssem Yoongi ainda revirou algumas garrafas.

_Não acredito que não tem mais nada aqui!

_Você já bebeu tudo._ Jungkook disse, segurando-o e o afastando das garrafas_ São bebidas caras, deveríamos ir antes que o pai do Jin chegue  e brigue com a gente.

_Você está preocupado com o pai do Jin?_ Yoongi riu, mas não parecia uma risada divertida, parecia desesperada_ Como era de se esperar, você ainda é uma criança.

_Isso não é coisa de criança, é apenas respeito pelos mais velhos e pelas coisas deles. Já fizemos demais hoje Yoongi, vamos para casa.

_Ir para casa?_ Yoongi se afastou dele, trôpego_ Eu não quero. Não posso ir para casa.

_Seus pais estão te esperando, eles podem ficar preocupados se você não aparecer.

_Não diga isso. Eu não quero ir para casa, não por eles, mas pelos outros.

Yoongi voltou a sentar-se no alto banco em frente ao balcão, os ombros caídos e a expressão perdida.

Jungkook sabia, de todos, talvez dissessem que ele era o que menos sentiria, mas estavam enganados. Por baixo da armadura séria e fria Yoongi era o mais sensível deles, o mais apegado a todos. O que com certeza conseguia sentir a dor de cada um.

Ele não podia lidar com isso. Jungkook sabia que não podia e isso o apavorava.

Yoongi não podia se deixar derrubar também.

_Eu sei que está sendo horrível,_ Jungkook se abaixou em frente a ele_ Mas, você precisa ser forte, pelos outros. O Namjoon vai precisar de apoio, o Jimin também, isso é o que devemos fazer pelo Hoseok, ele iria querer que ajudássemos os outros.

_J-hope._ Yoongi sorriu_ Esse era o apelido de infância dele, porque ele dizia querer trazer esperança. Onde foi parar essa esperança?_ Jungkook abaixou a cabeça, não sabendo o que responder. Yoongi não esperava que ele fosse responder_Se fomos fracos e cedemos você não deve ser assim, entendeu? Quando passar por problemas você deve ser capaz de vencê-los.

_Eu serei hyung, não duvide de mim.

Jungkook deu um meio sorriso, confiante. Yoongi não duvidou dele.

_A sua juventude deve ser mais bela para você, Jungkook. Porque não foi conosco, deve ser melhor para você. Como uma recompensa do universo.

Jungkook assentiu, não preocupado com a sua juventude. Ele queria apenas os bons momentos de volta. Os momentos com seus amigos, quando todos estavam felizes. Sabia que isso não viria facilmente, muitas coisas aconteceram. Entretanto ele não desistiria, ajudaria a todos. Um a um. Começando por Yoongi.

 Ele se levantou, dizendo:

_Que tal irmos para casa?

_Do que está falando? Eu preciso ir beber.

_Mas Yoongi...

_Vá você! Eu vou beber um pouco mais.

Ele se levantou, decidido a ir para algum bar, porém o corpo de Jungkook parou em frente a ele.

_Você já bebeu demais. Sabe disso.

_Qual o problema? Um pouco mais de bebida não vai me matar, não é como se eu fosse entrar em coma alcoólico.

_Sei porque está fazendo isso, sei que é difícil, mas Yoongi pense nos outros. Você me disse para vencer os problemas, você deve fazer o mesmo.

_Cada um vence os problemas do seu jeito. Deixe-me fazer do meu.

Yoongi desviou dele, e quando Jungkook agarrou seu braço ele exclamou.

_Porra Jungkook! Me deixa em paz!

Ele puxou o braço, e acabou acertando o rosto do mais novo, que o soltou, levando as mãos ao nariz que acabara de ser atingido. Yoongi observou os olhos assustados dele, não queria tê-lo machucado, mas havia sido um acidente. No final estava irritado e só conseguiu ser ríspido. Com o garoto que tanto gostava, só conseguira ser frio.

_Que cara é essa? Eu te machuquei? Se quer mesmo passar alguma confiabilidade não deveria se deixar assustar por algo assim.

Yoongi deu as costas a ele, saindo da sala.

Aquela foi a primeira briga deles, mas não foi nem metade das que viriam a seguir.

Jungkook estava sempre por perto, tentando dar conselhos, querendo que o outro parasse de fugir do mundo bebendo, e essa atitude irritava Yoongi.

Muitas palavras foram ditas. Certo dia eles se socaram.

Mas depois lá estava Jungkook novamente, choramingando: “hyung, já chega. Você já bebeu demais. Hyung... Yoongi-hyung.”

Yoongi ainda poderia ouvir a voz dele, seus apelos nunca acatados.

Numa noite ele se envolveu numa briga com alguns rapazes por causa dele.

Jungkook que nunca se envolvia em brigas. O bom filho, aluno, o garoto ideal.

Foi uma noite difícil. Brigaram pela última vez.

Yoongi viu o carro.

Mas não havia o que fazer.

Jungkook, o garoto com múltiplos talentos, com uma juventude que deveria agraciá-lo com imensa felicidade.

Jungkook morreu aos dezessete anos.

Yoongi sabia que era sua culpa.

Ele não poderia viver com isso.

 

***

Dezembro

O café parecia vazio, exceto por duas adolescentes que conversavam baixinho, vendo alguma coisa no celular e rindo. Yoongi invejou suas expressões alegres e despreocupadas.

Quando foi a última vez que sorrira assim?

No fundo do café ele reconheceu a figura alta e magra, curvado sobre uma xicara de café fumegante.

Fazia dez dias que não se viam, desde o acidente de Jungkook.

Quando se aproximou Jin levantou os olhos, as olheiras proeminentes deixando-o com uma aparência mais velha.

Yoongi poderia ter tido pena dele, se não soubesse que por dentro ele próprio estava ainda pior.

_Que bom que veio. Fiquei com medo de que não viesse.

Yoongi sentou-se, ereto e frio.

_O que você quer? Você tinha dito que tinha a ver com o Jungkook.

_Você desapareceu, fiquei com medo de que tivesse feito alguma besteira.

_Diga logo o que quer.

Jin engoliu em seco, olhando em volta. Estava nervoso, Yoongi percebeu que ele parecia prestes a ter um ataque.

_Yoongi... você acredita em demônios?

 

***

Julho

 

Era uma tarde bonita. Jin estava certo. A chuva iria parar. Ela parou.

Os garotos pararam a picape em uma píer perto da praia, desceram e brincaram na areia, perto do mar. O clima era frio, contraditório já que estavam no verão, mas não importava. Pelo menos não chovia.

Quando escureceu fizeram uma fogueira, Jin tirava fotos, Hoseok e Jimin conversavam sobre alguma piada engraçada. Yoongi tinha deitado no colo de Jungkook e os dois também sorriam. Taehyung pôs a mão no ombro de Namjoon, e ele também parecia feliz.

Era um belo dia. Dormiram na praia aquela noite, quando o sol nasceu no dia seguinte, foram observar o mar de novo.

Havia uma imensa estrutura de ferro, a subida ficava perto do píer e se você pulasse cairia no mar.  Taehyung havia apontado para ela em tom de desafio.

_Duvido que alguém teria coragem de pular lá de cima.

_Só se você quisesse morrer.

Yoong rebateu, e Taehyung o respondeu.

_Eu teria, claro... se eu quisesse morrer.

 

***

Dezembro

 

Namjoon havia se lembrado daquele dia.

Quando Jin sentou na frente dele, as lembranças ficaram ainda mais fortes. Havia um vidro que separava os dois, com uma pequena abertura por onde os sons seriam ouvidos.

Aquele era seu horário de visita, e esperava que fosse sua mãe a visita-lo, não o amigo.

_Minha mãe não veio?

_Ela virá outro dia, eu pedi para vir primeiro.

Jin observou o amigo, seu uniforme amarrotado e o cabelo despenteado, seus olhos eram buracos negros e tristes, mas ele não parecia mal fisicamente. Fazia algumas semanas que tinha ido parar ali. Faltava mais algumas para seu julgamento, os dois sabiam que a chance dele sair eram mínimas.

_Ela está bem? E minha irmã, como ela está?

_Estão tristes, por você.

Namjoon lamentou.

_Como elas vão se virar agora? Sem mim...

_Do mesmo jeito que se viraram quando você parou de trabalhar.

_Elas se afundaram em dívidas, foi o dinheiro que eu consegui que tirou os agiotas de cima delas.

_O dinheiro que conseguiu de forma suja.

_Era dinheiro de qualquer forma.

Jin se lembrou de uma conversa que tiveram, após a noite em que encontrara ele e Taehyung naquela barraca de rua. Lembrou-se da proposta que fizera, que o pai arranjaria um emprego para Namjoon na firma que trabalhava, não seria um grande emprego, mas ele teria um salário garantido. Um salário limpo.

Mas, já naquela época, Namjoon estava cego pelo dinheiro fácil.

_Sabe,_ Namjoon disse, mexendo as mãos sobre o balcão a sua frente_ Eu não quero brigar com você. Agora que estou aqui, não adianta nada brigar, eu só posso me lamentar... Eu estava me lembrando, daquele dia que fomos para Busan.

_O dia em que eu fiz com que perdesse o emprego no posto de gasolina._ Jin suspirou_ Eu sinto muito Namjoon, sinto que as coisas começaram a desmoronar ali. Eu cometi um grande erro. Não sei o que me deu aquele dia...

_Não importa. Foi divertido, foi o dia mais divertido. Agora que estou aqui, que imagino que eu vá ficar um bom tempo, pelo menos tenho algo para me lembrar, uma loucura boa. Boas lembranças.

Jin tentou se lembrar daquele dia como uma boa lembrança, mas ao ver novamente o rosto sorridente de Jimin, Hoseok e Jungkook, ele não conseguiu.

_Eu queria voltar naquele tempo,_ Namjoon continuou_ Quando éramos felizes, inconsequentes e felizes. Era uma felicidade tão arrebatadora.

Jin não conseguiu evitar de pensar que na verdade aquela felicidade parecia falsa, tão irreal.

_Naquela época Hoseok ainda estava vivo, Jimin não tinha depressão e eu não tinha problemas com a justiça.

Jin suspirou, Namjoon não sabia sobre Jungkook, ele iria contar naquela visita, mas perdeu a coragem diante das palavras dele. Ele não precisava saber agora, só iria piorar tudo.

_Eu sei que o que eu fiz foi errado, mas eu não me arrependo Jin. Me sinto mal por estar preso, porque sei que estou fazendo minha família sofrer e acabei de manchar o meu futuro, mas... pelo menos eu sinto que tentei, em meio as ondas que queriam me afogar eu consegui me debater, e eu nadei, nadei para um praia deserta, mas pelo menos não fui afogado. Se eu tivesse feito tudo da maneira certa acho que eu teria me afogado, eu teria deixado que o mar me levasse.

Jin o encarou, melancólico, entendia que aquelas palavras poderiam servir para consolá-lo, para que aceitasse melhor toda a situação. Contudo, aquela eram as palavras erradas, havia outras maneira de resistir, de nadar para que pudesse achar a salvação em vez de apenas uma praia deserta.

Jin queria dizer aquilo, porém foi calado pelas últimas palavras de Namjoon.

_Foi o Taehyung que me disse isso, quando eu ainda estava na delegacia, ele foi me visitar. Ele me lembrou de Busan, do mar, e ele me disse isso, sobre as ondas. Isso me fez bem, me fez ver que eu apenas resisti, não estou errado...

_Namjoon...

Jin o interrompeu, um nó se formando em sua garganta. Queria falar algo, mas não sabia o que.

_O Taehyung foi um bom amigo. Temos sorte por termos ele ao nosso lado. O Taehyung é um bom amigo.

Jin não respondeu, fazendo com que Namjoon achasse que ele não tinha dado importância à sua frase.

Entretanto, após a visita, aquela frase ficou ecoando na cabeça de Jin.

“O Taehyung é um bom amigo.”

Calafrios faziam com que seu corpo se arrepiasse, e coisas que ele nunca pensava começaram a invadir sua mente.

Fatos que ele nunca enxergou.

E um medo.

Uma descrença.

Uma sensação ruim.

“O Taehyung é um bom amigo.”

 

***

Dezembro

_Oh céus!_ Yoongi se jogou na cadeira, em outra época sorriria sarcasticamente, mas naquele momento, mesmo diante de tal situação, não tinha ânimo para isso. Apenas seu tom debochado permanecia_ Não me diga que está se entregando a religião? Por acaso acha que ela vai resolver tudo? Vai culpar os demônios pelo que houve?

_Não estou falando de demônios, não estou falando de religião. Estou falando de pessoas, de pessoas ruins.

Jin se aproximou, ainda tenso. Yoongi percebeu que enquanto falava ele olhava para o lado, para o piso onde um filme parecia estar passando, contando-lhe cada frase que ele reproduzia.

_Eu tenho pensado sobre isso e parece que tudo de ruim que aconteceu teve um começo. Um fio condutor, um causador. E isso está me perturbando, eu não consigo parar de pensar. Fomos enganados, ludibriados, e a culpa também é minha! Todos nós, rodeados por um demônio.

Jin voltou a encará-lo, e cada vez sua expressão parecia mais perturbada. Em outra época ele teria se importado, pensado que ele poderia estar doente mentalmente ou muito estressado, mas naquele momento Yoongi não tinha ânimo para isso.

Ele não tinha ânimo para nada.

Era apenas um corpo.

Sua alma estava inerte.

_O que isso tem a ver com o Jungkook? Você disse que tinha a ver com ele, eu quero saber apenas o que tiver a ver com ele.

Jin engoliu em seco. Deveria esperar por isso, desde da morte de Hoseok, os problemas com Jimin e Namjoon, Yoongi andava desinteressado, parecendo querer ignorar ao mesmo tempo que deixava tais fatos o consumirem. Mas com a morte de Jungkook veio o golpe final. Não sobrara nada, Jin percebera.

Havia acabado para ele também.

_Lembre-se,_ Jin pediu, uma última tentativa de convencê-lo de sua teoria_ Lembre-se do enterro do Jungkook.

Os olhos de Yoongi ficaram enevoados, cobertos de dor.

_Eu não quero lembrar desse dia.

_É importante, por favor, eu vou te ajudar.

 

***

Novembro

 

Era o lado de fora. Havia um caminho de cimento, grama a sua volta, talvez houvessem pássaros, mas não naquele dia. Yoongi estava parado com as mãos nos bolsos, parecia encarar fixamente o céu, mas não estava observando as nuvens. Não estava vendo nada.

Estava apenas ali. Mesmo que não quisesse estar.

Sabia que há alguns metros estava o corpo de Jungkook. Escondido pelas paredes. Rodeado pela família desolada. A coroa de flores, a foto sorridente dele constatando com a frieza de seu corpo. Logo ele se tornaria cinzas.

Yoongi não conseguia acreditar nisso.

Não queria acreditar.

_Eu sei o que está pensando.

A voz grave chegou aos seus ouvidos, ele sentiu a presença ao seu lado, mas não se importou.

_E o que eu estou pensando?

_A culpa é sua.

Yoongi se virou rapidamente, encarando a figura de Taehyung. Ele sempre fora assim, desafiador, sem medo de falar. Afinal, todos pensavam assim, mas apenas ele tinha dito em voz alta. Yoongi não sabia o que sentir diante de sua ousadia.

_E como culpado, qual é a minha sentença?

_Yoongi, se você se culpa, apenas você pode dar sua própria sentença. Você é o réu, você é o juiz, apenas o Jungkook foi a vítima.

_O que quer dizer com isso?

_Você tem o direito de se martirizar, de se culpar, de se punir.

O moreno engoliu em seco. Sua culpa, ele sentia ela. Sentia-a como tentáculos o envolvendo e sufocando. Então ele saía a procura de ar.

_Você, todos... também acham, não é? Também acham que a culpa é minha, porque ele tinha ido lá atrás de mim, porque eu briguei com ele e o deixei consternado. Todos... acham que a culpa é minha, não é?

Yoongi tinha quase certeza de que a resposta era positiva, mas aquele havia sido um grito. O último grito de seu amor próprio, de sua salvação. Então ele tinha esperanças, esperanças de uma resposta negativa.

_Já disse, você é o réu, você é o juiz, é você o carrasco Yoongi. Essa batalha é sua, não é de mais de ninguém.

Yoongi encarou seus olhos castanhos repletos de escuridão.

Uma escuridão tão forte que foi perceptível até para Jin, mesmo estando há metros de distância.

 

***

Dezembro

_Você se lembra?_ Jin evocou aquela cena_ Eu estava lá, eu ouvi o que ele disse.

Yoongi não tinha dado importância aquela conversa, Taeyung não havia dito nada que ele já não pensasse. Na verdade ele não havia dito nada, apenas jogado aquela responsabilidade sobre ele.

_O que tem aquilo Jin?

_Não percebe? Não percebe como foi manipulado?

_Taehyung não me manipulou. Ele não me disse nada demais.

_Ele disse, ele disse sim. Ele jogou sobre você seus medos, você não tinha condições de pensar sobre culpa e punição, uma pessoa de verdade teria te dado bons conselhos. Mas ele apenas alimentou os sentimentos ruins que você mesmo já tinha. Ele disse, mesmo que nas entrelinhas, que você era um réu, um juiz e um carrasco, que você era culpado e merecia uma punição e então ele inconscientemente plantou isso na sua mente, essa ideia ruim. Eu demorei muito para perceber isso Yoongi, mas finalmente eu percebi.

Yoongi coçou a cabeça, cansado, desinteressado.

_Jin, não foi assim. Eu não vejo nada assim.

_Ele fez o mesmo com o Namjoon, ele disse para ele vender drogas, ele o convenceu disso e ainda de que era algo certo. Foi o mesmo com o Hoseok e o Jimin, ele que jogou a Seulgi para cima do Hoseok, eu soube Yoongi, como ele a impeliu a ter ambição pelo dinheiro do Hoseok, como ele acabou com a amizade dos dois.

_Jin...

Yoongi chamou, querendo dizer que não acreditava. Porém Jin era uma enxurrada de palavras, ele não pararia até completar suas suposições.

_Não posso dizer que foi ele quem os destruiu, mas ele deu os conselhos, os caminhos para a destruição. Ele foi como um demônio, sussurrando em seus ouvidos, convencendo-os com suas palavras ardilosas, ele fez isso comigo também. Sempre tão convincente. Tão destrutivo. A culpa é dele, é toda dele! Até você, o Jungkook, tudo é culpa dele!

_Você não pode dizer isso!_ Yoongi o repreendeu, as mãos sendo colocadas em punho sobre a mesa_O Jungkook nunca foi influenciado pelo Taehyung.

_Mas você foi!

_Eu não fui!

_Você foi afetado pelas situações do Jimin, do Hoseok e do Namjoon, você estava mal por eles, e então o Jungkook ficou mal por você. Foi um efeito dominó, o acidente do Jungkook, indiretamente, teve a ver com ele sim.

_Você está louco Jin!

Yoongi se levantou, não conseguindo acreditar em nenhuma das hipóteses de Jin. Não conseguira pensar sobre as outras, mas sobre Jungkook...

Esse era um assunto que não poderia ser tocado.

Jungkook era sua culpa, sua responsabilidade. Nada tiraria a culpa dele.

_Por favor Yoongi, pense direito sobre isso. O Taehyung ele foi... ardiloso, maldoso com suas palavras.  Eu fico me perguntando como eu demorei tanto para perceber, mas... ele é um demônio, eu estou dizendo.

Yoongi suspirou, cansado.

Cansado. Desanimado.

Não poderia dizer muito, mas apenas o que podia pensar no momento.

_Entendo que é frustrante, que talvez você queira culpar alguém, mas só por causa disso não pode culpá-lo por tudo.

_Mas Yoongi...

_Mesmo que ele seja um demônio Jin, será que já pensou que os demônios não gostam de luz? Eles só vão para onde tem escuridão.

_O que quer dizer?

Jin perguntou, porém sabia a resposta.

Era porque havia escuridão neles.

Porque sua juventude parecia bela, mas não era.

Ele lembrou-se da conversa com Namjoon, da tarde em Busan, da felicidade falsa.

Jin relaxou por um momento, talvez pensando que estava sendo exagerado. Tinham sido muitos problemas, mesmo que Taehyung tivesse se intrometido, não poderia ser tudo culpa dele.

Todos tinham a escuridão, por isso Taehyung se instalara.

Mas... não havia funcionado com Yoongi. Ele estava ali, não é? Frágil, ferido, mas ainda de pé. Isso consolou um pouco Jin.

Não, talvez não houvessem demônios, apenas... escolhas, vidas e destinos difíceis.

Errados.

_Pelo menos, você ainda está bem.

Jin ensaiou um sorriso, mesmo que mal sucedido. A sua frente Yoongi apenas assentiu.

Não havia pensado em nada do que ele dissera depois que saiu da cafeteria.

Entrou em seu carro e dirigiu para uma cidade distante, em sua mente uma frase ecoava.

“Você é o réu, você é o juiz, é você o carrasco Yoongi.”

Ele tinha sido o responsável por levar Jungkook para aquele lugar.

Ele se condenava pela morte dele.

Ele daria seu próprio castigo. Sua sentença estava banco de trás do carro.

Apenas dois objetos.

Um galão de gasolina e um isqueiro.

 

***

Janeiro

 

Parecia pior.

Parecia pior naquele dia.

Taehyung parou num dos corredores do prédio onde morava, levou a mão ao estômago, onde uma dor aguda o incomodava.

No dia anterior havia levado um soco de seu pai, e por mais que tivesse doido ontem, parecia que hoje doía mais. Taehyung não entendia esse efeito, apenas doía.

Doía.

Como muitas coisas vinham doendo ultimamente. A dor do desprezo de sua mãe era algo que ele já conhecia, então ele deveria ter se acostumado. Mas ainda doía ser desprezado, ainda mais por alguém como Jin.

Jin.

Taehyung pensou no jeito frio com que o rapaz o tratava ultimamente, desconfiado, assustado com ele, como se... como se ele fosse algum tipo de monstro que se escondera debaixo de sua cama.

Ele queria achar que isso se devia aos recentes acontecimentos. Namjoon havia sido condenado há anos na cadeia, Jimin ainda estava internado na clínica psiquiátrica. Hoseok, Jungkook, Yoongi... já haviam se tornado cinzas. O último tendo feito isso com suas próprias mãos.

Taehyung queria achar que era isso, afinal só restara os dois. Todo o círculo de amizade havia sido desfeito.

Entretanto ele estava preocupado, em seu âmago sabia que havia algo mais. Já tinha visto isso antes. O mesmo acontecera com sua mãe.

Em algum momento a mãe amorosa que olhava o filho como uma joia, passou a desprezá-lo, como se a sua imagem tivesse sido transformada, e ele fosse mesmo um monstro que havia saído de debaixo da sua cama.

Taehyung respirou fundo, ignorando a dor e voltando seu caminho para casa. O dia anterior havia sido terrível, ele saiu de casa pela noite, dormiu na rua. Esperava não encontrar o pai bêbado e raivoso novamente, afinal ele sentia que não suportaria mais aquilo.

Havia uma febre que invadia o corpo de Taehyung. Algo que aquecia seu corpo, deixava seus músculos retesados, e por fim aparecia a raiva. Tão palpável e cruel.

Mal abriu a porta de casa e já ouviu os gritos, seu pai estava presente. Ele teve medo do que iria presenciar, por isso hesitou. Alguns segundos. Poderia ir embora, voltar mais tarde. Mas quando voltasse encontraria a mãe com marcas roxas, e aí se sentiria mal.

Pensaria: “ela deve mesmo me odiar, sou um filho terrível. Covarde.”

Taehyung deveria protege-la, e a raiva, o febre em seu corpo fez com que tivesse coragem.  Não pensou, agiu.

Entrou. Pegou uma garrafa de bebida. As cenas seguintes são apenas borrões em sua mente.

Ele se lembra de acertar o homem, de empregar força contra sua barriga, de sentir sua pele e músculos sendo rompidos. De algo quente e vermelho escorrer por suas mãos. De gritos. E de horror.

O homem caiu no chão. A garrafa permanecia quebrada em sua mão e sua mãe o olhava horrorizada.

O monstro havia saído de debaixo da cama, mas não era um simples monstro. Era algo pior.

_O que você fez?

A mãe perguntou, e Taehyung soltou a garrafa. Os olhos vazios.

O que ele havia feito?

_Ele está morto?

Sua voz saiu fraca, mas a mãe a ouviu e assombrada o encarou:

_Eu... sempre achei que esse dia chegaria. Era o destino natural das coisas, que você o matasse.

Taehyung caiu de joelhos, o sangue do pai escorrendo pelo chão e sujando sua calça.

Sua mãe, sua mãe não se surpreendia por ele ter feito isso. Por ele ser um assassino.

Talvez... talvez ela estivesse grata, afinal, ele a havia protegido.

_Você está feliz? Eu fiz isso por você, agora não sofreremos mais por causa dele.

Taehyung se permitiu dar um meio sorriso. Paz, sim eles teriam paz.

_Não, eu nunca ficaria feliz. Só sempre achei que a única pessoa que o pararia seria você. Um demônio mata o outro.

Os olhos de Taehyung marejaram, um tremor em seus braços. O calor do seu corpo aumentava, parecia o ápice da febre.

_Eu não sou um demônio...

_É, sempre foi.

_Como uma mãe pode dizer algo assim?

Taehyung sussurrou, mas ela não se importou em responde-lo.

_Vá embora, pra bem longe. Vou ter que ligar para a polícia, quando eles chegarem terei que dizer a verdade, direi que foi em legítima defesa, mas isso não irá tirar o crime de suas costas. Vá para bem longe, é melhor que eles não te encontrem.

_Mas para onde eu vou? O que vou fazer com a polícia me procurando?

_Isso não importa._ A mãe parou por um instante, em seguida riu e riu de novo. Uma mistura de desespero e alívio_ Eu estarei livre de vocês dois. Eu vou ser livre, finalmente livre.

Taehyung não conseguia acreditar. Não, não estava triste pela morte do pai, pela assassinato que cometeu, estava dilacerado pela reação da mãe, pela desprezo que ele não fazia ideia de que era tão grande.

_Por quê?_ ele consegui perguntar_ Por que me odeia tanto?

_Por que? Você não sabe mesmo?

Taehyung negou, e ela se aproximou dele, um pouco delirante.

_Como pode continuar se fazendo de anjo. Você age como um anjo, tem um rosto de anjo, mas seus olhos e sorrisos não podem esconder tudo. Não sabe mesmo? E já imagino porque não sabe. Porque não é capaz de sentir remorso, de sentir empatia, amor...

_Do que está falando?

_Você nunca amou ninguém de verdade.

_Eu amo você mãe...

_Não! Não ama! Desde criança, eu sempre te achei estranho, demorei anos para perceber, mas finalmente entendi. Você gostava de brincar com insetos, gostava de vê-los sofrer em sua mão, e eu achava que poderia ser algo de criança, mas não era. Então eu te vi conversando com seus amigos da escola, você parecia tão gentil, mas estava sempre dando maus conselhos, você gostava... você gostava de vê-los sofrer como gostava de ver os insetos. Você gosta de ver o sofrimento e gosta de provocar ele, você destrói a vida das pessoas, seus planos e esperanças, você é como um sanguessuga. E seu remorso não existe. Tanto que... nem se quer percebe o que faz. É automático, como respirar, não é?

Ela se aproximou ainda mais, e a imagem de seus olhos frios ficaria gravada na mente de Taehyung pra sempre.

_Foi difícil aceitar, mas por fim eu percebi, meu filho, meu garotinho com cara de anjo, era um demônio. Ele tinha nascido assim, era algo inevitável. E eu tive medo porque sabia que terminaria em tragédia. Conviver com seres assim, só traz sofrimento.

 

Quando Taehyung saiu de casa ele não sabia para onde ir. Andou trôpego pelas ruas, não se importando com o olhar assustado das pessoas. Tinha sangue nas mãos e nas roupas.

Na cabeça só conseguia pensar nas palavras de sua mãe.

Seus pés o guiaram para um lugar sem que ele se quer se desse conta.

 

***

 

Havia algo de desesperado naquela batida. Jin percebera. Quando abriu a porta e se deparou com Taehyung ensanguentado sentiu seu coração pular com mais força. Parecia seus temores tomando forma, como um demônio que bate à sua porta para te levar junto com ele.

Mas Jin tentava afastar esse tipo de coisa da sua mente desde aquela conversa com Yoongi, com seu argumento sensato. Daquele momento em diante havia erguido um muro, mesmo frágil, ao redor de suas hipóteses sobre Taehyung.

Com a morte de Yoongi uma parte do muro ruíra, dizendo que ele tinha feito aquilo por ouvir as palavras de Taehyung. Entretanto Jin tinha se esforçado para que o muro não desmoronasse. E embora a relação deles não fosse como antes, ele tinha conseguido não falar tudo o que pensava.

Assim ele tentou não ser ríspido, no fundo, parecia haver mesmo uma ponta de preocupação.

_Taehyung, o que houve? Como se machucou assim?

Taehyung levantou as mãos, encarando o sangue já seco. Um sorriso estranho tomou conta de seus lábios, e ele respondeu:

_Não é meu sangue.

Jin deu um passo para trás, um pouco assustado, e essa foi a brecha para que Taehyung entrasse dentro de sua casa. Seus pais tinham saído, ele estava sozinho.

_Sua casa..._ Taehyung olhou em volta, já tinha estado ali antes, mas parecia a primeira vez que via o lugar_ Ela é tão bonita, sempre foi. Com um ar de... casa.

Ele riu, e meio cambaleante deu mais alguns passos em direção ao interior da residência. Jin o seguiu, a voz fraca perguntando.

_O que houve Taehyung? Você está estranho...

O jovem se virou para ele, a expressão perdida e depois mudando, um pouco febril. A voz dele veio em um sussurro, mas ainda era audível.

_Eu matei uma pessoa. Eu matei o meu pai.

Jin sentiu seus joelhos cederem, mas se forçou a continuar de pé. A informação sendo processada por seu cérebro lentamente.

_Você está brincando...

_Não foi por maldade,_ Taehyung choramingou_ Eu só quis proteger a mamãe. Mas ela nem se importa, a polícia vai me procurar._ ele se aproximou, as mãos sujas segurando os braços do mais velho_ Jin, você precisa me ajudar, eu não sei o que fazer.

As mãos vermelhas, o horror de pensar que aquele era o sangue de uma pessoa morta, as mãos de um assassino, fez com que Jin se soltasse bruscamente, afastando-se de Taehyung com o olhar mais assustado que já havia dirigido a alguém.

Nesse momento o muro ruiu.

_Você... você matou uma pessoa.

_Não foi de propósito.

Jin gritou.

_Você não mata alguém por acidente Taehyung!

Taehyung piscou, atônito pela reação do amigo, nunca vira Jin gritar assim. Não, não podia achar que ele agiria naturalmente diante da situação, mas também não esperava tamanha reação.

Não esperava o que estava por vir.

_Você... matou alguém. Matou seu pai._ Jin repetiu novamente, seus pensamentos ganhando forma em palavras_ Eu estava certo, não estava? Yoongi dissera que não e eu acreditei, mas ele é que estava errado. Eu estava certo. Demônios existem.

Aquelas palavras fizeram Taehyung estremecer.

Parecia um pesadelo.

Não, não podia ser.

Jin também não.

_Eu pensei isso, pensei no modo como as coisas aconteceram, em cada palavra que já disse para nós, nas suas atitudes. Eu achei que talvez eu estivesse exagerando, mas não é. Meu Deus, você matou alguém, com as suas próprias mãos.

Taehyung encarou o sangue seco que deixava suas mãos vermelhas. Não pareciam as mãos de um assassino, na verdade ele não se sentia um assassino. Sentia medo pelo seu futuro, tristeza pelo tratamento da mãe e de Jin, mas... não sentia remorso ou arrependimento. Ele percebeu que Jin também encarava suas mãos, horrorizado. Então perguntou:

_Você... também acha que eu sou um demônio? É essa a palavra que usa?

_Por tudo o que fez, eu acho que sim.

_Mas eu já disse que eu só defendi a minha mãe. Ele era um monstro, meu pai era um monstro!

_E Hoseok era um monstro? Jungkook, Yoongi... Namjoon, Jimin, eles eram monstros?

_Não,_ Taehyung mexeu a cabeça negativamente, confuso_ Eles não eram monstros, porque está falando isso?

_Porque você os matou Taehyung. Essas mãos estão sujas pelo sangue deles também!

_Jin... você enlouqueceu? Foram acidentes, suicídios, eu não matei eles.

_Não matou diretamente, mas de forma indireta.

Taehyung largou seus braços ao lado do corpo, confuso, acuado.

_Por que me acusa de algo assim? Isso não existe.

_Você nega?

_É claro, eles eram meus amigos, não monstros. Eu não faria mal a eles.

_Você parece até um anjo falando assim, mas não acho que seja.

_Jin...

_Me diga a verdade dessa vez.

_Eu sempre disse a verdade.

_Apenas diga sim ou não.

Taehyung assentiu, e Jin continuou.

_Foi você que ajudou o Namjoon a começar a vender drogas, foi você que o convenceu de que isso era certo?

Taehyung abriu a boca, um pouco desconcertado, mas acabou dizendo:

_Sim.

_E por isso ele foi preso, correto?

_Sim, mas eu não o obriguei a nada. Ele fez porque quis.

Jin ignorou sua defesa, continuando.

_Foi você que contou a Seulgi sobre a família do Hoseok, o dinheiro que ele herdaria e a fragilidade dele?

_Como você...

E Taehyung se quer terminou a frase, pois aquilo entregava sua culpa e a resposta foi dada por Jin.

_Hoseok me contou que tinha desabafado com você, depois que ele morreu eu acabei procurando a Seulgi, foi ela que me contou o que você tinha dito. Ela é uma cretina, mas eu sei que não estava mentindo. Então por causa disso o Jimin entrou em depressão e o Hoseok se matou, não é?

_Não!_ Taehyung negou_ Eles tinham outros problemas, eu posso ter ajudado a acabar com a amizade deles. Mas a depressão do Jimin, o suicídio do Hoseok, você sabe que não teve a ver apenas com esses fatos.

_Eu pedi que dissesse apenas sim ou não.

_Eu não posso apenas dizer isso, tenho que explicar...

Mas Jin estava inflexível, e entre dentes disse:

_Apenas sim ou não.

Taehyung gritou, irritado.

_Não!

_Com tudo o que houve com os meninos o Yoongi ficou muito abalado, ele começou a beber demais, Jungkook tentava impedi-lo e nisso acabou sendo atropelado num acidente. Foi uma tragédia, mas concorda que de alguma forma isso teve a ver com suas atitudes?

_Não. Não! Você não pode me culpar disso.

_Yoongi... eu contei tudo a ele, ele me disse que mesmo que você fosse um demônio, só poderia ter feito o que fez porque haviam sombras onde estava. Realmente, eu não nego, Jimin, Hoseok, Yoongi, Namjoon eles tinham sombras em seus corações, eles se deixaram levar por problemas e conselhos ruins. Mas mesmo que as sombras existissem neles, talvez se você não tivesse surgido elas não tivessem se tornado maiores, engolido eles. Se você fosse um anjo de luz, como parecia, as coisas poderiam ter sido melhores. Mas você é apenas ruim, um anjo ruim.

Taehyung engoliu em seco, enxergando nas palavras e atitudes de Jin sua mãe. Os dois diziam a mesma.

As duas pessoas que ele mais amava achavam que ele era desprezível, que só destruía e trazia coisas ruins.

Taehyung nunca pensara assim. Se lembrou das palavras da mãe, de que ele torturava insetos, que fazia mal aos colegas, que gostava de destruir, e que não tinha remorso.

Sua mãe afirmara que ele não tinha remorso.

E, naquele momento, Taehyung percebia que era verdade, ele não sentia nada com aquilo, não se arrependia, se quer percebia que fazia tanto mal. Ele só era assim, ele apenas agia assim.

Parecia certo.

Parecia o jeito Taehyung de ser.

Mas agora todos diziam que era errado, que era mau.

Ele não quis aceitar, não quis aceitar.

Mas havia sangue em suas mãos. E havia um amigo que o olhava com desprezo.

_Eu me arrependo tanto do dia que nos conhecemos. Se eu soubesse... eu nunca teria te apresentado aos outros, se você queria destruir a vida das pessoas porque não destruiu apenas a minha?

Taehyung encarou os olhos úmidos de Jin, só então percebeu sua condição. Havia emagrecido muito, tinha manchas roxas ao redor dos olhos e uma expressão desolada.

Jin ainda tinha sua bela casa, sua saúde e sua família intacta. Mas Jin não tinha mais seus amigos e possuía uma alma ferida, muito ferida.

Taehyung não pôde evitar um sorriso diante da constatação.

_Jin, eu também destruí a sua vida.

E com isso ele admitiu, para si mesmo, que de alguma forma ele tinha destruído cada um. Inconscientemente ou conscientemente ele não sabia ainda, mas não importava.

Taehyung não se importava com os outros.

Se importava com ele mesmo.

_Vá embora._ Jin mandou, a expressão mais dura que conseguira para espantar o outro._ Nunca mais apareça aqui Taehyung, e pode ficar seguro que se a polícia te pegar e você for preso eu vou fazer de tudo para que apodreça na cadeia. Por eles, por cada pessoa que fez mal.

Taehyung também endureceu sua expressão, estava triste pelo tratamento dele, mas não quis demonstrar. Como recolheu os cacos de sua alma que quebrou ao ser expulso pela mãe, iria recolher agora o que Jin terminara de quebrar e iria embora.

Para onde?

Não sabia.

_Eu... só acho que... eu não fiz por mal.

Taehyung disse, hesitante, mal podendo acreditar em suas próprias palavras.

Todos diziam que ele era mau.

Eles mostraram que suas atitudes eram ruins.

Mas ele ainda não acreditava. Ainda era apenas o seu jeito, apenas as suas atitudes.

Então, isso era ser um demônio?

Ele caminhou até a porta da casa, passando por Jin e dando as costas para ele. Antes de sair ainda disse sua última frase.

_Eu era seu amigo.

Ele não achou que Jin responderia, mas mesmo após fechar a porta ouviu a voz dele claramente.

_Eu também era seu amigo.

 

Dentro de casa, agora sozinho, Jin caiu de joelhos no chão e chorou.

Chorou e tremeu, cedendo a toda a tristeza acumulada dentro dele.

Ele teria o pior destino.

Saberia toda a verdade, a dor de cada um, lamentaria seus destinos e erros.

Uma vez Taehyung dissera que ele era um anjo. Um anjo bom.

Jin não achava isso, ele era humano, e por isso falhou tanto.

Mas Taehung estava certo sobre algo.

A vida dele estava destruída.

 

***

Taehyung se lembrou daquele dia. Daquele mar. Daquela plataforma.

Lembrou dos sorrisos e palavras.

Sentiu falta daquilo. Parecia bom, pareciam felizes.

Então, aquilo era falso.

Aqueles sorrisos, aquela felicidade.

Ele arrancou as sombras de dentro de cada um. Pela primeira vez teve consciência disso, de que tinha se aproveitado de seus problemas. Dos lados obscuros de suas almas.

Mas... ainda não parecia errado.

Aqueles sorrisos não aconteceriam novamente. Mas... Taehyung não se sentia culpado. Afinal, aqueles sorrisos não passavam de encenações.

Entretanto havia algo a temer. Taehyung tinha medo de seu destino.

Medo porque estava sozinho. Medo porque seria preso.

Ele encarou o mar, o mesmo mar que presenciara a noite agradável deles.

A plataforma ainda estava lá.

Ele a subiu, pensando nas palavras de sua mãe e de Jin.

Eles afirmavam que ele era ruim.

Eles diziam: “Você é um demônio.”

Demônios que são anjo caídos. Anjos maus.

Quando parou na ponta da plataforma e encarou o mar, ele se sentia um anjo.

Um anjo expulso do céu. Um anjo que deveria pular esperando pelo voo.

Entretanto, pela sua maldade, ele tinha perdido suas asas.

Seria um anjo caído.

E morreria.

 



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