Me aconchego o mais confortavelmente possível no sofazinho do terapeuta. Meu psicólogo. Ele está separando uns documentos para que eu possa assinar. Nunca entendi muito bem essa papelada.
A careca dele brilha por conta do abajur amarelo. Hoje parece que vai ser a única fonte de luz do ambiente.
- Aqui. - ele estende a prancheta para mim. - Como foi hoje?
- Ruim, como sempre. Esse sentimento não passa, você sabe.
Assino e entrego a prancheta de volta.
- Sei. Mas... alguma novidade? Algo que não seja "queimei a pipoca no microondas". Essa foi péssima, na semana passada - ele sorri, e eu também. - Não sei como você ainda acha que pode fugir de mim.
- É. - concordo. - Acho que não posso mesmo.
Então desato a falar. Sobre o garoto esquisito que apareceu do nada, Noah. Sobre o terror das aulas extras e o medo constante de não conseguir me empenhar o suficiente para conseguir uma boa nota. Os dois trabalhos de Julian que me deixam angustiada. Também sobre as crises de ansiedade que tive durante a semana. Poucas. Só três. E quando achei que não havia mais nada a ser dito, lembrei do Sarau.
- Vai ter essa fogueira... - comento, ainda um insegura.
Dr.Jones - Jonny para os íntimos - quase pula de excitação. Diz que é um ótima ideia. Que tudo irá ocorrer bem. Que vou me divertir. Sinto sua onda de animação me atingindo.
E sabe? Nesse momento eu meio que acredito nele.
Onze horas. Noah deve estar dormindo. Por que estou pensando nele agora?
Sei bem o motivo. Essa coisa da fogueira não sai da minha cabeça. Mas não tenho contato com ele desde as últimas mensagens, sobre as aulas extras. E eu nem respondi! Será que ele me atenderia?
Tamborilo os dedos no celular fitando minha parede. Ela é rosa, mas simples. Cores pasteis me acalmam. Decido digitar o número antes de perder a coragem. Nem salvei o contato dele.
Toco o dedo na tela e espero. O celular chama uma, duas vezes. Talvez eu devesse desligar agora. Três vezes. Serio o momento. Quatro...
- AMY!
Uma voz familiar grita do outro lado da linha.
Sinto um alívio imediato. Pelo seu tom, parece que não atrapalhei o sono de ninguém.
- Oi. - digo baixinho.
- Que surpresa. O que foi?
Hesito. Percebo que a voz dele parece mais grave e rouca no telefone. Ou talvez ela sempre tenha sido assim.
- Ei, tudo bem? - ele pergunta.
- Sim, sim - me apresso em dizer. - Eu liguei só porque... vai ter aquela parada da fogueira. Sarau, não sei. Você... ficou sabendo?
- Eu fiquei. - ouço o tilintar de xícaras soar ao fundo. Será que ele está preparando café? Chá?
- Estava pensando em ir.
- Sério?!
- Talvez - acrescento rápido.
- Também quero ir. A gente se encontra lá, vai ser divertido. - sinto o sorriso em sua voz.
- Não sei se vou ainda, já disse. - mas já estou sorrindo também.
- Por favor? Por uma raspadinha.
Eu rio alto dessa vez.
- Por uma raspadinha então.
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