“Todos querem o perfume das flores, mas poucos sujam as suas mãos para cultivá-las.”
Chanyeol nunca soube o que é solidão, cresceu em uma família cheia de sorrisos, encontros e festas. Seus pais sempre o apoiaram e o motivaram em tudo, sem contar sua irmã que o amava tanto, que Chanyeol se perguntava às vezes se era merecedor de tantas memórias felizes. Sua infância fora terna como a explosão de uma supernova ou a eclosão de uma semente, todas as recordações que Chanyeol tinha da época em que ralava o joelho no jardim, eram histórias intermináveis para contar no jantar. Pensava que sua infância jamais cessou, afinal, se é com ela que Chanyeol guardava tanta intimidade, é porque, de fato, ele foi uma criança um dia.
Quando decidiu fazer biologia, sentiu-se um pouco culpado pelo dinheiro que seus pais haviam gastado comprando seus tantos instrumentos quando, um dia, pensou em ser músico. Contudo, Chanyeol sabia que por algum tempo iria oscilar entre a razão e o desejo. Algumas decisões são tomadas com o coração inquieto e o pensamento tomado por muitas coisas que aconteceram e que acontecem, tudo misturado e, sabia também que o tempo seria seu amigo para essas coisas da vida.
E com tal coragem seguiu, sem temer a velocidade, para um futuro que agradou seu coração por inteiro e o fez perceber que não poderia querer outra vida, pelo menos não longe das intermináveis flores que corriam pelo corredor da floricultura de seus pais.
Com certeza Chanyeol era o único que, de fato, entendia de flores. Afinal, seu pai e sua mãe eram médicos e sua irmã professora, a floricultura foi dada como herança quando seu bisavô por parte de pai, faleceu. Lembrava-se bem do dia em que o advogado chegou com as chaves, o pai de Chanyeol sequer sabia que o avô tinha uma floricultura; por que dar a ele? E naquele momento, Chanyeol soube que o que o separava de seu destino eram aquelas chaves cintilando sob seus olhos.
“Filho, tem certeza que vai dar conta? Você ainda tem mais um ano e meio para terminar a faculdade”.
“Não se preocupe pai!”
Talvez tenha sido cedo demais para afirmar tal verdade. A floricultura passou por poucas e boas, o pai de Chanyeol quase a vendeu quando percebeu que o filho estava, mesmo que sem intenção, priorizando as flores do que os estudos. Nesta época, Chanyeol percebeu que a felicidade é como a pluma que o vento vai levando pelo ar, leve. Não soube se algum dia amaria alguém, mas a floricultura e suas flores era algo que verdadeiramente tinha seu amor. Embora a vida seja breve, ainda precisa-se que haja vento.
Depois daquilo, Chanyeol percebeu que existe somente um pequeno momento, uma idade certa para buscar a felicidade, somente uma época na vida de cada pessoa em que é possível sonhar, fazer planos e ter energia bastante para realizá-las a despeito de todas as dificuldades e obstáculos. Existe uma só idade para se encantar com a vida, viver apaixonadamente e desfrutar tudo com toda intensidade sem medo, nem culpa de sentir prazer. Sem culpa de amar o que existe para ser amado.
Seu pai fechou a floricultura por um tempo até que Chanyeol se formasse, começasse sua pós-graduação em botânica e tivesse tempo e disposição para voltar a se dedicar, irmanamente, aos estudos e a floricultura. Ainda mais, naquele mesmo ano, o universo movimentou-se como se estivesse contemplando a órbita de Chanyeol e sua irmã arrumou um emprego como professora de um cursinho noturno e se disponibilizou em ajudar o irmão com a loja. E em menos de três meses depois, arrastou seu noivo para trabalhar com eles. Depois daquilo, Chanyeol cuidou e cultivou todas as flores que pode, depositando sementes em todos os universos possíveis dentro das infinitas cores e cheiros que cobriam a loja.
— Chanyeol, vai querer qual? — e lá estavam na frente da barraquinha da tal tia do Minseok. O florista analisou as opções de macarrão do cardápio, apesar de poucas, eram todas igualmente saborosas aos olhos.
— Você já sabe qual eu quero, Jongdae. Vou pegar aquela mesa ali. — Baekhyun expressou e deu as costas.
— E eu lá vou saber qual ele quer? — Jongdae murmurou para si, mas não sem ser percebido por Chanyeol que riu contido. — Bom, seja qual for, sei que não pode ser apimentado.
— Ele não gosta? — Chanyeol perguntou apressado e parecia esperar mais do que um simples “sim” ou “não”, queria algo que cessasse a vontade de saber mais sobre Baekhyun. Tudo no tatuador era motivo para perguntas.
— Baekhyun mal consegue aguentar o cheiro da pimenta, quem dera comer.
— Acho que vou pedir sem pimenta também… — Chanyeol não soube explicar o porquê pediu a opção sem pimenta, amava pimenta e com certeza acharia o macarrão sem muito sabor, mas Baekhyun não gostava de pimenta.
— Então tá, se quiser pode ir lá com o Baekhyun, vou trocar ideia com a Bada enquanto ela faz os nossos pedidos.
Chanyeol sentou-se na frente de Baekhyun que parecia muito distraído com as flores do outro lado da rua e não soube se seria adequado separá-lo daquele momento. Ele parecia tão imerso em um mundo onde só existia ele e aquelas flores, mas acabou limpando a garganta para que Baekhyun o notasse. O tatuador enrijeceu na cadeira e tombou um pouco a cabeça para frente, evitando qualquer tipo de contato duradouro com o florista.
— Como vai? — Chanyeol começou uma conversa e Baekhyun o fez repetir a pergunta, pois seus ouvidos talvez não acreditaram no que ouviram.
— Vou bem, tudo bem. Vamos bem, quer dizer, o estúdio está indo bem.
Chanyeol riu da fala atrapalhada que o menor trouxe, mas não tanto para que o tatuador ficasse desconfortável. Sempre notou uma certa mudança de postura em Baekhyun quando estava perto dele, nunca soube dizer se aquilo era bom ou ruim, mas definitivamente era complicado. Baekhyun parecia solitário, Chanyeol se pegava pensando se um dia ele poderia conversar com Byun sobre esses assuntos… Gostaria de saber qual o tamanho do universo que existe dentro do menor, queria mergulhar naquela mente, como quando estamos dentro da água, cercados de energias. Sabia que o universo não era ideia dele, mas sabia que a ideia dele do universo, era. Baekhyun era um universo só, uma poeira estelar complexa que Chanyeol não sabia decifrar, era como se tudo se sacudia quando eles tinham pequenas conversas corriqueiras.
— E você, Chanyeol?
— Estou ótimo, aliviado. Entreguei meu projeto parcial do mestrado.
— Nossa, isso é incrível!
— Sim, sou um homem livre por um curto período de tempo.
— Antes livre por pouco tempo do que prisioneiro pelo resto da vida.
Chanyeol sabia que Baekhyun estava falando da sua situação acadêmica, ele até mesmo riu no final da frase, mas ainda assim o florista queria perguntar mais, entender mais, talvez aquela frase fizesse mais sentido para o jovem tatuador do que para ele. Será que Baekhyun sentia-se prisioneiro ou vivia livremente, de pouco em pouco, momentos do dia?
— Você…— Chanyeol congelou. Baekhyun o olhou sereno, inocente e parecia que por um segundo o tempo o engoliu junto com a brisa de verão que passou entre as narinas de Chanyeol. Nunca tinha reparado o quanto Baekhyun era intrigante até mesmo em sua beleza: os cabelos de cor de camélia, as tatuagens, nada parecia combinar com a personalidade tímida e retraída que Chanyeol conhecia. E, naquele único segundo, Baekhyun parecia ser alguém genuinamente feliz.
— Dá licença, dá licença! Vai pra lá, Baekhyun! — Jongdae interrompeu qualquer indício de qualquer coisa, absolutamente qualquer coisa que poderia ter acontecido e Chanyeol ficou frustrado.
— Chanyeol, esse é o seu.
— Obrigado. — o florista pegou sua tigela cuidadosamente e misturou bem o macarrão com o molho e acompanhamentos antes de levá-lo a boca. Baekhyun pensou que até nesses momentos Chanyeol era muito formal, educado, politizado. Ele mesmo nem sequer verbalizou, acreditava que para bom entendedor, meio gesto já bastava.
— Caraca, Jongdae, é muito bom mesmo! — Chanyeol disse entre uma sugada no macarrão e outra, fazia um joinha com a mão e arrancou uma risada alta do mais novo.
— Fala aí! Eu digo, meus amigos, a barraca da tia Bada é literalmente a melhor barraca de macarrão desta cidade.
— Literalmente nada, você não comeu em todas as barracas de macarrão da cidade para dizer que essa é a melhor. — Baekhyun revirou os olhos, comendo e falando ao mesmo tempo. Não esperaria a comida descer para implicar com Jongdae.
— E preciso? — Jongdae bufou — Chanyeol, o que você acha?
— Ahn… — Chanyeol limpou o canto da boca com o guardanapo e engoliu em seco, não sabia exatamente como aquela pequena discussão começou, mas Baekhyun estava ocupado demais comendo seu macarrão para olhar pra ele. E isso talvez o chateasse. — O Baekhyun está certo… Literalmente quer dizer literalmente, sabe? É literal, é quase uma verdade absoluta. Então, se você realmente não tiver provado todos os macarrões de barracas aqui da cidade, você não pode dizer isso, não faz sentido.
— Cara, você é literalmente... um tédio. — Jongdae reclamou e Baekhyun riu ao seu lado, levando uma cotovelada nada discreta.
— Levou cadeirada do acadêmico! E nem fui eu quem falei, hein? — Baekhyun continuava a rir ao provocar seu amigo e o florista pode deslumbrar-se daquela risada que nunca, em quase três anos que dividia a mesma rua, havia ouvido antes. Estranho pensar que conhecia Baekhyun a tanto tempo e nunca pensou que sua risada, até então, lhe era desconhecida. Deleitou-se com aquele som, aquelas curvas nos lábios e se castigou por nunca tê-lo alcançado antes, como se tivesse sido privado de uma sensação nova e explosiva por todo esse tempo.
Baekhyun aflorava pelos lábios na certeza tímida da viagem inocente de um sorriso, era a estrela-guia percorrendo o céu da vida, era pura astrologia poética. Chanyeol sentiu que Baekhyun, assim como ele, talvez tenha sido criança algum dia na vida. Aquele riso era, definitivamente, de uma pessoa que ainda mantinha uma criança dentro de si.
— Meu pai, comi muito. — Jongdae falou num tom monótono enquanto já voltavam para a rua do estúdio e da floricultura. Baekhyun falou algo que Chanyeol não prestou muita atenção, pois seus olhos grudaram em suas costas quando ele tirou o moletom que nunca tirava. O florista viu trejeitos da tatuagem de Baekhyun percorrendo na fenda da regata, nos ombros e talvez a cor branca, translúcida sob o sol, também ajudasse a decifrar aqueles traços tão enigmáticos.
Novamente pegou-se pensando que o conhecia há um tempo considerável e mesmo assim, Chanyeol nunca havia reparado que Baekhyun tinha uma tatuagem nas costas. Quase quis tocá-la, seus dedos formigaram um pouco e seu braço ameaçou levantar, mas logo se conteve. Que tipo de curiosidade intensa era aquela que tinha com o tatuador… queria saber tudo, entender tudo e queria muito ver aquela tatuagem que ele tinha nas costas; sabia que era uma flor, tinha certeza, Baekhyun estava sempre com seu caderno de rascunhos e Chanyeol já viu alguns esboços, sempre flores.
Mas qual?
— Eita! — Jongdae assustou e Chanyeol percebeu certa tensão em sua voz, voltou de seus devaneios para fitar o semblante preocupado do outro enquanto paravam de andar, já quase na frente do estúdio e da floricultura.
— Quando eu acho que não dá pra piorar... — Jongdae concluiu, negando-se em silêncio de falar mais alguma coisa e Chanyeol, confuso, acompanhou seu olhar, depositando os olhos numa figura gótica demais pro calor que estava fazendo. O homem vestia preto da cabeça aos pés e seus braços eram o único vestígio de pele à mostra, e mesmo assim estavam cobertos por tatuagens sem dar espaço para qualquer fendas.
— Kyungsoo? — Baekhyun assustou-se com o que saiu de sua própria boca, não achou que teria voz para falar aquele nome novamente e o florista reparou o quão petrificado o tatuador parecia ao seu lado. Seus ombros, antes leves e dançantes entre a tatuagem, pareciam duas pedras apertando as escápulas para fora da pele.
Chanyeol não soube ler o clima e se atormentou por isso, de novo, nunca sabia dizer se era bom ou ruim. Tudo que envolvia Baekhyun era difícil demais e complexo demais para tirar alguma conclusão, tudo era intrigante e viciosamente curioso.
— Oi, Baekhyun — o homem falou e sua voz parecia triste, arrependida. Isso Chanyeol soube decifrar. — Então… esse é o florista?
“Que tipo de comentário era aquele?” Chanyeol se surpreendeu em como poderia existir alguém mais difícil de ler do que Baekhyun.
Baekhyun ficou meio sem jeito quando Kyungsoo disse aquilo, ainda mais por ele ter dado uma risada um tanto quanto irônica. Logo seus músculos tencionaram novamente em um choque que o despertou daquele momento estranho e saiu apressado em sua direção, claramente se sentindo desconfortável. Chanyeol teve uma sensação esquisita no peito quando o rosado foi correndo até Kyungsoo, entrando com ele pra dentro do café. Até mesmo sentiu um frio na barriga, queria desesperadamente saber quem era aquela pessoa.
— Bom, até mais tarde, cara. — A mão de Jongdae pousou em seu ombro e ele também entrou no café.
Sentiu-se patético quando nem sequer conseguiu perguntar alguma coisa a Jongdae, afinal, talvez não teria sido muito educado se meter na vida dos outros e não queria que ele o interpretasse mal. Queria respeitar o limite das pessoas, principalmente com Baekhyun que lhe parecia tão inalcançável, mas ainda estava intrigado demais para simplesmente voltar a rotina e esquecer que viu aquele homem.
— Droga. — disse a si mesmo, bagunçando os cabelos e arrumando o blazer no corpo. Chanyeol nunca foi uma pessoa impulsiva ou de se precipitar demais, ainda mais em assuntos que não o diz respeito. Embora sentia nas suas entranhas que aquele assunto fazia parte até demais do seu entendimento. Certamente estava confuso, mas não soube decidir sozinho se aquilo era motivo suficiente para se meter. Quer dizer, às vezes nem sabia se Baekhyun realmente gostava dele, presenciava alguns comportamentos introspectivos demais quando estava perto do tatuador.
Igual da vez em que viu Baekhyun encarando sua vitrine numa manhã de primavera, ele tinha um sorriso bobo nos lábios, suas bochechas e orelhas estavam num tom rosado adorável e a cor de seu cabelo parecia mais vibrante do que nunca. Chanyeol estranhou, na época não era tão próximo dos meninos do estúdio como é hoje. Depois de pensar um pouco, achou que Baekhyun estava encarando suas flores, para as usar de referência para algum desenho.
No mesmo dia a tarde foi até o estúdio e levou o vaso de flores que Baekhyun estava olhando. Um vaso de hortênsias volumosas num tom de roxo e muito bem cuidadas, foi posto em cima do balcão junto com um bilhete que dizia “vi que estava olhando, acho que é melhor desenhá-las de perto”. Chanyeol lembra-se bem da reação de Baekhyun quando o viu, o menor saiu correndo e escondeu-se dentro do banheiro.
“Talvez ele não tenha gostado das flores? Ou será que fui muito invasivo?” pensou consigo e tudo o que ouviu foram risos de Jongin e sua esposa, além de um olhar apático e um tanto quanto frio de Sehun.
“Você é mesmo estúpido”.
Sehun disse a ele naquele dia e Chanyeol voltou para a loja perplexo, até pensou em se desculpar com Baekhyun, mas quase nunca conseguia conversar com ele. O Byun sempre se escondia ou não parecia muito confortável na presença do florista. Demorou um pouco até que sentiu uma abertura do tatuador, talvez a insistência tenha ajudado, mas definitivamente ele parecia uma pessoa mais próxima do que antes.
— Por que fez aquilo? — Baekhyun trazia uma frustração que, infelizmente, já era conhecida na voz por Kyungsoo. — Que merda, Kyung!
O apelido havia tirado toda a tensão dos ombros que Kyungsoo carregava e ele pode, enfim, soltar o ar pela boca. Só Baekhyun o chamava assim. O tatuador o fitava com um semblante infantil e o bico em seus lábios tirou um sorriso pretensioso de Kyungsoo que puxou a franja negra pra trás, finalmente o encarando nos olhos.
— Desculpe. — Kyungsoo começou baixo e colocou as mãos na cintura. — Ignora o que eu falei. Acho que só queria conversar com você, te ver de novo, mas parece que eu continuo errando.
O tatuador agora tinha um olhar penoso e receoso. Encarou Kyungsoo com os olhos incertos, afinal, não o via fazia meses, mas aquelas palavras o aconchegavam de uma forma inusitada. Apesar de Kyungsoo e Baekhyun terem namorado por um curto período de tempo, a relação fora intensa e caótica. Logo quando Baekhyun começou a trabalhar com Jongin e morar com Sehun, Kyungsoo apareceu no estúdio para fazer uma tatuagem e Baekhyun, na época aprendiz, observou todo o processo militarmente anotando e gravando tudo o que Jongin lhe dizia. Depois disso, Kyungsoo voltou mais duas vezes para retocar o grande rosto de tigre oriental no antebraço e Baekhyun pediu seu número.
Até hoje não sabe dizer se aqueles olhos tristes, os lábios, que apesar de na maioria das vezes selados, querem dizer muito mais do que aparentam, o jeito quieto e a voz carregada de sentimento o levaram a se apaixonar, ou se Kyungsoo apenas estava lá no momento certo e Baekhyun tinha uma necessidade voraz de ter alguém ao seu lado, um porto seguro. Ambos estavam presos ao que lhes feriam, começaram um relacionamento baseado em um amor inocente, porém, com um propósito danoso; com o passar do tempo aquele sentimento ficou por muito tempo corroendo a genuinidade que um dia existiu. Baekhyun e Kyungsoo ficaram diante de uma porta da qual haviam batido inúmeras vezes e ouvido apenas o eco daquelas batidas, das suas vozes. A casa estava vazia, ninguém habitava mais ali e o destino que os uniu estava fadado ao fracasso.
Baekhyun era combustível e Kyungsoo comburente, dois pares altamente inflamáveis que, assim como, quaisquer produtos químicos e elementos instáveis da natureza se tornaram incapazes de reverter uma reação que deu origem a um produto de gosto amargo, instável e que ao ser experimentado provocou efeitos adversos. Formou-se então um sentimento que ainda os machuca, os fere e que apesar disso é o que ainda os une. A decepção do adeus, a desilusão da mentira, o fracasso por não ter sabido reverter aquilo que deveria ter sido para sempre. E como nos dramas mais rebuscados cheios de altos e baixos onde o desfecho é em sua maioria o desencontro ou a morte daquilo que deveria permanecer vivo, se desencontraram, perderam a chance de provar não aos outros mas a si próprios que talvez, poderia ser possível fazer brotar uma rosa no deserto.
Brigas e desentendimentos seguidas de noites de prazer e de preenchimento regava o jardim de emoções dos jovens estavam ficando cada vez mais frequente e Kyungsoo não sabia mais se aquele relacionamento poderia se sustentar por mais tempo. Sabia, por céus sabia, que Baekhyun não o merecia e inconscientemente parecia fazer de tudo para que o tatuador o largasse e procurasse alguma outra forma de se sentir amado. Kyungsoo se culpava todos os dias por não poder prover de uma segurança e afeto que Baekhyun expressava em seus olhos, todas as noites em sua cama quando conversavam sobre o universo, filmes, flores e sobre o amor.
“Tem certeza que não quer que eu passe a noite aí?”
“Tenho sim, Baekhyun, não estou na minha melhor versão”.
“Eu conheço todas as suas versões… não quer mesmo que eu lhe ajude a segurar essa barra?”
“Baekhyun”.
“Sim?”
“Eu te amo”.
Quando o melhor amigo de Kyungsoo morreu por uma overdose, Baekhyun ouviu pela primeira vez, mesmo que por telefone, aquelas palavras que tanto, mas tanto esperava ouvir. Lembra-se de chorar por horas sozinho no banheiro do apartamento esperando que Kyungsoo pedisse que fosse até lá. Entretanto, mesmo que soubesse que poderia simplesmente ir sem avisar, sabia que algo estranhamente o impedia de cruzar uma linha imaginária com Kyungsoo e acabar caindo em falácias e mentiras que tentou evitar durante o quase dois anos que ficaram juntos.
“Pequeno, você quer conversar?”
“Nini, eu não consigo mais...”
“Eu sei, eu sei”.
“Parece que quanto mais eu me aproximo, mais tenho a sensação de estar segurando água entre meus dedos… vê-lo se safar tão fácil, tão…”
Cada vez mais Baekhyun e Kyungsoo construíam um relacionamento de fachada, cada vez mais Kyungsoo se afastava e se auto-destruía, cada vez Baekhyun tratava Kyungsoo com frieza, até mesmo nos momentos em que Kyungsoo pedia, em prantos, dar-lhe outra chance ou quando genuinamente tentava melhorar. Baekhyun também parecia estar se perdendo e se auto-destruindo aos poucos, a relação se tornou insustentável. Apesar de que, por um momento, todos acharam que daria certo, pois parecia quase como um destino fático e retirado de um livro: ambos fugiram de casa, ambos abriram mão de coisas insubstituíveis, ambos sofreram e ambos acreditaram poder substituir um ao outro.
“Baekhyun, eu tenho ensaio com a banda hoje, mas depois que eu terminar, ‘tá afim de ir comer naquele restaurante que você curte? Eu recebi ontem e…”
“Não”.
“Mas é o seu preferido e eu-”
“Kyungsoo, eu já disse que não. Vai ensaiar, eu ‘tô cansado e vou dormir em casa”.
Até mesmo teve uma vez em que Baekhyun, num episódio de fúria, quebrou os copos que Sehun acabara de comprar quando tentou jogar em Kyungsoo. Embora o mais estranho de tudo aquilo, era que havia amor, havia carinho e havia um sentimento mais profundo e mútuo de complicidade do que qualquer outra coisa, mas Baekhyun sabia que aquele sentimento tinha um valor de ouro que jamais conseguiria pagar. E, Kyungsoo sabia que relacionamentos que não se sustentam mais, utilizam tanto o ponto final que acabam virando reticências.
E assim, como o sol nasce e o vento sopra, aquele relacionamento acabou.
— Do Kyungsoo! — Jongin gritou quando viu o mais novo no café. — E aí, cara?! Já é seu horário?
— Hyung, quanto tempo! — Kyungsoo o cumprimentou com um encontro de mãos alto e um meio abraço. — Cheguei um pouco cedo...
— Bom, sem problemas. O Baekhyun está livre, né? — Jongin comentou simples e sem maldade, mas Baekhyun franziu o cenho ao encarar seu amigo que pareceu um pouco desconcertado.
— Ah.... então parece que alguém não contou pra outro alguém que iria fazer uma tatuagem com esse mesmo alguém. — Jongin tentou conter a risada, achava hilário como os jovens resolviam as coisas.
— Desculpe, Baekhyun, achei que se você soubesse que era eu que viria, talvez não quisesse me aten-
— Pode ir parando. — Baekhyun o interrompeu e fechou os olhos naquela expressão que seu ex-namorado sempre achou adorável: comprimiu os lábios, inclinou a cabeça um pouquinho pro lado e fechou os olhos como se estivesse pensando exageradamente mais do que o necessário para responder. — Que tipo de ideia é essa? — Kyungsoo engoliu em seco quando Baekhyun disse aquilo, estava já sem forças nas pernas e pensou em sair correndo. Antes que retrucasse um tímido “me desculpe”, o rosado o interrompeu novamente:
— Por que caralhos você pensou em uma coisa dessas?
— O que?
— Cara, eu nem te reconheço mais… É óbvio que iria te tatuar, eu mesmo não te disse uma vez que os únicos tatuadores possíveis pra você era eu e o Nini?!
Kyungsoo não pode segurar um sorriso e acenou com a cabeça, extremamente feliz e realizado que poderia chorar. Talvez havia passado tempo demais longe de Baekhyun e esquecera como o ex-namorado era gentil, no final das contas, acabou virando o polo de aconchego que Kyungsoo passou quase que a vida toda procurando.
— Bom, e o que vai tatuar? — Baekhyun o questionou quando o levava para a sala de aplicação. — Espero que não seja nenhuma frase de música, sabe que eu nunca gostei dessas suas tatuagens escritas, são bregas.
— Nem se for uma declaração pra você? — Kyungsoo riu da expressão de tédio que o outro fez para si, trazendo algumas memórias gostosa do dia em que tatuou uma frase de uma das músicas favoritas de Baekhyun. Tempos de intensidade, impulsividade; bons tempos.
— Falando sério, vai tatuar o que? — Baekhyun sentou na cadeira, colocando as luvas e preparando o material enquanto, à sua frente, Kyungsoo o fitava intenso.
— Hortênsia.
— Ahn? — Baekhyun se surpreendeu e observou o fio de riso formar os lábios grossos do antigo amante. Sempre pensou como era possível algo tão singelo nascer em um lugar tão corrompido.
— Eu vou tatuar uma hortênsia.
E naquele momento, Baekhyun sorriu. Sentiu um aperto no peito, mas apesar da pontada incômoda, soube decifrá-la como boa e genuína. Hortênsias eram a terceira flor favorita de Baekhyun, além também de comporem o presente que Kyungsoo lhe deu em seu aniversário, quando começaram a namorar. Aquela noite foi boa, uma das poucas que terminou bem. O tatuador pensou que essa sensação era boa. A sensação das lembranças.
Afinal de contas, sempre soube que o tempo permitiria alguns reencontros sem culpas, porque sabia que era bom demais sempre sentir mais uma vez.
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