1. Spirit Fanfics >
  2. A Testemunha >
  3. Capítulo Cinco

História A Testemunha - Capítulo Cinco


Escrita por: cherrybombshell

Capítulo 5 - Capítulo Cinco


Canissa sabia o que achava bonito e sabia que não era o que o resto do império achava.

Marya em roupas de homem, as mãos grossas e cicatrizadas de sua família, narizes entortados como o de Veena; tudo que parecia real e tocado pela vida de um jeito que nobres, com a pele suave, os lábios rosados e as roupas de seda, nunca iriam ser reais. Ela gostava de olhar Veena cuidando dos cavalos pelo canto dos olhos, ver os músculos nos braços e costas da menina enquanto elas trabalhavam juntas, e ela sabia que quase mais ninguém iria achar o mesmo. Algo ser bonito, para Canissa, sempre foi sinônimo de ser marcado.

Sangue e ossos e toda uma estrutura de carne e pele latejante, hematomas e cicatrizes pulsantes: algo selvagem, visceral, primitivo, se fincando no fundo onde nem o Divino podia tocar. Isso era beleza aos olhos dela.

Ela não sabia se era bonita. Nunca foi uma dúvida que perdeu tempo tendo. Era pequena, escura, orgulhosa das feições que dividia com a mãe e com Babet. Não mudaria o que era. Mas uma coisa era óbvia.

Canissa não parecia uma mulher.

Uma menina, aí claro. Mas mulher mesmo? Ela não tinha o corpo de uma e disso sabia bem, quinze anos nas costas e com uma altura e magreza que facilmente a deixava passar por treze quando uma situação (um esquema) demandava. Entendia que isso fazia muitos olhos passarem batido por ela, desinteressados, e entendia que isso também fazia com que outras encaradas se prolongassem.

Eles tinham um nome para pessoas assim. Usupo'tvet. A mãe dela não a ensinou palavrões como os irmãos, mas ela a ensinou isso.

Marya não a deixou esquecer nem por um segundo.

— Não existe usupo'tvat, Canissa. É tudo o memô nome, mulhé ou homem. Memâ coisa. Se alguém tentá qualqué coisa, alguém te tocá onde cê não qué, cê não para pra se importa com o que eles têm entre as perna. Cê morde até eles sangrá, isso que cê faz.

Mas ela não podia morder o Divino.

Ela não podia nem o chamar pelo que ele era.

Mas ela sabia. E ela entendia, agora, que todo mundo no castelo sabia também.

Veena, por exemplo, era uma dessas.

Canissa ainda estava no mesmo lugar, congelada na mesma posição, quando ela voltou correndo do castelo, sem os suprimentos que tinha ido pegar. A outra menina parou na entrada do pátio e a olhou. Percebeu os olhos arregalados, avermelhados de Canissa, as mãos tremendo, como ela ficava tocando seus lábios.

O Divino já tinha saído fazia um bom tempo. Ia demorar para voltar, mas não ia demorar muito.

— Meu irmão. — Veena parou, cortando a si mesma no meio da frase. Ela engoliu em seco. — Você falou com o Divino?

Canissa a encarou sem responder.

Do jeitinho que ele gosta, o irmão de Veena tinha dito na estrada e se lembrar daquelas palavras a deixava com um sentimento de vazio, desconexa do próprio corpo, tão aterrorizada e oca que quase perdia a raiva que também estava sentindo. Quase. Do jeitinho que ele gosta e os olhos do guarda mais velho passando por ela como se ela fosse só mais uma em uma longa fila de garotinhas destinadas a morte e as risadas deles enquanto eles falavam que queriam ela na cama deles sem medo, sendo que ninguém falaria algo do tipo em Quasha, não com tanta coragem, não tão alto, não achando que ia ser algo aceito.

Ela sempre achou–

Aqueles homens, homens como o irmão de Veena, tinham orgulho. Ela sempre soube disso. Eles não sentiam como se tivessem virado as costas para o povo de Yafa ao se virarem para suas obrigações protegendo o Divino. A maioria era assim.

Ela tinha quase certeza que ser assim era o único jeito de se fazer aquele trabalho.

Canissa costumava pensar neles, de vez em quando. Pensar muito, enquanto crescia. Ela os odiava, mas ela também os olhava, pensava no fato de que ela não tinha morais e que o trabalho pagava bem, deixando o e se retumbar em seu peito. Costumava achar que podia ser assim, se precisasse. Havia pessoas, pessoas boas, que não seriam capazes de se vender de tal maneira e ela achava que tinha o autoconhecimento de saber que não era uma dessas. Achava que sabia que podia ter sido um desses homens. Mas ela era uma menina, e irmã de Babet, e nunca teve a liberdade de virar as costas para esses dois fatos.

Apesar de ter a angustiado no passado, agora ela sabia que nem se tivesse nascido um homem alto e forte teria conseguido escolher um uniforme vermelho e punhos sangrentos ao invés da fome em Quasha.

Não quando vinha com aquilo. Não quando vinha com olhar para uma menininha faminta e ser capaz de pensar do jeitinho que ele gosta.

Ela não sabia mais nem se seria capaz de escolher estar usando aquele uniforme ao invés de estar assim, sentindo traços dos toques do Divino no rosto. Os lábios pinicavam, assim como as pontas dos dedos enquanto as levou na direção deles uma outra vez.

Veena sabia o que o Divino era e o irmão dela sabia e cada um dos guardas que tinha olhado para Canissa e rido sabia também, e ela não tinha certeza se isso a fazia querer vomitar ou dar um soco em alguém. Ela queria que Babet estivesse ali. Queria o irmãozão dela, ou Marya, ou a mãe.

Tudo que ela fez foi abaixar a mão e perguntar para Veena. Sobre o Divino. Sobre o que tinha acontecido.

— O Divino nunca gostô de mim — a outra menina admitiu baixinho. Havia uma dose notável de pena na expressão dela. Havia apreensão também. Nojo, medo forte e sincero assim como o medo de Canissa. Um toque de raiva que era como o dela. — Mas eu já vi acontecer antes. O Divino acha uma menina que ele gosta. Normalmente uma criada, mas de vez em quando umas nobre também. A puta dele descobre. E aí acontece o que eu te falei: ela desaparece com elas. É sempre– sempre assim. Só– só fica se repetindo. Para sempre.

A voz dela estava exausta. Essa foi a parte que mais pegou Canissa. Ela tinha visto muitas crianças morrerem, mas não assim. Não do jeito como Veena tinha: uma fila eterna de menininhas tocadas, menininhas escolhidas, menininhas desaparecidas.

Uma fila que Veena tinha passado anos vendo passar. Uma fila da qual Canissa ia fazer – já fazia – parte.

Ela fechou os olhos. Segurou um soluço.

— Cê pode ficar aqui esperando ele voltá? — perguntou. — Eu– eu preciso sentá.

Veena disse que podia, claro, e uma vez que sozinha no quarto delas, Canissa se viu sentando em frente à cama, incapaz de olhar para o colchão, de pensar no menino que a conseguiu e no que ele tinha feito para o conseguir, e que idade que ele tinha sendo que "ele era mais velho" como Veena falou agora não significava mais nada na cabeça dela. Ela abraçou os joelhos, lágrimas sendo seguradas com desespero enquanto a respiração ficava mais e mais ofegante.

Babet, ela queria chamar, mas ela sabia que ele não estava perto. Um soluço apertou a garganta dela; uma prece presa, uma oração a engasgando enquanto ela fechava os olhos com força e sabia que isso também seria em vão.

Trapaças, sombras, segredos. Três toques no rosto, um beijo para o céu, um templo vazio. Tuala, me mantenha no escuroTuala, me esconda dos olhos dos Homens. Palavras que a ela foram ensinadas por uma sacerdotisa dos olhos pesados, mas que ela nunca repetiu com qualquer sinceridade – ah, como ela queria ser idiota. Como ela queria ser tão idiota ao ponto de crer que, se ficasse ajoelhada por tempo o suficiente, a Deusa dela iria a proteger.

Mas ela não iria. Babet não iria.

Em todo o império, não havia ninguém com aquele tipo de poder.

 

**

 

O Divino pediu especificamente por Canissa a próxima vez que quis andar de cavalo.

E na próxima.

E na vez depois dessa.

Ele estava vindo com muito mais frequência. Fez o estômago de Canissa virar e virar e virar, mas ela não tinha escolha a não ser fazer o que mandavam que ela fizesse. O homem era seu imperador. Ele era a voz dos Deuses na terra, ou pelo menos era nisso que a mãe de Canissa acreditava. Tudo que ele dizia, mesmo quando ele mantinha a voz calma e baixa, e o sorriso suave, era uma ordem. Ordem divina.

Suave.

Não ameaçador.

Era assim que o Divino mantinha os tons e as expressões dele, mesmo quando seus olhos se demoravam pelo corpo de Canissa. Quando ela estremecia, o Divino simplesmente sorria, algo agradável, amistoso, perguntando sobre os cavalos com calma. Sobre o trabalho dela. A rotina. Se ela estava se sentindo bem e comendo bem e precisando de qualquer coisa. Os olhos dele brilhavam sempre que Canissa tropeçava com suas palavras, tropeçava nos próprios pés se aproximando dele com as rédeas e o cavalo na mão.

O rosto dele deixava claro o que ele queria.

Uma vez, as mãos dele hesitaram no quadril dela, ao invés dos olhos só. A mão dele era enrugada, velha contra a pele jovem de Canissa, e ele a deu um aperto. Sorriu quando ela deu um pulo, mas não ousou tentar se distanciar.

— Boa menina — ele a disse baixinho, enquanto ela fechava os olhos e tentava controlar a respiração. A outra mão dele se levantou, colocando um pouco de cabelo para trás do pescoço de Canissa. Os dedos dele roçaram também naquela parte sensível e intocada da pele dela. — Cuida tão bem dos meus cavalos, qualquer dia desses eu terei de te colocar no castelo. Não posso perder uma trabalhadora tão boa assim.

Sobreviva, ela pensava como um mantra, tremendo, sentindo como se a própria pele e carne dela não fosse dela mais. Sobreviva, sobreviva, só sobreviva.

Uma vez, a mão do Divino tocou na cabeça dela de novo. Canissa só pôde segurar a respiração enquanto ele passava os dedos pelos cabelos dela, os anéis se prendendo em alguns cachos, os olhos calmos, pacíficos. Refletido naqueles olhos, ela conseguia quase ver a cena: um dia, não muito no futuro, em que o Divino ia simplesmente se cansar de brincar com a comida dele e a forçar a ficar de joelhos bem no chão sujo dos estábulos.

Boa menina, ele gostava de dizer.

Só sobreviva, só sobreviva, só sobreviva–

Uma vez, a mão do Divino repousou nos ombros dela. Foi para baixo, para as costas, e lá parou, com a promessa de que logo, um dia desses, ele não iria parar a exploração dele tão cedo. Os ouvidos dela apitavam. O corpo dela estava oco de novo, distante de novo. Ela sabia do cheiro pútrido dos cavalos atacando seu nariz, sabia da sujeira em seu rosto, sabia da mão pesando nela – mas a cabeça dela estava vazia, muito vazia, e as lágrimas dela não faziam barulho nenhum, ao ponto de que ela demorou muitos minutos para as perceber.

O Divino não. Ele tinha as visto na hora. Ela sabia que tinha, pela delicadeza do sorriso que ele a lançou naquele momento.

No dia seguinte, guardas que ela nunca tinha visto entraram nos estábulos e disseram que ela estava sendo chamada no jardim real. Ela sabia, então, o que iria acontecer. Nem ela era tão burra que não saberia e, se fosse, o horror no rosto de Veena iria explicar tudo.

Ao menos ele não vai fazê no chão com toda a merda, uma voz na cabeça dela, uma que parecia muito com Babet, a disse enquanto ela seguia os guardas, a fazendo soltar uma risada molhada e aterrorizada enquanto se abraçava. Conte suas bênção, ratinha.

Mas não era o Divino a esperando nos jardins.

Ao invés dele, era uma mulher. Era uma mulher anos mais velha do que Canissa, mas muito anos mais nova do que o homem: a princesa consorte Emanuela.

Ela olhou para os guardas, os olhos arregalados. Eles empurraram ela para frente. Sim, os rostos imóveis deles diziam. Tinha sido ela quem chamou por Canissa.

Sim. Era agora que ela ia fazer Canissa desaparecer como fez com todo o resto.

Canissa nem entendia o título dela.

O que era uma consorte? Uma princesa consorte? Yafa tinha príncipes, historicamente, mas o último a manter esse título foi o Divino antes de virar o Divino, muito antes de Canissa nascer, e até onde ela sabia, era só uma forma de se referir ao herdeiro do imperador. Se ele tivesse mais de um filho, só o mais velho seria príncipe – o segundo mais velho só receberia o título se o verdadeiro herdeiro morresse ou fosse coroado. Se ele tivesse filhas, nenhuma delas viraria princesa, não importa a idade.

A confundia ainda mais, que a consorte tivesse o direito de manter tal título, quando ele nem existia em Yafa antes dela ter vindo. A palavra princesa em si não era uma que eles tinham em sua língua. Soava desleixada, quase que como um apelido maldoso que eles criariam nas ruas, um a enfiado em uma palavra que deveria ter sido mantida no masculino.

O que uma princesa, nem se diga então uma consorte, fazia, politicamente, além de beijar o Divino e fazer caretas bonitas e cheias de escarnia enquanto jogada nos braços dele? Nas poucas peças de rua que Canissa tinha parado para ver, as atrizes que assumiam o papel dela só faziam isso. Quando elas falavam – se essas atrizes falassem – era com um sotaque pesado, frases desconexas, idiotas, apelando por violência enquanto o Divino a apaziguava com carinho, com reviradas de olhos, tapinhas no topo da cabeça como se acalmando uma criancinha pirracenta. A prysha, a piada que fazia toda a audiência rir e Canissa fugir rápido.

Ela não era de Yafa. Isso Canissa sabia bem. Provavelmente não era de um dos reinos no Sul de onde os refugiados vinham, pela aparência. Ela não sabia de onde a mulher era e o que tinha sido o título e vida dela antes. Era o tipo de coisa com a qual crianças como ela não precisavam se preocupar.

Veena tinha a mencionado tantas vezes, a insultado logo no primeiro dia, mas todas as memória estavam desfocadas pela dor e medo constantes dos últimos tempos, embaçando a visão dela. Mesmo enquanto ouvia sobre como a consorte desaparecia com crianças, Canissa tinha estado mais preocupada pensando no marido dela e no que é que ele fazia com aquelas meninas antes.

Antes disso tiveram as peças, as fofocas de Kyia, Babet uma vez mencionando que o Divino era casado com uma zaskoshaka frígida. Nada disso veio de pessoas que sabiam quem ela era. Kyia e Babet não deviam nem saber como a cara dela era.

Agora que estava cara a cara com a consorte, Canissa não podia deixar de pensar que Babet tinha uma certa razão.

Ela nunca tinha visto ninguém com olhos tão frios, fazendo Canissa se encolher como se tivesse recebido um tapa. Um tapa teria sido menos assustador, para ser sincera.

Talvez até o Divino Bashir teria sido melhor e mais bondoso, suas intenções claras e diretas, puro desejo animal, enquanto a consorte a olhava como se estivesse pensando em todas as maneiras inovadoras que poderia a torturar antes de desaparecer com ela. As peças a pintavam de idiota, as fofocas uma sadista mimada, mas ninguém tinha mencionado que os olhos dela, tão conhecidos por serem verdes e sedutores (olhos de feiticeira), aconteciam de ser os olhos mais inteligentes que Canissa já tinha visto.

Estava claro que ela podia pensar em castigos piores do que qualquer outro nobre.

Ela estava sentada em uma mesa nos jardins, um livro na frente de si e um prato com queijo e frutas por perto. Era uma posição normal e as roupas dela, enquanto feitas da seda mais suave e cara que o império importava, não eram tão adornadas assim quando comparadas as roupas de ouro e pele animal do Divino. As da consorte eram bem reveladoras, na verdade, de perto assim. Como uma prostituta ridiculamente rica dada a oportunidade de se vestir.

Mesmo assim, sem uma coroa e sem estar coberta direito, a consorte parecia mais majestosa do que qualquer outro nobre, inclusive o Divino. Canissa sentiu que deveria lhe obedecer cada ordem mesmo que ela fosse, no fim, inferior ao imperador.

Canissa se jogou de joelhos na frente dela quase que imediatamente, nariz quase tocando o chão.

— Para cima — a consorte a disse, simples, mas fria e em comando, e Canissa só pôde obedecer. — Uma carinha de obediente que você tem, não? — Havia um fantasma de um sotaque na voz dela, suave e delicado e quase completamente escondido pelos sons grossos do idioma de Yafa. Canissa manteve a cabeça cuidadosamente abaixada, olhos concentrados nos pés mesmo enquanto sentia a encarada da consorte a queimando com chacota. Observando. Cortando. Calculando. — Toda dócil. Pelo que eu ouvi, meu marido ficou bem encantado por esse rostinho seu. Ele até teve o zelo de pedir para que eles não te acertassem na cara.

Isso Canissa não sabia.

A garganta dela se apertou dolorosamente, o coração seguindo o exemplo, até o peito estar doendo. Era estúpido, mas ela sentia a mais estranha vontade de chorar. O imperador tinha falado sobre ela para "eles". Fez planos que envolviam conservar o rosto de Canissa.

— Me conte — disse a consorte, os cantos dos lábios se levantando em um sorriso tão cruel que mais parecia uma careta. — Ela já te tocou? E não tente mentir, garota. Eu saberei.

— Houveram uns toque, Vossa Majestade — porque Canissa sabia que mentir era inútil, até se a consorte não tivesse falado nada, e de qualquer jeito, ela tinha mudado de ideia. Ser torturada e morta era bem melhor do que os planos que o Divino tinha para ela.

Ela fechou os olhos, engolindo em seco. Nunca o sotaque dela tinha soado tão pobre e burro, todas as vogais e os sons errados, e só ficar em frente a consorte era uma humilhação.

— Houve alguns toques — a mulher corrigiu com claro desgosto e reflexos do que Canissa tinha quase certeza que era um desejo assassino mal segurado. Ela franziu os lábios. — Nada mais?

Ela sentia como se estivessem zombando dela. Canissa balançou a cabeça com firmeza.

— Nada — jurou rápido. Ainda, elas duas sabiam, e um soluço ficou preso na garganta da menina, misericordiosamente incapaz de escapar. — Eu prometo, Vossa Majestade.

A consorte soltou um pequeno som de apreciação. Ou, Canissa tinha esperanças de que fosse de apreciação. Se ela estivesse brava, ou irritada, aí a morte de Canissa só acabaria sendo mais devagar. Houve um segundo de silêncio, o que não era bom, e então...

— Para cima. — Mas Canissa já estava de pé e ela não pôde deixar de arregalar os olhos, confusa com a ordem e doente de tanto medo do castigo que ia vir. A consorte suspirou. — Os olhos, garota.

Canissa começou a os levantar, mas aparentemente ela foi devagar demais. A consorte a pegou pelo queixo, os olhos das duas se encontrando. Era errado depois de todo o tempo que ela passou aprendendo que não deveria olhar. Era um dos momentos mais assustadores da vida dela, depois só da primeira vez em que o Divino a tocou, e talvez do momento em que ela foi a primeira a encontrar Babet depois dele ter sido atacado. Canissa tremeu. A consorte a observou, firme e imóvel, listando cada pequeno detalhe da cara "obediente" de Canissa.

Os olhos dela eram tão verdes e as feições tão lindas, e tudo sobre ela gritava o quão cruel ela era.

— Você será a minha criada pessoal a partir de hoje — ela disse, apertando o queixo de Canissa com dedos fortes e frios até começar a doer. — Eu espero que você me sirva e ajude a me vestir e limpe meus cômodos, e que você lide com mensagens e papeis que eu não tenho tempo para mandar pelo castelo. Desde que você faça esse trabalho, e faça bem, você estará segura do meu marido. — Com isso, ela aumentou o aperto ainda mais. As unhas dela se fincaram na pele da menina. — Você entende o que eu estou te dando, garota?

Canissa concordou fracamente, sabendo que sua expressão estava cheia de choque e confusão, mas incapaz de se controlar. Logicamente, ela entendia. Ela sabia como o que a consorte falava soava. Mas era impossível. Ridículo. Ainda parecia que a mulher, tão viciosa, iria a dar um tapa a qualquer momento. E apesar disso...

Segura, ela tinha dito. O que eu estou te dando.

A consorte a soltou e, imediatamente, Canissa abaixou os olhos.

— Você já foi treinada para não olhar ninguém nos olhos — a consorte notou baixo, contemplativa. Canissa tinha quase certeza que era retórico – a consorte não tinha dado a entender que a afirmação dela era uma pergunta que precisava de resposta. Depois de um segundo, ela soltou, ríspida: — Eu espero por uma resposta adequada quando eu falar com você.

— Desculpa, Vossa Majestade, senhora. — Canissa se sentiu tremendo, sentiu a voz rachando mais do que ouviu, porque ela não conseguia sentir nada acima do seu medo. — Eu fui, sim, Vossa Majestade.

A consorte soltou outro som. Canissa ainda não sabia se era um som irritado ou de apreciação (a expressão dela não revelava nada), mas ela sabia que o que quer que fosse, não era bom para Canissa.

— Você está dispensada, por agora — a consorte a disse, fazendo um gesto com a mão enquanto se voltava para sua mesa e seu livro. — Xuan vai saber como te preparar. Você começa amanhã de manhã. Não se atrase.



Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...