"Eu estava extremamento vulnerável por ter deixado Matteo entrar na minha vida, mesmo sabendo que ele não tinha planos para ficar nela."
Luna Valente
Hoje era o primeiro dia de aula no Blake, não estava nenhum pouco animada. Sabia que as pessoas iriam ficar olhando para mim estranho e com um olhar de pena, eu não queria a pena deles. Não queria que ninguém sentisse dó de mim, eu ia ficar bem.
O alarme do celular já tocou há dez minutos, mas eu permaneci na mesma posição. Depois do pesadelo que tive com meus pais noite passada, demorei para voltar a dormir e quando consegui já se passavam das três da madrugada. Sempre que eu fechava os olhos, imagens do fogo se alastrando por toda a mansão e consumindo o corpo da minha mãe invadiam minha mente, eu visualizava o exato momento em que a minha tia Sharon saía correndo da mansão, deixando Lily ali para morrer. Minha mãe gritava para que eu corresse dali, saísse do meio de toda aquela fumaça, mas eu não conseguia me mover, estava agarrada a uma boneca de pano enquanto chorava baixinho, encolhida e com as costas apoiadas em uma parede. Poucos minutos depois meu pai entrava naquele cômodo desesperado e o fogo também começava a carbonizar sua pele e seus ossos. Isso era tão perturbador.
— Luna, você ainda não levantou? — Minha mãe entrou no quarto abrindo a cortina e permitindo a luz do sol de invadir o espaço. Resmunguei quando ela puxou o lençol de cima de mim. — Bora Luna, se você não levantar agora irá se atrasar para o primeiro dia de aula.
— Só mais cinco minutinhos — rosnei contra o travesseiro e minha voz saiu abafada.
— Nem mais um segundo — ela falou sentando na ponta da cama e alisando meus cabelos. — Sei que não é fácil, mas um dia você vai superar a perda dos seus pais biológicos.
— Será que vai demorar muito para isso acontecer? — perguntei com a voz baixa. — Depois disso os meus pesadelos estão mais constantes e as imagens mais reais. Quando eu não sabia quem eles eram, era mais fácil de assimilar as coisas e de aceitar. Mas agora que eu sei que eles me amaram e que morreram de uma forma terrível... Eu apenas não consigo.
— Eu sei meu amor. Mas ficar presa o dia todo dentro desse quarto não vai ajudar. — Beijou minha bochecha e saiu, deixando-me sozinha.
Ela estava certa, eu não poderia continuar lamentando-me por coisas do passado, algum dia teria que seguir em frente e para isso acontecer dependia apenas de mim mesma. Peguei o uniforme do Blake e segui para o banheiro. Tomei um banho rápido e me vesti. Como não estava com cabeça para ficar me arrumando, apenas prendi meu cabelo em um rabo de cavalo no alto da cabeça e passei um pouco de base e pó para disfarçar minha cara de cansaço.
Iria passar na cozinha para pegar uma maçã e ir comendo no caminho para o Blake, já que não sentia fome e não queria fazer a refeição na sala de jantar. O que eu menos desejava era esbarrar com Âmbar, em uma mansão tão grande seria um enorme azar se acontecesse.
Peguei uma maçã na geladeira e me escorei no balcão para comer. Estava tão distraída que não percebi o momento em que Amanda entrou na cozinha, então acabei tomando um susto e me engasguei com um pedaço da maçã. Comecei a tossir para ver se a sensação de engasgamento passava.
— Meu Deus Luna, você está bem? — ela perguntou e aproximou-se de mim, dando leves batidinhas em minhas costas.
— Estou bem sim, Amanda. Sabe me informar se o Tino já está no carro?
— Ele já espera para te levar ao Blake — falou enquanto arrumava algumas frutas e sucos em uma bandeja. — Não vai comer nada antes de sair?
— Eu comi uma maçã e não tô com muita fome, sem contar que já estou atrasada para a aula — disse com pressa enquanto colocava minha mochila nas costas e seguia apressada para fora da mansão.
Tino esperava-me encostado na porta do motorista do carro. Agradeci mentalmente por as aulas da Âmbar ainda não terem começado, o que significava que não teria a presença desagradável dela durante o caminho para a escola pelas próximas duas semanas.
O caminho só não foi em total silêncio porque Tino sempre me perguntava alguma coisa e eu não reclamava, porque pela primeira vez nesses últimos tempos eu estava rindo sem ser algo forçado. Assim que avistei o prédio do Blake senti o meu corpo ficar tenso, eu sentia que não seria fácil, as pessoas iriam olhar para mim de canto de olho e cochichariam com a pessoa ao lado. Mas eu não sabia qual era o pior, essa situação constrangedora ou saber que tudo por ali me lembrava o Matteo. Nunca me senti tão perdida.
Nina esperava-me em frente a entrada do Blake e eu agradeci mentalmente por isso, se estivesse com alguém ao meu lado seria mais fácil de lidar com todos os olhares direcionados à mim. Ela me deu um abraço apertado, que pude jurar sentir alguns ossos sendo estalados.
Quando entramos no colégio as pessoas agiam de uma maneira pior do que eu cheguei a imaginar. Pensava que pelo menos iam ter a decência de não apontar, porém, à medida que eu passava pelos corredores todos paravam o que estavam fazendo para prestarem atenção em mim. São nesses momentos que você percebe quem as pessoas são, elas sempre estão prontas para falar da sua vida quando algo terrível acontece, para julgar quando você comete algum erro e jogar na sua cara o quanto você é horrível. Os humanos são cruéis, porém como em toda regra, existem exceções.
— LUNA! — Alguém grita e antes que eu consiga raciocinar sinto braços me apertaram com bastante força. Eu já estava ficando com falta de ar quando alguém resolve me salvar.
— Meninas, eu acho melhor vocês soltarem a Luna antes que ela morra asfixiada. — Agradeci a Nina quando senti os braços que me envolviam, libertando-me. Puxava o ar de volta para meus pulmões, e em alguns segundos já sentia o oxigênio voltar a circular por meu organismo normalmente.
— Desculpa Luna, é que estávamos com saudades. Desde que voltamos de Cancún não te vimos mais — Jim falou agora mais calma, porém com a mesma euforia de sempre.
— Você está bem? Sabe... Depois de tudo que aconteceu?
— Eu estou melhorando, pouquinho a pouquinho. Obrigada pela preocupação meninas.
Eu estava feliz porque sabia que poderia contar com elas. Apesar de tudo, elas continuavam me vendo como Luna Valente, a garota desastrada que sempre acabava encrencada por isso. E não como Sol Benson, a sobrevivente do incêndio e única herdeira da fortuna da família.
As aulas passavam devagar e todas estavam completamente entediantes. Durante o primeiro tempo eu até que consegui me concentrar e absorvi algumas coisas que o professor de história falou. Mas depois que retornamos do intervalo a minha mente permanecia concentrada em tudo, menos nas palavras da professora já idosa de literatura. A última folha do meu caderno já estava repleta de desenhos e frases desconexas, foi quando uma em especial chamou minha atenção: "Vejo em teus olhos o reflexo do meu amor por você". Nunca esqueceria aquelas palavras de Matteo, teria-as guardada dentro de minha mente e do meu coração para sempre, é tanto que a escrevi inconscientemente na folha.
"— Eu também poderia te dizer mil coisas mais. Porém, quero que saiba o mais importante: que eu te amo muito. — Não conseguia acreditar no que estava ouvindo, passei todas as férias ansiando para ouvir essas palavras saírem de sua boca, entretanto, tudo aconteceu de uma forma diferente da qual eu esperava.
Ele me amava. Eu não sabia ao certo os sentimentos que me inundaram naquele momento, poderia jurar que sentia milhares de borboletas habitando o meu interior, batendo suas asas para tentarem sair. Pode parecer algo tolo, mas as sensações que eu sentia chegavam bem perto disso.
— Eu tenho medo de que tudo isso seja apenas um sonho, que eu vou acordar e você não estará mais aqui. — Foi apenas isso que eu consegui dizer. Queria muito falar tudo o que eu sentia, dizer que eu o amava de todas as formas possíveis, assumir para todos uma relação com ele. Porém eu tinha medo, se ele deixasse de me amar? Se ele desistisse de nós novamente? Não sei se aguentaria ter meu coração partido pela segunda vez.
— Hey, eu estou aqui e nada nem ninguém vai ser capaz de nos separar dessa vez. O que eu sinto por você é algo inexplicável, sempre que fico perto de ti sinto uma luz que nos cerca e isso acontece desde o momento em que eu te conheci. Eu sei que demorei para assumir esses sentimentos, mas desde o primeiro dia que esbarrou em mim lá em Cancún, você mexeu comigo de uma maneira única, me fez sentir coisas que eu nunca tinha sentido por mais ninguém. — Meu coração batia descontroladamente, não sabia o que dizer.
Ele segurou em meu queixo e levantou minha cabeça para fixar seus olhos nos meus. Sempre fui apaixonada por seu olhar, ali estava escondido do mundo toda a sensibilidade existente dentro dele e eu era uma das poucas pessoas que o conhecia daquela forma.
— Eu sempre fui muito fechado em relação a sentimentos e a minha primeira reação ao perceber que estava começando a me apaixonar por você foi me esquivar. Eu nunca soube por quanto tempo eu ficaria em uma cidade, então nunca criei vínculos sinceros. Eu só passava e deixava tudo para trás. Mas quando você chegou aqui tudo mudou, agora percebo que mesmo eu negando, o que eu sinto por você nunca deixará de existir — ele terminou de falar e eu senti todas as minhas forças sendo sugadas. Minhas pernas ficaram amolecidas e ainda não sabia como continuava de pé. Minhas mãos estavam frias e eu as esfreguei na lateral do meu corpo para ver se esquentavam.
— Calma que ainda estou tentando compreender tudo o que você falou. Não é fácil para mim ouvir isso depois de tudo que passamos juntos, sabe? Eu voltei das férias louca para te ver novamente, então quando você apareceu e nem sequer falou comigo me senti destruída. Perguntava o que eu tinha feito de errado para você se afastar daquela forma. Eu fiquei completamente no escuro, sem nenhuma explicação. — Todas as palavras que eu vinha querendo dizer a ele faz tempo saíram como um furacão de minha boca, rápido e sem pausas. Respirei fundo para conseguir dizer as palavras seguintes. — Foi muito difícil chegarmos até aqui juntos e não quero ficar presa no passado, por isso eu quero que saiba que eu te amo. Que eu sempre te amei.
Um alívio instalou-se em meu peito ao dizer aquelas palavras, não queria guardar nenhum ressentimento dele e tinha esperanças de que agora nós enfim poderíamos começar uma história juntos. Um sorriso desenhava os seus belos lábios e ali eu tive a certeza de que estava fazendo a escolha certa.
— Posso te fazer uma última pergunta? — perguntou com aquele típico sorriso de mauricinho que só ele tinha e que era capaz de me transmitir mil e uma emoções diferentes, apenas consegui balançar a cabeça, afirmando. — Lutteo, sim ou não?
— Você tem alguma dúvida mauricinho?
Ele aproximou-se devagar enroscando o braço em minha cintura, puxando meu corpo para mais perto do seu. Sentia fios de energia invisíveis entre nós, nos alinhando, a medida que íamos nos aproximamos sentia uma corrente passar por esses fios e chegar até o meu corpo, causando-me arrepios. Isso era bom. Por fim ele tocou os meus lábios com os seus, fomentando-me milhares de sensações apenas com um leve toque. O beijo era calmo e ao mesmo tempo necessitado, ao ter sua boca colada a minha novamente depois de tanto tempo percebi o quanto senti saudades do seu beijo."
Não sabia se odiava Matteo por ter ido embora e deixado-me aqui sem forças ou por ter quebrado a promessa de que nada nunca seria capaz de nos separar. Creio que essas duas coisas estavam interligadas na minha raiva por ele. Estava extremamente vulnerável por ter deixado Matteo entrar na minha vida, mesmo sabendo que ele não tinha planos para ficar nela. As lágrimas estavam acumuladas em meus olhos e me esforcei bastante para não deixar que nenhuma delas caísse. Talvez fosse orgulho, por ele não merecer nada vindo de mim, mas não me importava, se as coisas precisavam ser assim para eu não sofrer mais, não ligaria.
— Você está bem? Esteve dispersa durante toda a aula — Nina perguntou assim que sentamos em um dos bancos de madeira que tinha espalhado pelo parque. Decidimos vir aqui depois das aulas e eu aceitei porque queria espairecer um pouco e parar de pensar tanto no meu passado e em Matteo. O que não adiantou em nada na tarefa de esquecer o segundo sujeito dessa oração, já que foi naquela praça que eu vivi momentos indescritíveis com ele, quando em um desses bancos ensaiamos uma cena de Romeo e Julieta para a oficina de teatro, naquele dia estávamos tão próximos que eu era capaz de sentir as batidas do seu coração. Percebi que sim, eu estava me apaixonando por ele, sendo que negar sempre foi a minha melhor opção.
— Nina, a verdade é que eu não sei mais o que fazer — admiti para minha melhor amiga, não aguentava mais esse sentimento insuportável que preenchia todos os meus poros. — Eu tento fugir do meu passado, mas sempre tem algo esfregando tudo na minha cara. Sem contar que eu não consigo parar de pensar no Matteo, eu já deveria ter superado, não é? Eu o odeio tanto.
— Luna, eu já falei tudo o que penso sobre o que você deve fazer em relação ao seu passado. Agora sobre o Matteo, você vai superando com o tempo, quando conhecer novos amores, ter novas experiências, ele foi alguém muito importante em sua vida. Sobre odiá-lo, acredito que seja apenas uma barreira de proteção, você está tentando convencer o seu coração a odiá-lo, pois não aceita a ideia de que ainda o ama, está tentando apagar um sentimento colocando outro por cima. Isso é normal Luna, você deve apenas aceitar.
— Não é fácil aceitar Nina, e é ainda mais doloroso admitir que eu o amo, sinto que todas as células que compõem o meu coração estão morrendo uma por uma a cada segundo. Também não sei se é normal eu sentir culpa por algo que eu não fiz. — As lágrimas que eu segurei durante a semana vieram contemplar os meus olhos.
— Luna, já parou para se perguntar os motivos que levaram o Matteo a fazer isso? A ir embora? — perguntou. A resposta é: sim, a todo instante eu pensava nisso, em tudo que ele me disse, mas não me permiti acreditar. A culpa não foi minha.
— Nina, eu só quero esquecer — disse. Já estava ficando irritada, não com ela e sim comigo. — Matteo fez sua escolha e decidiu se afastar de vez, ele está seguindo em frente sem mim. Sabe de uma coisa? Eu vou fazer o mesmo, vou seguir em frente aniquilando Matteo da minha vida para sempre. Não quero pensar nem falar dele. — Estava determinada e não iria desistir até remover Matteo completamente da minha mente e do meu coração.
— O que você quer dizer com isso?
— Matteo é história Nina. Eu vou apagá-lo do meu coração, apagar esse amor que ainda existe aqui dentro de mim por ele.
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