História Elas - Viii

 Me remexo, desconfortável na cadeira. Essa é toda de madeira, diferente das acochoadas que usamos na sala de aula. Não conseguiria apagar nisso aqui nem se tomasse três doses do meu remédio pra dormir.

 Bem.

 Talvez assim eu consiga.

 O lugar é pequeno e abafado. Tem algumas pessoas sentadas aleatoriamente na sala, e todos, sem exceção, parecem mortalmente entediados.

 Reconheço alguns rostos. Outros não. Ou eles precisam desesperadamente de nota, ou querem desesperadamente ter o boletim perfeito. Chega quase a ser engraçado os opostos que se misturam aqui.

 Minha barriga continua revirando pela ansiedade. Não consigo parar de bater a ponta da caneta na mesa e fitar minha folha de fichário. Ela está em branco. Como minha vida. Como quem eu sou.

 - Ei, vocês! - Alguém grita da porta.

 Vários alunos pulam pela interrupção abrupta do silêncio. Inclusive eu.

 - Sou a merda do professor.

 Meu Deus, eu escorrego na cadeira enquanto ele pisa forte até o meio da sala, isso não vai ser bom. Nada bom.

 Ele é alto e barbudo. Tem ombros lagos intimidadores que estão cobertos por uma camisa xadrez que mais parece uma toalha de mesa. Talvez ele seja um lenhador em seu tempo livre.

 - Já que vocês conseguiram a proeza de estarem nessa situação, e eu falo aqui para os que estão quase sendo expulsos da escola, e não pros idiotas que querem notas altas; a vida de vocês vai ser um inferno daqui pra frente.

 E foi.

 - Caramba! - eu exclamo jogando os braços pra cima. - Como aquela cara pode passar três trabalhos só no primeiro dia de aula?! Três. Acho que nunca mais terei uma tarde livre. Tipo, nunca mais na vida.

 Aline está rindo com a boca cheia de sorvete, mas também parece horrorizada na media certa.

 - Meu Deus, Amy. Calma, você vai ter um treco assim. - ela levanta a colher de plástico para argumentar. - Ele não pode ser tão ruim assim.

 - Ele é. E pra sua informação eu já estou tendo um treco. Mal consigo viver, como vou conseguir passar nessa matéria? Se isso for mesmo uma matéria.

 - Eu acho que é só tortura didática - ela ri de novo, mas percebe que eu estou realmente ficando agitada. Meu peito sobre e desce num ritmo acelerado. Minhas pernas não param de chacoalhar a mesa. Sei que estou prestes a ter uma crise de ansiedade. - Ei, calma - ela diz mais gentilmente. -  Toma seu sorvete estranho.

 Umbu. Sorvete de Umbu sempre foi o meu favorito. Ninguém nunca entendeu o por quê.

 E eu realmente me sinto melhor. Tento prestar atenção às árvores que balançaram em volta da sorveteria, nos passarinhos. E me acalmo depois de alguns minutos. Com sorvete de umbu preenchendo minha boca, comemoro o fato de eu não ter tido uma crise. Milagre.

 - Mas ei, Amy - Aline me chama. - Acho que tem uma coisa que vai ser boa pra você.

 - Hm? Que coisa pode ser boa pra mim?

 - Um sarau. E... ou! Não vá fazendo careta logo de cara. Vai ter uma fogueira e música. Luzes enfeitando as árvores e chocolate quente - ela parou para ponderar um instante. - Talvez chocolate quente com vodka.

 Isso me faz sorrir.

 - Eco - entorto o nariz.

 - Vai ser legal! Um monte de gente vai.

 - Acho que esse é o problema.

 Amelie e um monte de gente. Num lugar desconhecido, onde qualquer coisa pode acontecer. Só de imaginar tudo que pode dar errado meu estômago começa a borbulhar novamente. Essa maldita ansiedade.

 - Talvez ficar em casa seja mais seguro - sugiro. Minha voz não passa de um sussurro fragilizado pela onda de pensamentos negativos.

 Aline estende a mão sobre a mesa e segura a minha.

 - Promete que vai pelo menos pensar sobre o assunto? Só um pouquinho.

 O nó do meu estômago sobe para a garganta, entretanto, um pensamento inusitado surge. Como um raio. Mas... quem sabe?

 - Prometo.