História A viagem de Chihiro - Colar dos deuses - A chegada de Kiyohime

Chihiro ficou paralisada. Olhou-a detalhadamente. Era ela mesma. A princesa, a noiva de Haku.

- Mas o que ela está fazendo aqui? - Pensou um pouco aflita.

Correu, tentando alcançá-la. Entretando seus esforços foram em vão. Os empregados olhando a figura majestosa, a acompanharam até a entrada da Casa.

A morena entrou sorrateiramente pela porta, logo após o alvoroço passar. Viu que acomodaram a figura real no andar de cima, nos cômodos mais luxuosos da casa. Chihiro se escondeu por entre os biombos, que separavam a sala principal das demais salas; estas um pouco menores. Não conseguia ver tudo com clareza, mas aquele ponto era estratégico: era perto o suficiente para ouvir a conversa e também tinha uma visão geral da sala.

- O que será que ela veio fazer aqui? Será que tem notícias de Haku? - Disse baixinho enquanto olhava a movimentação na sala.

Ficou observandopor entre as frestas tão concentrada que nem notou um aproximação. Alguém colocava a mão em seus ombros à fim de chamar-lhe a tenção.

- Ahh!! - Deu um grito, que por sorte não foi escutado por outros presentes. - Você quer me matar de susto?? - Disse se escondendo.

- Mas o que foi? Por que está aí escondida?

- Shhh! Lin…Abaixa!! - Puxou a mão da amiga para que agachasse ao lado dela - Lembra que eu disse que Haku tinha uma noiva..? Ela está aqui..!- Cochichou apontando para o lado que a princesa estava.

- É? Me deixa ver! - Pediu licença e olhou por entre os biombos - Nossa! Mas ela é linda! Com certeza é uma princesa!! O que será que ela tá fazendo aqui Sen? - Perguntou curiosa.

- Isso que quero saber… Por isso ficarei aqui vigiando e você vai me ajudar! - Cobrou.

- Sen! Eu tenho muito o que fazer, não posso ficar aqui e…!

Calaram-se. Ouviram passos na escada. Alguém descia e todos faziam silêncio. Era Boh. Yubaba achou melhor o filho receber a honrada visita. Assim poderia ter uma conversa com a tal princesa, e quem sabe estabelecer laços?

- Queira desculpar minha demora - Curvou-se. Ajoelhou sobre o zabuton* , numa posição de formalidade. -  Sua visita foi um pouco repentina e nem tive tempo de me vestir adequadamente para lhe receber. - Disse reverenciando educadamente.

- Ah..! Não precisa se incomodar com isso. Eu agradeço por me receber! - A princesa lhe respondeu cumprimentando-o. - Realmente o senhor é belo como dizem. Parece até um Deus se me permite dizer... - Disse sorrindo gentil.

Boh sorriu gentilmente agradecendo.

- Faço de suas palavras as minhas.- Respondeu cortês. -  Pelo visto veio das Terras Celestiais, ou estou enganado? - Perguntou enquanto preparava o chá.

Normalmente os empregados preparavam e serviam o chá. Boh só fazia a cerimônia diante das famílias reais, devido ao código de conduta que seguiam. Um ser real deveria ser tratado com cordialidade pelo anfitrião, fora que esta tradição tinha como principal objetivo, evitar golpes ou envenenamentos por parte de terceiros. O jovem mago sabia disso, e realizava a cerimônia com grande maestria.

- Isso mesmo. Na verdade minha residência fica na entrada das terras celestiais. Não me é permitido adentrar o reino…Mas como soube ..? - Perguntou espantada.

- Os padrões de suas vestes é caracteristico de Tengokuzen. A senhorita deve ser  Kiyohime sama não? O que me deve a honra de sua visita? - Respondeu lhe oferecendo a xícara educadamente. Ela aceitou cordial, como se fosse um ritual.

“Nossa, quanta polidez. Ela deve ser realmente importante para o Boh a tratar tão educadamente.”  Pensou Chihiro.

- Eu soube que uma pessoa que procuro trabalhava aqui. E queria saber se você tem alguma notícia e poderia me ajudar. - Contou provando o chá.

- Aqui? Tem certeza?- Estranhou, enquanto tomava o chá.

A princesa apenas assentiu.

- Hum… Diga-me seu nome, quem sabe ele esteja por aqui ainda…- Sugeriu.

- Haku. Haku é o nome dele.

- H-Haku? - Disse franzindo o cenho.

- Sim...É ele quem procuro. Haku sama, meu noivo.

- S-Seu...noivo?! - Disse num tom de espanto.

Chihiro sentiu sua pele se arrepiar. Não queria que Boh soubesse. Não queria que aquela notícia se espalhasse.

“Droga!” Disse em seu interior.

Boh permaneceu calado por alguns instantes. Sua expressão mudou, estava descontente com a notícia. Chihiro notou que suas mãos estavam tensas, amassando a barra de seu quimono. Olhava de soslaio para baixo, como se um turbilhão de pensamentos o invadisse.

- Sinto muito Kiyohime sama. Não tenho como ajudá-la. Infelizmente Haku san deixou essa casa faz muitos anos. - Contou com uma voz apreensiva.

- Não tem nenhuma pista onde posso encontrá-lo? - Disse um pouco alterada, como se o seu último fio de esperança estivesse prestes a romper.

O feiticeiro negativou com a cabeça.

- Sinto muito. Recomendo-a que volte para seu reino. Seus pais devem estar preocupados. Recebi uma carta de Hoderi sama.  - Falou tomando um golé do chá.

- H-Hoderi sama? Essa não! Ele deve estar furioso não? Eu tenho tanto medo dele! - A princesa disse em pânico.

- Ele está um pouco sim, tenho que lhe afirmar. - Falou calmamente -  Por isso, sugiro que volte, assim que tiver notícias de Haku san lhe informarei prontamente. - Prometeu.

- Mas...Eu preciso vê-lo! Ele prometeu que iria me ver assim que retornasse das Terras de Amaterasu! Por que ele não voltou? Íamos nos casar assim que ele retornasse! Esse era nosso acordo! - Disse alterada.

A expressão de Boh se tornara cada vez mais desgostosa com o conteúdo da conversa. Mesmo assim manteve a discrição.

- Eu não posso lhe responder a isso. Ele deve ter seus motivos não? Por ora, peço gentilmente Kiyohime. Volte para seu reino. É muito perigoso andar por aí sozinha, ainda mais com youkais à solta. Se quiser eu posso pedir para que a acompanhem. Infelizmente não posso me ausentar desta casa no momento. - Sugeriu.

- Não! Não irei voltar! Vou procurar o meu noivo e você não me fará mudar de ideia!! - Gritou nervosa, se levantando brutamente.

- Por favor se acalme…! - Tentou se levantar.

Boh sentiu uma sensação muito estranha. Algo invadia seu corpo e sua mente, como se tivesse vida própria. Seus olhos se tornaram claros e de repente sua feição mudou.

“Droga! Não….! De novo não!!!” Pensou aflito, levando sua mãos até sua cabeça. Uma dor aguda invadia sua mente de forma devastadora.

- Boh sama…! Os empregados o chamavam com pavor.

- Kiyohime...Peço para voltar, por favor…- Disse com dificuldade.

- Não!! E está decidido! Se não quer me ajudar, não me impeça! - Retrucou exasperada.

Virou-se repetinamente querendo sair o mais rápido possível dali.

Boh a agarrou pelo braço, impedindo sua saída.

- Me larga!! Está me machucando! - Reclamou querendo desvincilhar.

- Volte para o seu reino! É uma ordem! - Disse agressivo, um pouco descontrolado, apertando seu braço com mais força.

Kiyohime então o empurrou. Puxou uma adaga que estava escondido sobre o quimono e o golpeou, fazendo com que Boh a largasse. O sangue caía devagar pelo seu braço. Uma parte de seu dorso também sangrava. A dor se intensificou, queimando sua pele. Logo se alastrava para o interior de seu corpo, como um veneno que penetra a corrente sanguínea. Sentiu seu corpo se aquecer, percebeu que estava febril. Tossiu fortemente,  cobriusua boca com a mão direita e percebeu que sangue escorria pela sua boca junto com a tosse. Sua visão ficou turva.

-Mas o que…está acontecendo?! - Acabou cambaleando até um de seus joelhos ir ao chão.

" O que ...?!!" O feiticeiro pensou confuso, agitando a cabeça levemente.

Neste momento a princesa correu rapidamente, passou por entre os biombos esbarrando de relance por Sen. Reconheceu a humana fitando seus olhos em milésimos de segundo, mas estava apressada e correu ainda mais até sumir da vista de todos. Como num passe de mágica desapareceu.

Boh acabou caindo de vez ao chão quase inconsciente. Chihiro e Lin correram para socorrê- lo. Todos os empregados ficaram estáticos vendo a cena. Eles temiam alguma reação mais violenta da parte de seu mestre, como aconteceu da última vez.

- Boh! Está bem? - Chihiro perguntou segurando-o.

- Sen! Fique com ele aqui! Irei pegar água para lavar as feridas! Já venho! - Lin disse nervosamente correndo para buscar as ataduras.

- Sen...é você? - Perguntou tentando enxergá-la.

A garota apenas assentiu, olhando-o com tremor devido aos seus machucados.

-  Obrigado…- Disse o feiticeiro acariciando o rosto da garota até fechar os olhos e desmaiar.

*Zabuton: almofada que serve para os joelhos não apoiarem direto no chão duro.