Os dias seguintes foram uma mistura de caos e... algo que Jisung hesitava em chamar de rotina, mas que tinha horários mais regulares que suas aulas na universidade.
Minho alternava entre formas como quem troca de roupa — às vezes um gato laranja preguiçoso que ocupava exatamente o centro do sofá (e do universo, segundo sua própria filosofia felina), outras vezes um homem irritantemente atraente que roubava o café de Jisung com um sorriso afiado e a habilidade sobrenatural de sempre pegar o último biscoito. Hyunjin, após descobrir que sua alergia poderia ser "desligada" por Minho (mas só quando ele estava de bom humor), alternava entre tentar agradar o yokai com sachês de atum gourmet e ameaçá-lo com um borrifador de água que, após o terceiro dia, ostentava uma etiqueta escrita "Água Benta™ (pelo menos eu acho)" em letras trêmulas.
E Jisung?
Bem, Jisung estava definitivamente não pensando no fato de que, tecnicamente, ele tinha um namorado sobrenatural. Não quando acordava com Minho enrolado em seus pés como um cachecol vivo. Não quando o yokai insistia em lamber seu rosto após ele comer torrada com mel (em forma felina, felizmente). E certamente não quando aqueles olhos dourados o observavam com um brilho que fazia seu estômago dar voltas como uma máquina de lavar descontrolada.
— Por que você está me olhando assim? — Jisung perguntou, cobrindo o rosto com as mãos enquanto Minho (em forma humana, hoje, para o seu azar) observava cada movimento dele com um interesse quase científico, como se Jisung fosse um documentário particularmente fascinante sobre a vida dos humanos patéticos.
— Você fica vermelho muito fácil — Minho comentou, inclinando a cabeça. — Começa pelas orelhas, depois se espalha para as bochechas como tinta em água. É engraçado.
— Não é engraçado! — Jisung escondeu o rosto na almofada do sofá, que cheirava levemente a biscoitos de gato desde que Minho descobrira que podia transformar os móveis em petiscos quando estava entediado.
— É. — Minho puxou a almofada com facilidade, ignorando os protestos de Jisung com a força de quem já derrubou vasos preciosos em templos japoneses só para ver o barulho que faziam. — Você parece um tomate maduro. Daqueles que ficam moles se você aperta demais.
— VAI PRO INFERNO.
Minho riu, um som baixo e satisfeito que vinha acompanhado de um ronronar quase imperceptível, antes de se inclinar para frente até seu nariz quase tocar o de Jisung.
— Eu já fui. É chato lá. Só tem almas penadas reclamando do calor e demônios burocráticos. Nada de cafuné.
Jisung engoliu em seco, tentando ignorar o fato de que Minho cheirava inexplicavelmente a canela e algo eletrizante, como o ar antes de uma tempestade.
— Você… você tá brincando, né?
Minho sorriu, mostrando os caninos afiados que já haviam aparecido em pelo menos três pesadelos de Hyunjin.
— Quem sabe?
Antes que Jisung pudesse processar essa resposta (ou o fato de que seu coração parecia querer bater um recorde olímpico), a porta do apartamento se abriu com um estrondo digno de filme de terror.
— CHEGUEI! E TROU... — Hyunjin congelou no limiar, carregando sacolas de compras que pareciam conter itens para um exorcismo caseiro: sal grosso, velas aleatórias e várias besteiras comestíveis. Ele parou abruptamente ao ver os dois quase se encostando, com a expressão de quem acabara de testemunhar um crime contra a humanidade. — …Peguei vocês em flagrante.
— NÃO! — Jisung se atirou para trás tão rápido que quase caiu do sofá, salvando-se apenas por um milagre (ou, mais provavelmente, por uma patada invisível de Minho em seu cóccix).
Minho, por outro lado, apenas recostou-se com a elegância de um rei em seu trono, um sorriso despretensioso nos lábios.
— Depende. Você considera "ver Jisung ter uma crise existencial" um momento ruim?
— Sim.
— Então sim.
Hyunjin fechou os olhos por um longo segundo, como se pedindo paciência aos céus, antes de arremessar as sacolas na mesa.
— Eu trouxe comida. E não, gato demoníaco — atirou um olhar venenoso a Minho —, não é peixe.
— Yokai — Minho corrigiu automaticamente, mas levantou-se mesmo assim para espiar as sacolas com o interesse de um gourmet em um mercado duvidoso.
Jisung aproveitou a distração para respirar fundo e reconsiderar todas as decisões que o levaram até ali – especialmente aquela noite em que decidiu desabafar para o universo sobre sua vida amorosa. O universo, aparentemente, tinha um senso de humor duvidoso e um estoque infinito de yokais laranjas.
O que diabos estava acontecendo com ele?
Porque sim, Minho era um yokai. Um ser sobrenatural. Um gato falante que claramente se divertia com o caos. Mas também era…
Bonito.
E isso era um problema. Principalmente quando ele decidia usar as roupas de Hyunjin sem permissão.
— Por que você está usando minha blusa? — A voz de Hyunjin cortou o ar como um facão, seu dedo tremendo ao apontar para Minho, que agora estava deitado no sofá com uma camiseta listrada que Jisung reconheceu imediatamente como a favorita do amigo.
Minho examinou a roupa com um ar pensativo, como um crítico de arte diante de uma pintura questionável.
— Ah, é sua? Faz sentido. É feia.
— DEVOLVE!
— Não. — Minho virou-se, enterrando o rosto no tecido com um suspiro exagerado. — Cheira a humano desesperado. E um pouco a lágrimas.
Hyunjin olhou para Jisung com uma expressão que oscilava entre o horror e o homicídio.
— Ele tá roubando minhas roupas, e ainda tá me insultando.
Jisung, que estava tentando (e falhando miseravelmente) ignorar a situação abraçando um travesseiro como escudo, levantou as mãos em rendição.
— Eu não sou o dono dele.
— Você INVOCOU ele!
— Foi um acidente!
Minho riu, um som baixo e satisfeito que fazia o apartamento parecer um pouco mais aconchegante, antes de se levantar e esticar-se com a graça felina que nunca desaparecia, mesmo em forma humana.
— Vocês dois são engraçados.
— Jisung. Meu amigo. Meu irmão. — Hyunjin colocou as mãos nos ombros de Jisung com dramaticidade, sacudindo-o levemente como se tentasse acordá-lo de um transe. — Isso aqui virou um drama romântico sobrenatural, e EU NÃO ASSINEI PARA ISSO.
Jisung sentiu o calor subir de seu pescoço até as orelhas, como um termômetro de mercúrio em um dia de verão.
— NÃO É ROMÂNTICO!
— É um pouco — Minho interveio, agora revirando as sacolas de Hyunjin com a determinação de um gato faminto. Ele pescou um pacote de biscoitos e o abriu com os dentes, ignorando o grito de protesto de Hyunjin. — Segundo o capítulo 3 do Manual de Relações Yokai-Humanas—
— ISSO NÃO EXISTE!
— — beijos acidentais contam como "manifestação de desejo inconsciente".
— CALA A BOCA!
No dia seguinte, Jisung acordou com um peso no peito – uma sensação que já se tornara tão comum quanto o desespero antes das provas finais.
De novo.
Só que desta vez, não era Minho em forma de gato.
Era Minho em forma humana, deitado sobre ele como um cobertor vivo, seu rosto enterrado no pescoço de Jisung como se fosse o travesseiro mais confortável do mundo.
— MINHO.
— Bom dia. — Minho abriu um olho, sorrindo como se não houvesse nada de errado na situação – ou como se soubesse exatamente o quão errado era e se divertisse com isso.
— SAI DE CIMA DE MIM!
— Não. — Minho enterrou o rosto no pescoço de Jisung, respirando fundo como se estivesse cheirando flores, não um universitário que provavelmente cheirava a café e desespero. — Você é quentinho. E faz um barulho engraçado quando sonha.
Jisung ficou vermelho – um fato que Minho provavelmente já catalogara em algum arquivo mental chamado "Coisas Engraçadas que Jisung Faz".
— ISSO NÃO É NORMAL!
— Eu sou um yokai. Nada sobre mim é normal. — Minho levantou a cabeça, olhando para ele com um brilho travesso nos olhos dourados que pareciam capturar a luz mesmo no quarto mal iluminado. — Você já deveria saber disso.
Antes que Jisung pudesse processar o que estava acontecendo – antes que pudesse sequer considerar se queria processar – Minho inclinou-se para frente e—
Beijou-o.
Foi rápido. Quase imperceptível. Apenas um toque de lábios levemente mais frios que os de um humano, com um sabor residual de algo que lembrava caramelo queimado.
Mas foi real.
Tão real que Jisung ficou paralisado, incapaz de fazer qualquer coisa além de sentir o calor dos lábios de Minho contra os seus – porque é claro que até seu gosto seria perfeito, o que era totalmente injusto.
Minho recuou, estudando o rosto de Jisung com uma expressão indecifrável, aqueles olhos dourados capturando cada microexpressão como um caçador avaliando sua presa.
— …Era isso que você queria, não era?
Jisung abriu a boca. Fechou. Abriu de novo, como um peixe fora d'água – uma comparação que Minho certamente adoraria.
— O QUÊ?!
A porta do quarto se abriu com um estrondo que fez a parede tremer.
— EU OUVI GRITOS— Hyunjin congelou no limiar, seu cabelo despenteado e um extintor de incêndio nas mãos. Seu olhar saltou entre os dois na cama, a expressão se decompondo em câmera lenta. — …NÃO.
— NÃO É O QUE PARECE! — Jisung gritou, tentando (e falhando) se esconder sob um Minho que, sadicamente, decidira se fazer de morto.
Minho sorriu, lento e satisfeito como um gato que acabara de derrubar um vaso caro só para ver o dono correr.
— Então…
— NÃO TEM "ENTÃO"!
Jisung enterrou o rosto nas mãos, desejando que o chão o engolisse – um pedido que, considerando sua sorte, provavelmente resultaria em Minho aprendendo a controlar a terra só para rir dele.
— Eu odeio você.
— EU TAMBÉM ODEIO ELE! — Hyunjin berrou, sacudindo o extintor como um sacerdote exorcista. — MAS PELO AMOR DE DEUS, RESOLVAM ISSO EM PARTICULAR!
Minho, é claro, apenas ronronou, como um gato satisfeito diante de um banquete de caos.
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