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História Coração Congelado - Ao Cair Da Noite


Escrita por: NinaBlack e FTU

Notas do Autor


Primeiro capítulo ano!! Espero que tenham tido um ótimo Ano Novo, e que esse 2022 seja ótimo para todos nós!
Agora, fiquem com mais um capítulo!

Leitura crítica: @Blancchan

Capítulo 7 - Ao Cair Da Noite


 Gray era um rapaz teimoso, isso era inegável.

 Lembrava-se de quando era pequeno, e ele e Lyon tinham brigada feio porque um havia estragado o brinquedo do outro, e o menino de cabelos brancos tinha dado um chute no joelho do moreno tão forte, que foi possível escutar o barulho do osso estalando. Gray, ao invés de procurar ajuda, fingiu por um mês inteiro que estava tudo bem, e se recusava a mancar, mesmo que isto fizesse seu joelho doer mais.

 Mas ele não abaixava sua guarda.

 E, naquele momento que se encontrava, com seu estômago implorando por comida, ele continuava negando a possibilidade de jantar, ou de comer qualquer coisa que pudesse existir naquele maldito castelo. Segundo ele, era um ultraje ele se submeter à Juvia daquela forma, principalmente depois de tudo o que aconteceu alguns minutos atrás.

 Seu estômago roncou novamente, dessa vez, bem alto. Ele colocou a mão na barriga, onde doía um pouco, e fez uma careta. Poderia ser o mais teimoso que fosse, mas seu corpo tinha limites, e ele estava chegando ao seu.

 ― Droga… ― Ele gemeu em desconforto enquanto se levantava do parapeito da janela de seu quarto, e seguiu até a porta, que permanecia fechada. Depois do estrondo que escutou, tudo ficou em silêncio, e, aos poucos, ele conseguiu escutar passos indo embora dali. Ele estava sozinho novamente.

 Ele não sabia muito bem o que havia acontecido do lado de fora naquele momento, a única coisa que percebeu foi o barulho muito alto, as paredes tremendo, e um frio descomunal e repentino. Juvia era uma pessoa instável.

 Pessoa? Ele ainda tinha suas dúvidas.

 Caminhou lentamente até a porta, e a observou, para ver se algo havia se quebrado. Percebeu que a maçaneta estava desencaixada, o que fazia com que a porta não ficasse mais trancada. 

 ― O impacto de seja lá o que for deve ter estragado essa maçaneta… ― Gray comentou para si mesmo, enquanto tocava no metal e a girava, percebendo que suas conclusões estavam certas.

 Abriu uma fresta, ainda desconfiado e com um pouco de medo do que o esperava a partir dali. Olhou para o corredor, e tudo estava escuro, assim como a noite lá fora, que acabara de chegar. Não escutava nada além da sua respiração e do barulho do vento passando por entre as cortinas.

 Colocou um pé para fora, depois o outro, e pôs-se a andar cautelosamente para onde ele chutava ter uma escada que levaria para a cozinha. Novamente, aquele ar sombrio no castelo não combinava nem um pouco com os corredores elegantes, segundo ele.

 ― Onde pensa que vai? ― Ele escuta uma voz familiar, e sua nuca se arrepia. Em um pulo, ele dá meia volta, e encontra um rapaz de cabelos rosas saindo de trás de uma das estátuas de enfeite no corredor, com as mãos nos bolsos e com uma cara de tédio.

 ― Você. ― O moreno já se colocou na defensiva, pensando que o outro fosse atacá-lo.

 ― Você é idiota, não é? ― O rosado disse, tombando levemente a cabeça, analisando ele. ― Causa todo aquele problema com a rainha, e ainda se acha no direito de enfrentar os moradores daqui. ― ele começou a caminhar lentamente até Gray, sem pretensão nenhuma de lutar. ― E outra coisa… Você, não. Sou Natsu Dragneel.

 Agora foi a vez de Gray tombar a cabeça, porém em confusão. Por que ele estava se apresentando para ele? Não fazia sentido.

 ― Por que você… ― Gray começou a balbuciar, mas Natsu o interrompeu.

 ― Já sei quem é você, Gray Fullbuster. ― Ele parou na frente do rapaz, olhando-o no fundo dos olhos. ― Todo mundo nesse castelo sabe. Mas não respondeu minha pergunta, onde estava indo?

 Gray o encarou de volta, percebendo que algo estava diferente nele.

 ― Seus cristais… ― Ele sussurrou. ― Eles não estão aparecendo.

 Natsu instintivamente colocou uma de suas mãos no rosto, pensando que os cristais já teriam aparecido, mas ele não sentiu nada. Com isso, soltou uma risada seca.

 ― Você não sabe de muita coisa, não é? ― Ele comentou, olhando o semblante de confusão do moreno. ― Não é como se andássemos com essas coisas na nossa pele o tempo todo… ― ele resmungou.

 ― Como…? ― ele ia perguntar mais especificamente sobre essa questão, mas foi interrompido pelo seu próprio estômago, denunciando para Natsu que estava horas sem receber nenhum tipo de alimento.

 ― Parece com fome. ― O rosado levantou uma sobrancelha, com o olhar levemente debochado e sem se importar de não responder a pergunta do moreno.. ― Não quis jantar com a rainha por puro orgulho, ou medo. Deveria deixar você morrer de fome mesmo.

 Passou do lado do moreno, e começou a caminhar calmamente para onde Gray estava indo minutos atrás, enquanto cantava uma música em um idioma que o Fullbuster não reconhecia. Percebendo que Gray não estava o seguindo, ele parou e virou levemente o rosto.

 ― Eu estava brincando. Ninguém aqui quer te matar de fome. Não existem piadas na sua vila? ― Ele revirou os olhos. ― Vem logo, vou te levar à cozinha.

 E assim, Gray começou a seguir o rapaz, sendo guiado pela sua fome, e o rosado voltou a cantarolar a música estrangeira, como se o Fullbuster não estivesse ali.

 ― Eu conheço uma que quer ― Gray resmungou bem baixinho enquanto passavam pelo corredor, mas foi o suficiente para que Natsu pudesse escutar.

 ― Juvia nunca quis te matar ― Ele comentou, nem se dando ao trabalho de encarar o rapaz.

 ― Você não viu o que ela fez comigo? ― Gray alterou um pouco a voz.

 Natsu parou e se virou para o moreno.

 ― Olha, eu não ligo pros motivos de você estar aqui. Eu não dou a mínima para sua mãe ou para o seu irmão. Mas de uma coisa eu me preocupo, e é com o povo desse castelo, incluindo a rainha. E eu te digo… Juvia não quer te matar, porque ela não é esse monstro que você pensa. Mas você… ― Ele apontou para o peito de Gray. ― Ainda é idiota o suficiente para não procurar saber sobre isso.

 ― Então vai me dizer que ninguém nunca morreu aqui? ― Gray questionou com acidez.

 Natsu vacilou.

 ― Claro que já. Depois de tudo o que aconteceu... Mas ela nunca matou ninguém intencionalmente, como está pensando. Ela não é assim.

 ― Um belo discurso para retirar a culpa da única pessoa com uma magia destrutiva desse maldito lugar. ― Natsu ergueu a sobrancelha com esse comentário.

 ― O que sabe sobre culpa para dizer com tanta propriedade assim sobre as ações de uma pessoa que você mal conhece?

 Gray ficou sem saber o que responder, o que fez com que Natsu respirasse fundo e ficasse em silêncio por alguns segundos.

 ― Antes que você continue falando mais merda, venha, vamos logo pra cozinha. ― E pôs-se a andar novamente.

 O castelo, tanto nas escadarias, quanto nos corredores, estava tudo vazio. Mas havia um clima estranho no ar, como se, ao mesmo tempo que percebia que tudo estava solitário e silencioso, sentia-se observado. Isso o fazia olhar para trás e para os lados constantemente.

 ― Não acha que deveriam acender, pelo menos, um pouco das velas desse lugar? É escuro demais. ― Ele comentou para Natsu, que olhou ao redor. Gray nunca foi de querer iniciar uma conversa com ninguém, sempre guardou muitos pensamentos para si, mas aquele lugar… O silêncio dali era ensurdecedor.

 Era como se esse castelo não tivesse sido construído para ficar dessa forma… Tenebroso e silencioso.

 ― Eu já me acostumei com os corredores dessa forma. Escuro. ― Ele diminuiu a velocidade do seu passo, como que se tivesse lembrado de algo, e, pela pouca expressão que Gray conseguia ver naquele momento, parecia um sentimento de nostalgia.

 Nostalgia, não.

 Saudade.

 Seus olhos brilharam levemente, e o que parecia ser o início de um sorriso estava se formando em seu rosto. Porém, na mesma rapidez que essa lembrança poderia ter chegado à sua mente, ela se foi, já que ele limpou a garganta e prosseguiu pelos corredores. Gray não tocou mais no assunto.

 Depois de descerem mais algumas escadarias, o moreno começou a sentir cheiro de comida sendo preparada. Comida, não, um banquete. Aromas doces, cítricos, salgados, cheiro de carne sendo assada e ensopados sendo cozinhados começavam a impregnar seu nariz conforme ambos caminhavam por um corredor de aparência mais rústica, porém muito limpo e elegante. Sua barriga roncou novamente, e, dessa vez, bem alto.

 Natsu, que estava na frente, abriu uma das portas laterais, que parecia ser feita de uma madeira um pouco mais leve que o restante das portas do palácio, e esperou que Gray o seguisse.

 O moreno, ao entrar no cômodo novo para ele, deu de cara com uma enorme cozinha. O chão de mármore, assim como as lajotas nas paredes, tinham cores em variados tons de azul e cinza, contrastando com as bancadas de madeira de carvalho, os seis fogões à lenha dispostos um do lado do outro, e mais vários outros utensílios que ele mesmo não fazia a menor ideia do que se tratavam. Panelas de ferro e cobre lotavam as bocas do fogão, e vapor de água e líquidos borbulhantes quase escorriam nas mesmas, aumentando ainda mais o aroma de comida boa no ar.

 Do outro lado, havia vários fornos grandes, que pareciam assar vários tipos de carnes e peixes, e seu calor esquentou todo o cômodo, de modo que todos que estavam ali, trabalhando, estava com roupas frescas, e nenhum casaco.

 Pessoas… Era a primeira vez que via tanta gente parecida com ele desde que fora parar nesse lugar.

 ― A sopa de cebola está quase pronta! ― Uma jovem de cabelos curtos e violetas gritava, enquanto mexia vigorosamente o conteúdo de uma das panelas com uma enorme colher de pau.

 ― Preciso dessa sopa e do cordeiro assado em trinta minutos, Kinana! A rainha ainda não jantou, temos que estar preparados! ― Uma outra moça, de cabelos mais curtos que o da outra, e brancos, conversava com a jovem, enquanto levava uma pilha de pratos para uma das bancadas.

 Gray parou, ainda confuso. Conseguia ver mais pessoas, homens e mulheres, trabalhando em vários pontos da cozinha, mas todos estavam tão atarefados, que ele mal conseguia discernir se, por acaso, conhecia um rosto familiar. Natsu, ao contrário, rodopiava por entre as pessoas com facilidade, cumprimentando algumas pelo percurso. Gray tentou acompanhá-lo, mas começou a esbarrar em vários dos funcionários, que, aos poucos, começaram a perceber sua presença ali.

 ― Natsu? ― A moça de cabelos brancos e curtos se aproximou do rapaz e abraçou-lhe. ― Não sabia que iria vir ajudar na cozinha hoje.

 ― Eu não vim aqui para isso, Lis. ― O rapaz sorriu, e olhou para Gray, atrás de si. ― Ele quer comida. Parece que não comeu nada desde de manhã.

 A jovem encarou Gray, e seus redondos e expressivos olhos azuis se arregalaram.

 ― M-Mas… Ele é o prisioneiro da rainha.

 Natsu olhou para os lados com preocupação, e, com um aceno de cabeça, discretamente indicou para Gray e a moça uma porta no fundo da cozinha. Os três caminharam até lá, e depois de atravessar a porta, viram-se em uma pequena sala de jantar. Nada comparado à Sala Principal. Essa parecia ser mais aconchegante, e menor. Tinha uma mesa para oito lugares, e as poltronas ao redor eram todas almofadas de ver musgo, combinando com os detalhes no papel de parede do local, que eram em verde e dourado. Havia uma pequena lareira na frente da mesa, que estava acesa, e tinha vasos de flores de inverno em cima delas. Na parede, havia vários quadros, que pareciam ser pintados por diversas pessoas, e não um pintor em comum. Haviam poucas janelas em uma parede, que estavam com as cortinas presas, mostrando que o céu já estava escuro, e as estrelas começavam a aparecer timidamente ali em cima.

 ― Uau… Aqui é… ― Gray começou a falar, mas não lhe cabiam palavras para terminar a frase.

 ― Confortável. ― Natsu apressou-se e se sentou em uma das poltronas, jogando todo seu corpo para trás e soltando um suspiro de alívio.

 ― Natsu. ― A menina, que ele chamou de Lis, estava parada perto da porta, que ela mesma havia fechado, encarando os dois com preocupação. ― Srta. Lucy me informou que… A rainha não quer que ele coma nada. Sem refeições.

 ― Lisanna. ― O rosado aprumou-se na cadeira. ― Eu escutei isso vindo de Juvia.

 ― E mesmo assim quer desobedecê-la? ― Ela cruzou os braços. ― Soube que ela não está em um bom dia.

 ― Não está. ― Natsu tentou evitar contato visual com Gray. ― Mas eu sei que ela disse isso no calor do momento. Ela não quer que ele passe fome. Dê a ele um pouco do jantar de hoje, e se ela achar ruim, eu me responsabilizo.

 A jovem arqueou uma sobrancelha.

 ― Não me surpreende em nada você tomar as dores pelos outros mas… Por ele? ― Ela olhou com preocupação para o moreno, que ficou confuso.

 O que tem ele?

 ― Eu sei que sou só um prisioneiro. ― Gray se aproximou da jovem, cautelosamente. Ela era poucos centímetros mais baixa que ele, e tinha a pele bem clara e rosada, realçando tanto seus fios brancos quanto seus olhos azuis. ― Mas eu preciso comer.

 ― Eu sei que precisa comer… E não é só um prisioneiro. ― Ela sussurrou essa última parte, deixando Gray confuso, pensando se, talvez, não tenha escutado algo errado. ― Está bem. Vou pedir para Lucy me ajudar a montar um jantar para vocês. Mas fique sabendo, que daqui há alguns minutos, Bisca e Alzack vão vir aqui jantar com Asuka, Wendy e Romeo. Então não sei se vou conseguir disfarçar que o prisioneiro está aqui.

 E, dito isso, ela saiu, fechando a porta em seguida.

 ― Uau… Lisanna não está de bom humor hoje… ― Natsu suspirou, cansado.

 ― Lisanna…? ― Gray perguntou, olhando para os lados, e, com mais confiança, sentou-se no lado oposto de Natsu, ainda um pouco desconfiado da benevolência do rosado.

 Talvez ele não era a pessoa cruel que pensava que era.

 Mas ainda era precipitado demais tirar conclusões como esta.

 ― Uma velha amiga. ― Ele comentou olhando para a janela, mais precisamente, para o céu estrelado. ― Vai ajudar. A única coisa que não pode acontecer é Juvia saber que está aqui. Mas acho que você já sabe disso, Fullbuster.

 ― Por que está me ajudando? Você tentou me matar quando eu cheguei aqui, não vou me esquecer disso por um prato de comida. ― O moreno, ainda desconfiado, disse de forma ríspida.

 Natsu o encarou, do outro lado da mesa, com um semblante impassível.

 ― Eu já te disse, Fullbuster. Não vamos te deixar morrer de fome, não é assim que lidamos com as coisas por aqui. ― Ele se inclinou para frente, e sua expressão mudou, ficou mais sombria. ― E também… Eu não estou fazendo isso porque quero que esqueça da nossa luta. Na verdade… É muito bom você se lembrar do que eu sou capaz antes de decidir fazer alguma merda nesse lugar.

 Gray ficou em silêncio, absorvendo essas palavras. Ele, definitivamente, não estava em posição de arrumar briga com ele, apesar de querer muito fazer isso naquele momento.

 Minutos depois, a porta da cozinha se abriu, e de lá, veio uma jovem de cabelos longos e loiros, carregando uma bandeja com dois pratos bem cheios de comida. Gray reconheceu o rosto da moça. Foi a mesma que foi ao seu quarto mais cedo, com Juvia.

 ― Você. ― Ele sussurrou. ― Você estava com a rainha mais cedo, não estava?

 A loira enrubesceu, e Gray sentiu suas orelhas queimarem. Não pela loira, mas pelo olhar fulminante que o rosado estava dando à ele nesse momento.

 ― Estava. ― A loira cumprimentou ele com uma pequena reverência, e colocou um prato à sua frente, outro à frente de Natsu, e depois sentou-se perto do rosado e pegou mais um prato para si. 

 ― Está bem, Lucy? ― Natsu comentou ao ver que a loira iria se juntar à eles para o jantar.

 ― Sim. Lisanna voltou a ajudar na cozinha hoje, já está se sentindo melhor… Pelo menos é uma ajuda a mais por aqui. ― Ela disse sorrindo de forma cansada. Gray reconhecia esse semblante da moça. Ela parecia estar o dia inteiro trabalhando, fora toda aquela situação que ocorreu na porta do seu quarto, que deveria ter assustado a todos.

 Ficou intrigado. Porque ajudam tanto Juvia, que, claramente, não faz nada por eles? Não seria por título nem compromisso com a nobreza, já que esse castelo era para ser apenas uma lenda, ninguém se lembra dele.

 Mas seus pensamentos sumiram como fumaça quando sentiu o cheiro de comida na sua frente. Era um guisado de frango com vegetais cozidos, que estavam no ponto perfeito. Antes de começar a comer, como se tivesse esquecido, Lucy se levantou rapidamente e foi até uma cristaleira perto da janela, de onde, de um armário, tirou uma garrafa de vinho, que parecia já estar lá propositalmente, e três taças.

 Serviu os rapazes e a si mesma, dando um gole generoso na bebida. Gray, ainda receoso, esperou que tanto ela quanto Natsu bebessem, e depois que viu que tudo estava bem, tomou um gole.

 E era o melhor vinho que já havia bebido na vida.

 Não sabia de onde veio, nem qual safra, mas pagaria tudo para poder levar uma garrafa dessa para seus irmãos e sua mãe experimentarem. Até mesmo o velho Makarov e Porlyusica iriam adorar a bebida. 

 Mas eles não se veriam novamente. Tinha que parar com esses pensamentos, iriam só trazer mais dor para ele.

 ― Muito bom… ― Escutou a voz de Natsu, enquanto ele terminava de beber o que estava em sua taça rapidamente, e se encostou na poltrona, fechando os olhos e aproveitando o sabor de uva na sua boca. ― Saudades de Caelum. Eles sempre fizeram o melhor vinho que existe em Ishgar.

 ― Caelum? ― Gray perguntou.

 ― A ilha de Caelum. Nunca ouviu falar? ― O rosado abriu um dos olhos, e encarou Gray. ― Fica ao sul de Fiore. É famosa pelas bebidas. Quase tudo o que é vendido aqui vem de lá.

 ― Como sabe tanto? ― O moreno perguntou, ainda desconfiado.

 Natsu vacilou um pouco, e ajeitou sua postura na cadeira, visivelmente incomodado.

 ― Sempre gostávamos de viajar. Sempre que podíamos, visitávamos um canto diferente do mundo, e isso era maravilhoso… ― Ele sorriu da mesma forma de antes. Havia saudade em sua fala. ― Mas agora isso não é mais possível.

 Gray engoliu em seco. Ele não fazia ideia de como era o mundo fora de Magnolia, e isso sempre foi um sonho seu. Mas como poderia abandonar sua família e simplesmente sair por aí? Era impossível.

 ― Nunca viajou, Sr. Fullbuster? ― Lucy perguntou, enquanto terminava de engolir um pedaço de cenoura, atenta à conversa dos dois.

 ― Não. Nunca tive a oportunidade. ― E ele abaixou a cabeça, focando em seu prato. Não queria falar disso com desconhecidos, principalmente naquele lugar. ― Quando você diz “gostávamos”... 

 ― Eu, Juvia, Lisanna, Mira... ― Natsu começou a contar nos dedos, e os olhos de Gay se arregalaram quando escutou o nome de Juvia.

 ― Levavam ela com vocês? ― A pergunta saiu involuntária de sua mente.

 ― Como assim? ― O rosado perguntou, já fechando a cara.

 ― Ela. Por que ela iria junto? Não me parece o tipo de pessoa que gosta de se divertir.

 Natsu se virou para Lucy, e os dois se entreolharam, com os olhos arregalados do que acabara de escutar. Depois, sem que Gray pudesse prever, começaram as gargalhadas altas.

 ― M-Me perdoe, senhor… ― Lucy dizia entre uma risada ou outra. Gray começou a se irritar, além de prisioneiro, tinha virado um bobo da corte?

 ― Juvia? ― Natsu perguntou, no meio das risadas. ― Juvia era a mulher que mais fazia festas em toda Fiore. Era maravilhoso, vinham pessoas de todo o continente só para ver seu castelo todo decorado. Um dia, ela contratou artistas de Desierto só para seu aniversário. Foi memorável… Falaram disso por meses!

 ― Então acho que estavam falando da pessoa errada. ― Gray levantou seu olhar para os dois, que se calaram. Natsu pigarreou, claramente percebendo que falara mais do que deveria para o prisioneiro.

 ― Claro que não estamos. Muita coisa mudou. Juvia mudou. ― Ele suspirou, e serviu-se de mais uma taça de vinho. Viu que a taça de Gray também estava vazia e pôs para ele também. ― E esse castelo mudou com sua rainha.

 Gray ficou encarando a bebida escura por alguns segundos antes de dar mais um gole. Suas bochechas já estavam rosadas, e sua cabeça um pouco zonza. Mas ele ainda não compreendia como eles conseguiam falar daquela mulher com tanta calma e felicidade. Certamente, não estavam falando da mesma pessoa.

 Alguns minutos e meia garrafa de vinho depois, Natsu e Lucy engataram em uma conversa descontraída sobre coisas do castelo que Gray não fazia questão de entender, mas, ao contrário do que pensava, ele não estava incomodado em estar ali.

 Observava os dois sorrindo, e depois percebia que Lucy e Natsu o olhavam vez ou outra, para saber se ele estava prestando atenção no assunto. Já tinha terminado de comer, e se permitiu relaxar na cadeira, e percebeu que aquele, por mais incrível que pareça, era um momento de calma. Não estava se acostumando com aquele lugar, muito menos com aquelas pessoas. Ele só estava cansado.

 Natsu caminhou até a lareira no fundo e a acendeu rapidamente, ficando próximo do calor. No entanto, o que ninguém havia percebido, foi um rápido semblante de desapontamento no rosto do rapaz, ao perceber que o calor já não o atingia. Era como se nada e fogo fossem a mesma coisa.

 Nisso, escutaram o barulho da porta se abrindo, e dois adultos e três crianças bem tagarelas entraram.

 ― Asuka roubou minha bola hoje! ― Um menino reclamava enquanto carregava um prato de sopa.

 ― Mentira, foi você que perdeu e não quer admitir, Romeo. ― Uma outra menina, mais ou menos da idade do garoto, começou a rir, discretamente.

 ― Não roubei nada! ― Uma menininha mais nova que a outra, reclamou, enquanto se esforçava para equilibrar o prato de comida nas mãos.

 No entanto, quando as três figuras viram Gray sentado ali, calaram-se e ficaram congeladas no lugar.

 ― V-Você é-é… ― Wendy começou a gaguejar, e Romeo quase derrubou seu prato de sopa.

 ― Vocês… ― Gray comentou encarando as três figurinhas conhecidas, e não pôde evitar de dar um sorriso de canto. Pareciam tão inocentes.

 ― O que ele está fazendo aqui? ― A mulher adulta trajava um vestido com detalhes em couro marrom, e tinha seus longos e lisos cabelos verdes claros soltos. Ela era pálida como os outros e tinha os olhos roxos escuros. No momento, Gray não tinha percebido nenhum cristal, ela parecia exatamente como os outros.

 ― Ele não é prisioneiro da rainha? ― O homem, levemente mais alto que a mulher, de pele mais bronzeada e cabelos curtos, espetados e negros, aproximou-se com cautela. Ele era magro, e usava uma roupa quente, também feita, em partes, de couro em tom marrom, como a mulher.

 ― Alzack, Bisca… ― Lucy se levantou. ― Viemos jantar, querem que eu traga algo para vocês?

 ― Não precisa, Lucy. ― O homem disse sorrindo docemente para a loira, que concordou e voltou a se sentar. ― Mas não nos responderam. O que ele faz aqui?

 ― Já soubemos do acontecido de hoje. ― Bisca comentou, não tirando os olhos de Gray, e ajudando Asuka a se sentar em uma das poltronas. ― Você deixou a rainha bem aborrecida, prisioneiro.

 Gray mantinha seu olhar impassível. Ele não responderia a ninguém daquele castelo.

 O que ele fez, qualquer um faria.

 Romeo e Wendy sentaram- se mais na ponta da mesa, cochichando algo, e vez ou outra olhavam para Gray, com curiosidade. Isso estava começando a incomodar o rapaz.

 ― Vim com ele aqui na cozinha para que comesse um pouco. ― Natsu comentou, bebendo mais uma taça de vinho em um único gole. ― Fullbuster, esses são Bisca e Alzack Connell. Também moram aqui no castelo. As crianças: Asuka Connell, Romeo Conbolt e Wendy Marvell.

 ― Acho que já vi as crianças. ― O moreno comentou, e terminou sua taça de vinho logo em seguida.

 Não iria pedir para voltar para seu quarto, não queria ir para lá. Mas não queria mais estar ali. Sentia-se desconfortável. Todos olhavam de modo estranho para ele, inclusive Natsu, vez ou outra. Todos ali tinham um olhar… Preocupado. Como se algo fosse acontecer com ele, e ele mesmo não sabia.

 ― Onde está seu pai, Romeo? ― Natsu perguntou, com um ar mais descontraído.

 ― Dormindo. Ele ajudou Gajeel a fazer a ronda de hoje, e está morto na cama. ― O jovem comentou, tomando sua sopa.

 ― Ele decidiu trabalhar? ― Natsu deu uma risada. ― Ele é um bom homem, só é meio preguiçoso às vezes.

 ― Natsu, não fale assim do pai de Romeo na frente dele… ― Lucy comentou, e Gray arqueou uma sobrancelha, notando, apenas naquele momento, a intimidade dos dois para usarem o primeiro nome. Seria o efeito do vinho?

 ― Tudo bem. Ele é assim mesmo. ― O menino deu de ombros, e voltou a cochichar algo com Wendy.

 ― Tenho que ir. ― Lucy levantou- se de sua poltrona. ― Ainda tenho que ajudar Kinana e os outros a terminar o jantar da rainha, caso ela queira. ― Começou a caminhar até a porta. ― Tenho que arrumar os talheres também e… ― No mesmo segundo que Lucy estava bem, ela se escora na parede mais próxima, gemendo de dor.

 ― Lucy! ― Natsu se levanta, e vai ajudá-la. Ele corre até a loira e faz com que ela se encostasse em seu peito. ― Lucy… O que houve? ― Ele levanta o rosto da jovem, e vê ali, um cristal rosa claro, de formato quadrangular, surgindo na sua têmpora direita. ― Merda… Os cristais já estão aparecendo.

 ― Mamãe… ― Gray se vira para Asuka, que está deitada na mesa, com uma de suas mãozinhas na testa, e parecia querer chorar.

 ― Minha querida… ― Bisca vai rapidamente até a filha e a pega no colo, embalando-a em seus braços, e a levando para longe dali. Logo depois, Alzack e Romeo foram atrás das duas.

 ― Eu vou ver como os outros estão! ― Wendy diz para Natsu, e, quando Gray olha para ela, a mesma tem três pequenos cristais azuis perto da bochecha, e mais iam aparecendo. Mas ela não parecia estar sentindo a dor que Lucy ou Asuka estavam sentindo.

 O moreno, então, chegou à conclusão que talvez nem todos sentiam dores muito fortes quando esses cristais apareciam. E eles surgiam à noite.

 Como Natsu disse a ele, eles não andam com os cristais o tempo todo.

 O que era isso? Fazia parte da maldição, mas todos do castelo tinham isso?

 Gray ficou observando Lucy e Natsu, preocupado em onde toda essa situação os levaria. A moça retorcia de dor, e fazia caretas como se estivesse enfiando agulhas em seu rosto.

 ― Hoje está… Pior… ― Ela gemia de dor para o rosado, que passou seu braço esquerdo por trás das pernas da moça, e a pegou no colo. ― N-Natsu…

 ― Não posso te deixar assim. Está pior essa noite, devem estar surgindo mais em você, por isso. ― Ele comentou preocupado, com o semblante totalmente tenso e com o olhar focado somente na moça.

 Natsu estava com seu coração apertado. Não esperava ver Lucy agonizando de dor dessa maneira. Ele sabia que isso ocorria com o aumento dos cristais na pele… Mas ele não queria que ela sofresse dessa forma.

 ― O que fizeram com Lisanna, para ajudá-la? ― Ele perguntou para ela, que estava de olhos fechados, e com a cabeça encostada na curva de seus pescoço.

 ― O-O frio… Natsu… O frio… Tivemos que parar o frio… ― Ela levantou sua mão esquerda, e Gray mal acreditou no que vira. Os dedos da moça estavam quase congelados.

 ― Que merda é essa… ― Ele sussurrou para si mesmo, olhando assustado para a loira. Não fazia frio no local onde eles estavam, e mesmo assim ela estava, literalmente, congelada. ― Ela está morrendo?

 ― Não! ― Natsu vociferou. ― Eu vou ajudá-la… Não vou deixar que sinta essa dor toda. Não posso ― encarou novamente Gray, e o moreno teve um vislumbre de um cristal vermelho, o mesmo que vira no primeiro encontro com Natsu, surgindo perto do olho do rapaz. ― Volte pro seu quarto. Se Gajeel ou Erza te virem perambulando por aí, você está morto.

 E, dizendo essas últimas palavras, abriu a porta com um chute e saiu com Lucy, com seus passos ecoando e ficando mais baixos à medida que se distanciava do local. Gray ficara sozinho, de novo.

 Ainda estava com seu coração acelerado de ver tudo o que estava acontecendo. Então ele realmente não estava alucinando nos primeiros momentos que pisou naquele castelo. Esses cristais realmente existiam… E eles estavam sofrendo por isso.

 Caminhou até a janela, onde, do lado de fora, o silêncio pairava calmamente. Pelo reflexo, ele se viu. Seus cabelos um pouco bagunçados, o rosto sério e as bochechas coradas. Ele era diferente de todos ali. Até mesmo Lucy, com sua pele claríssima, era pálida. Olhou para a porta, que estava entreaberta, e tudo, que antes estava movimentado e cheio de gente, parecia vazio.

 Caminhou até a porta e a abriu mais, tendo uma visão completa da cozinha. Sim, parecia vazia, e escura. Ainda tinha o aroma de banquete, mas não havia ninguém para apreciá-lo, além dele. Caminhou pelo meio do salão, com o barulho de suas botas batendo no chão. Usava essas botas de couro, assim como as calças, feitas do mesmo material e na cor preta, uma camisa de linho azul marinho e um casaco preto por cima, preparando-se para o frio da noite. Mesmo assim, vez ou outra, sentia um vento frio atingir sua nuca, mesmo que nenhuma janela estivesse aberta.

 ― Você? ― Escutou uma voz atrás de si, e pulou de susto. Estava perto do balcão em que as comidas estavam postas, e a primeira coisa que ele conseguiu alcançar foi uma faca. ― Ora, por favor… Não vou te machucar, e você não vai conseguir me ferir com isso.

 Era um rapaz, levemente mais magro e mais alto que Gray. Tinha os cabelos azuis e uma marca no rosto. Usava roupas de frio, assim como o moreno, mas eram mil vezes mais elegantes.

 ― Quem é você?

 O jovem sorriu de canto.

 ― Pode me chamar de Jellal. Sou o Conselheiro Real.

 Notou que o rapaz já tinha alguns cristais aparentes na cor preta, mas não parecia sentir dor como Lucy ou a pequena Asuka.

 Gray abaixou um pouco sua guarda, e o rapaz de cabelos azuis caminhou tranquilamente até o jovem, passando do seu lado e andando rumo à porta de saída da cozinha, em um convite silencioso para que ele se juntasse.

 Antes de prosseguir, olhou para suas mãos. Havia ali, uma faca de tamanho médio, mas muito bem afiada. Em uma fração de segundos, pensou que não estaria mais desarmado em território desconhecido como aquele, e, em um movimento rápido, escondeu o objeto metálico dentro da manga esquerda do seu casaco, e começou a andar na direção de Jellal.

 ― Porque está aqui? ― Jellal perguntou com tranquilidade, não parecendo notar o que Gray havia feito. Parecia querer saciar sua própria curiosidade, e não necessariamente, preocupado se alguém tinha desobedecido ordens de Juvia.

 ― Estava com fome e… Vim aqui. ― Decidiu, naquele momento, não citar o nome do Dragneel, nem dos outros. Na verdade, se não fosse por eles, ainda estaria vagando pelo castelo, tentando achar comida. ― Você me conhece?

 ― Claro que sim. Estava com Juvia na porta de seu quarto algumas horas atrás, Gray Fullbuster. E posso dizer que o senhor tem um gênio mais complicado que o da rainha.

 O moreno engoliu em seco. Como?

 ― Faria o mesmo no meu lugar. ― O jovem sibilou enquanto ambos andavam pelo corredor silencioso. ― Onde estão os outros? Isso aqui estava cheio de gente.

 ― Foram se esconder. ― A voz de Jellal se tornou mais séria, mas não transpareceu nada em seu semblante. ― Você é novo por aqui, mas saiba de início que a maldição pode ser algo muito doloroso para a maioria de nós aqui.

 ― Eu vi a srta. Lucy sentindo dor mais cedo. ― Gray comentou.

 ― Não é esse tipo de dor que estou falando, apesar de que… Bem… ― Jellal colocou um das mãos em sua têmpora. ― Esses cristais dão um certo trabalho quando aumentam de quantidade em nosso corpo, de fato.

 ― Então qual dor seria? ― Gray perguntou.

 Ambos viraram uma esquina, e se encontraram em outro corredor. Esse, o chão era todo de carpete, as paredes eram de uma textura bem bonita, com adornos lilases e prateados. Na parede à esquerda, havia uma série de janelas grandes, uma ao lado da outra, e todas as cortinas estavam abertas, deixando que a luz do luar tocasse o tapete preto em que os dois caminhavam por cima, que se estendia por todo o local.

 Jellal parou perto de uma das janelas, e olhou para o céu, percebendo que algumas nuvens apareciam no horizonte. Franziu as sobrancelhas, jurava que não iria chover naquela noite, e, de repente, essas nuvens cinzas começaram a se formar.

 ― A dor de perder a humanidade. ― Ele olhou tristemente para Gray. ― A dor de, a cada noite, se olhar no espelho e perceber que uma hora ou outra, deixará de ser uma pessoa. Talvez, nem sejamos mais seres humanos, quem sabe.

 ― Como assim? ― Gray ficou confuso.

 ― Naquela noite… Na noite da maldição, Juvia estava dando uma festa de aniversário magnífica. Era tão majestosa e exuberante… Que ela se esqueceu de quem era de verdade. Uma pessoa. Ela apenas quis acreditar que era uma rainha, um ser intocável, escolhida pelos deuses para reinar Fiore… Mas não é bem isso. ― Jellal olhou seu reflexo na janela. ― Não a culpo. Qualquer um pensaria isso.

 ― Eu não pensaria. ― Gray comentou, prepotentemente, na opinião de Jellal. ― Como alguém pode se esquecer de que é um humano? Não faz sentido.

 ― Juvia foi criada para ser assim. Acha mesmo que o pai dela preocupava-se com sentimentos e compaixão? Lembre-se da história da vila, que contam para as crianças… É quase tudo verdade.

 ― Quase? ― Gray perguntou novamente. ― Que eu saiba, a história é sobre uma rainha muito má, que está presa em uma maldição devido à sua arrogância de negar abrigo a um velho. O que isso muda da realidade?

 Jellal suspirou profundamente, e voltou a andar pelo corredor, com Gray ao seu lado. Jellal tinha uma paz à sua volta, que Gray mal percebia que estava tão à vontade com o azulado, que poderia ficar conversando com ele a noite toda. Era como se ele soubesse exatamente o que dizer.

 ― Na história, Juvia é retratada como a mulher fria e a rainha cruel que negou abrigo ao velhinho, mas… Está faltando uma coisa. O pai de Juvia.

 ― Ele era um rei que ficou louco depois que sua esposa morreu. ― Gray comentou andando lado a lado com ele, lembrando-se da história que Meredy estava escrevendo.

 ― Realmente, depois que Yunna morreu, Asier ficou muito triste. E Juvia… Ela é a cara da mãe dela. Desde seus cabelos azuis até a pele pálida e os olhos azuis. E o pai dela via isso… E odiava.

 ― Mas ele não amava a esposa?

 ― Não. Asier era uma pessoa… Complicada. ― Jellal comentou mais baixo. ― Ele, de certa forma, gostava de Yunna, mas… Não era amor. Ele a via como algo, uma posse. Era um enfeite dele, e não uma pessoa. A rainha não tinha voz, não podia andar por onde quisesse, nem falar com quem quisesse. Apenas com a permissão dele. Sua vida era horrível.

 ― Ela não era… Amável, como dizem?

 ― Era. Yunna, apesar de tudo, amava seu povo. Talvez seja por isso que ela não fazia nada contra Asier. Ela apenas seguia em frente. E quando descobriu que estava grávida, o reino ficou em festa. Todos gostaram, e, por um momento, Yunna tinha uma vida decente, apenas de pensar que teria uma criança para cuidar, que não estaria mais sozinha. Até o rei tinha ficado feliz de ganhar um herdeiro.

 ― Herdeiro? ― Gray perguntou.

 ― Sim. Ele acreditava fielmente que seu primeiro filho seria um homem. Um príncipe. Mas quando Juvia nasceu… Foi a decepção dele. Yunna era fraca fisicamente, e teve complicações depois do parto. Faleceu uma semana depois. Juvia recebeu amor de sua família durante sua primeira semana de vida… Apenas. Depois disso, Asier colocou a culpa de tudo na sua filha, quando ele já não tinha controle sobre alguém, e não conseguia controlar o gênio forte de Juvia. Ela cresceu odiando o pai, e, quando ele morreu…

 ― Ela não chorou. ― Gray completou, lembrando-se da história.

 ― Isso. ― Jellal concordou levemente com a cabeça. ― Ela disse que não iria derramar nenhuma lágrima por aquele que nunca a amou.

 Nisso ambos se encontraram em um salão familiar. Gray se lembrava desse lugar. Subindo as escadarias ao fundo do grande cômodo, havia, virando o corredor, a grande parede de gelo que o assombrou na noite em que havia chegado ali. Jellal, não percebendo que o moreno hesitou ao se aproximar cada vez mais da escada, continuou andando.

 Gray, por sua vez, estava assustado com suas memórias daquele lugar. Aquela noite que ele pensou ter perdido seu irmão.

 Jellal parou no pé da escada, e indicou com a cabeça o alto dela, incitando o moreno a subir com ele, enquanto terminava sua história. Gray respirou fundo e, espantando tais pensamentos, andou rapidamente até o rapaz, curioso para saber o que aconteceria a seguir. Ele estava sabendo mais sobre esse lugar, e sobre Juvia. Talvez ele pudesse usar de alguma informação útil.

 ― E depois? O que houve depois que o pai dela morreu? ― Ele perguntou subindo o primeiro degrau, acompanhado de Jellal.

 ― Juvia foi aproveitar sua vida. Tinha muito dinheiro e não queria ser rainha. Começou a viajar pelos quatro cantos do mundo, e recolhia presentes e artefatos de todos os lugares. Reformou todo o castelo, exceto o quarto de sua mãe, e manteve a criação de cavalos de raça de seu pai. Conheceu pessoas novas, como Natsu, Mirajane, Gajeel… Mas as pessoas começaram a falar.

 ― Falar o que?

 ― Ora, Gray… O que geralmente dizem para uma mulher livre. Que ela não poderia ser assim. Que ela estava envergonhando a imagem da realeza Lockser. Quando, na verdade, ela estava tentando se limpar das manchas que seu pai tinha deixado nela. Claro que de uma maneira não muito correta… Mas ninguém a ensinou o que era certo naquele momento.

 ― Ela gostava de viajar? Parecer ser tão… Fria.

 ― Juvia mudou muito. Ela não é essa pessoa que você conhece, disso eu tenho certeza.

 Gray riu secamente.

 ― Eu duvido muito. É um pouco impossível para mim imaginar que aquela mulher que aprisionou minha mãe e meu irmão… Que me fez escolher entre minha vida e a vida de minha mãe, é, de fato, uma pessoa boa.

 ― Sabe, Gray. Você está certo. Juvia não é uma boa pessoa. Eu a vi fazer coisas ruins. Mas… ― Ele parou no topo da escadaria, e inclinou com sua cabeça até o corredor, onde era visível dali de cima a grande parede de gelo, e a escuridão que a rodeava. ― Se você não entendeu nada do que eu disse para você durante todo esse tempo… Continuará achando que ela é um monstro.

 Gray olhou o local, e um vento gelado atingiu sua espinha. Ele havia entendido? Escutara a vida de uma menina, que nunca tinha recebido amor paterno. Seria ela capaz de ser uma pessoa boa? 

 ― Quer que eu entre ali de novo? ― O moreno perguntou, sério, pensando muito sobre tudo o que tinha acabado de escutar. Juvia tinha seus motivos para ser assim, e ele não sabia quais eram até aquele momento. ― Está louco.

 ― Ali você vai encontrar o que procura tanto em Juvia, e o que tanto fala que ela tem. Você vai encontrar a alma de um monstro, mas mais ainda… Ali, depois daquelas paredes de gelo, vai saber porque Juvia é quem ela é, e porque ela fez o que tinha que fazer para sobreviver. ― O azulado disse, igualmente sério. ― É sua escolha.

 Gray suspirou. O vento que saia por alguma janela aberta fazia um som de uivo por entre as estalactites de gelo, deixando o clima pesado. Mas, de certo modo, Jellal estava certo. Se Gray achava que ela era um monstro, que presenciasse todos os motivos e, talvez, pudesse compreender mais o que acontecia naquele castelo.

 Pensando nisso, começou a caminhar até a parede, parando em frente a abertura, bem no meio. Colocou a mão no gelo, e percebeu que ele era realmente diferente, como havia pensando na madrugada em que houve a perseguição. Ele não descongelava, era como uma pedra, porém extremamente fria. 

 Com um último suspiro, entrou na abertura, se embrenhando na escuridão do corredor.

 Do lado de fora, Jellal apenas escutava o barulho das botas do rapaz batendo no gelo no chão e, depois de alguns segundos, nem isso. Silêncio completo.

 ― O que você fez? ― Escutou uma voz atrás de si. Virou-se a tempo de encarar uma Erza Scarlet muito furiosa com ele. ― Deixou o prisioneiro entrar na Ala Oeste? Está doido, Jellal?

 Erza usava suas roupas de luta, e seus cristais começavam a aparecer, assim como os dele.

 O azulado permaneceu sério, pensativo. Quando Erza fez menção de caminhar até a parede de gelo, ele a parou com uma mão em sua cintura.

 ― Erza. Eu sei o que eu fiz.

 ― Levou ele para a morte. Juvia vai matá-lo se souber que ele está andando nessa parte do castelo!

 ― Juvia está na Ala Oeste. 

 Os olhos da ruiva se arregalaram por completo, com ela ficando em estado de choque.

 ― Você perdeu a cabeça, Jellal.

 ― Não. ― O rapaz olhou novamente para a abertura em que Gray tinha sumido. ― Se ele realmente for o rapaz da profecia, saberemos essa noite.

 ― E se ele não for? ― A morena perguntou, preocupada, olhando na mesma direção que ele.

 ― Se ele não for… Tenho pena da alma dele.

 



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