História Diário de um Otário - O Boca Suja e Assistir Netflix - Parte 1

O Boca Suja

Palavrões... Eu sempre fiquei surpreso com a capacidade do brasileiro em inventar nomes pejorativos. É engraçado como os nomes que se referem aos genitais podem ter tantas variações. Tipo, quem pensou nesses nomes todos? Alguns parecem até evolução de pokémon. (Bil0l@, C@r@lh0, R0l@, X@na, X0t@, Buc3t@...) Daria pra fazer uma Pokedéx inteira só com palavrões.

Dos quatro Otários, com certeza eu era o mais Friendly Family, no máximo falava um "m3rd@" ou se queria xingar chamava de execrável (Márcio Seixas curtiu isso) Gasparzinho vez ou outra soltava um PQP vendo Game of Thrones (Casamento Vermelho manda lembranças) Barbex falava palavrões mais regularmente assistindo animes. Acho que ele ficou mais pistola com Naruto quando disse: (Alerta de Spoiler!)

 — Vá tomar no c* Kishimoto! Matar o Madara com essa p0rr@ de Zetsu Negro?! Esse japonês safado da r0l@ pequena!

Nescau? Parecia parte do vocabulário, mas ele falava na média "normal" pra um adolescente no ápice da puberdade. (No caso dele, a puberdade estava com um kaioken )

Mas em todo esse meu tempo de vida eu nunca vi alguém falar mais palavrões que o tal do Boca Suja. Certo dia, eu e Nescau estávamos voltando da barraca da tia enquanto Barbex e Gasparzinho arriscavam seus intestinos na fila do almoço. Nescau tinha comprado um pastel e eu a clássica coxinha. (Devia ser um Patrimônio da Humanidade) Quando voltamos pra ficar falando com eles enquanto esperavam na fila, ouvimos essa saudação: — NESCAU?! SEU FILHO DA P*T@ DO C@R@LHO! QUANTO TEMPO, SEU ARROMBADO!  - O Boca Suja fez sua entrada triunfal.

— Quem é esse gordo tetudo? - Barbex perguntou.  Nescau disse que era um amigo das antigas. Troquei olhares com Gasparzinho que balançou a cabeça negativamente. Pela primeira frase do cara, já imaginámos o naipe de tal "amigo do Nescau." O Boca Suja já descrito por Barbex vinha caminhando até nós. Era engraçado porque os peitos dele balançavam no processo e ele vinha escutando um funk numa caixinha de som.

— Cac3te! Achei que tu tinha reprovado! - Nescau falou ao rever o amigo. Boca Suja também era do segundo ano, mas de outra turma.

— Fiquei devendo naquela m3rda de química, mas passei na p0rr@ do Conselho de Classe. Aí me botaram nesse outro presídio aqui. Que sorte do car@lh0 eu tive...  Ei p0rr@, e a sua irmã? Gostosa "como sempre"? - Até o pessoal da fila que não tinha nada a ver com a conversa viu a ênfase que ele deu na última pergunta. Nescau sorriu e perguntou:

— Não sei, como vão os programas da sua mãe? 

— Respeite ela seu chup@-rola, ela tá diabética pra p0rr@ agora.

— Que m3rd@ cara, ela é um doce de pessoa.

— Hahaha! Essa foi f0d@. - Ele deu uma gargalhada exagerada. Nesse momento, o Boca Suja se virou notando o resto dos Otários. — E essa gangue de punh3t3iros?

— Só eu posso zoar meus amigos, seu gordo s3boso. - Nescau nos "defendeu." Boca Suja deu uma boa olhada em nós como se tivesse a visão de raios-x do Superman. Deixou a maldita caixinha no chão e falou primeiro com Barbex, novamente pondo ênfase na última indagação:

— Porr@... Tu deve ter reprovado umas sete vezes! Você tem o quê, "23 anûs"?

— Tenho 1 anûs e 16 anos se quer saber. - Barbex cruzou os braços e Boca Suja riu. Depois foi a vez de Gasparzinho.

— C@r@lho! Você tá morto porr@? E que cabelo liso Loreal é esse? P*ta que pariu! Se colocasse um silicone eu pegava! - Gasparzinho o mandou tomar naquele canto e levantou o dedo do meio pro Boca Suja. - Hahaha! Esse é o espírito! - Finalmente chegou a minha vez. Eu já tinha terminado de comer a coxinha.

— Filho da p*ta! Eu queria um pedaço! - O Boca Suja veio por trás e me segurou como se tentasse uma chave de braço. - Bora p0rr@! Seu gordofóbico do c@r@lho! Eu quero cinco sites pornô!

— Solta o cara, porr@! - Nescau correu e tentou me ajudar. 

— XVIDEOS, REDTUBE, BRAZZERS, MOMMY'S GIRL, BLACKED! - Gasparzinho falou rápido e logo o Boca Suja me soltou. Todo mundo na fila riu. Enquanto tomava ar, fiquei impressionado e também surpreso porque só conhecia os 2 primeiros. Mas também fiquei grato por Gasparzinho ter salvado minha pele. Boca Suja também ficou surpreso e deixou anotado no bloco de notas do celular.

— P*ta m3rd@! Esse cara é um deus... Foi mal aí carinha... Eu me empolguei.  – Eu “aceitei” as desculpas acenando com a cabeça, (Na minha mente eu o estava xingando-o e não era de execrável.)

Eu obviamente não simpatizei com ele logo de cara, e fiquei até feliz por não sermos da mesma sala. Mas apesar dessa apresentação caótica, uma coisa era certa: Boca Suja fazia a gente rir durante os intervalos e no horário do almoço. Ele fazia coisas bizarras do tipo imitar um pato acasalando, gesticulava dizendo que os peitos dele eram ideais para uma espanhola e até tentou fazer o jutsu dos Mil Anos de Dor no Nescau. Acabei descobrindo por Nescau que essa era a forma dele de lidar com o bullying que já vinha desde a época do ensino fundamental. E apesar do refinado vocabulário, o Boca Suja era um cara legal.

Assistir Netflix – Parte 1

2017. Finalmente o último ano naquele inferno de escola, mas vou falar do terceirão um pouco depois.  Bom, outra coisa que não entendia muito bem era em como as pessoas colocavam códigos nas coisas. Coisas do tipo: “Tirar água do joelho, dar um telefonema, passar um fax, juntar as escovas...” 

Não era mais fácil ir logo direto ao ponto? Enfim, vamos ao que interessa. A Gótica passou a ser uma integrante não-oficial dos Otários, já que ela praticamente era a garota que mais falava com a gente. Ela falava de games comigo, comentava American Horror Story com Gasparzinho, indicava uns animes tipo Another (Nunca mais confio num guarda-chuva), Tokyo Ghoul e outros do gênero terror. Uma vez ela falou até sobre masturbação feminina e Nescau ficou boquiaberto ao descobrir o que era um clitóris. Pelo visto ele não prestava atenção nas aulas de biologia desde o fundamental. Uma das pérolas do Nescau:

— Cac3te! Então as garotas têm um pinto incluso... É tipo um Kinder Joy!

Eu acabei falando que sabia tocar teclado e ela se interessou. Disse que um tio tinha deixado um teclado lá na casa dela. A Gótica morava perto do meu bairro e pela distância eu até podia chegar lá andando. Passei algumas dicas básicas pelo chat do Facebook, mas então veio o assunto desse conto. Ela me mandou uma mensagem.

— Você pode passar aqui e a gente treina. Fazemos aquela atividade de biologia e depois vemos alguma coisa na Netflix.  

Ok, isso era novo. Eu nunca tinha ido na casa de uma garota antes e falei disso com os Otários no grupo do Whatsapp. Me arrependi minutos depois. (Só pensamentos maduros.)

— Eu n acredito... Vc vai perder a virgindade! Mano, lembra de raspar td. (Nescau falou como se fosse um pai orgulhoso. Eu ignorei esse comentário pois era o Nescau, ser orientado por aquele cara seria um desastre.)

— ???? 

— Cara... pode não ser nada demais, mas talvez ela tenha mandado o código. – Barbex falou, sendo a voz da experiência. (Ele já tinha saído com algumas garotas com o seu superpoder da barba perfeita.)

— Que código? – Indaguei.

— Quando alguém te chama pra ver Netflix, significa que quer transar. Mas talvez a mensagem tenha sido literal.  – Barbex respondeu e sendo sincero eu fiquei confuso. Ok, ela era bonita, falava comigo e tínhamos um certo nível de amizade, mas isso aí seria ir rápido demais.

—  Vc não tem fimose né? – Outra mensagem que eu ignorei do Nescau (E não, eu não tenho fimose)

— KKKKKK – Gasparzinho só mandou o texto literal de risadas e eu fui falar com ele no privado.

— Cara, isso não tem nada a ver, vocês pensam m3rd@ demais.

— Não acho que vá rolar nada. Tipo... vc não é esse tipo de pessoa. E sei lá, só aja naturalmente. – Grande parte de mim acreditava que isso tudo era besteira. Mas lá bem no fundo tinha aquele maldito poço de dúvidas. E se acontecesse alguma coisa? Eu estava pronto? E mais importante, eu queria isso? Até admito que gostava dela, mas não sabia se gostava a esse ponto e logo assim tão de repente. Eu deitei na cama e decidi ignorar tudo isso. Como Gasparzinho tinha dito, eu tinha que ser eu mesmo. O otário certinho, o nerd de sempre, sem segundas intenções.