“Talvez ele fosse a pessoa certa para você, mas que chegou no momento errado.”
Buenos Aires, Argentina
Agosto de 2018
Luna Valente
Meus pés clamavam por descanso, mas eu não me importava com isso, continuava patinando, sentindo a adrenalina pulsar em minhas veias. Esse era o momento do meu dia onde eu mais conseguia me desligar do mundo e dos meus pensamentos, todas as minhas emoções eram descarregadas na patinação.
Algumas semanas depois da conversa sobre as cláusulas do contrato eu já havia começado a treinar. Todos os dias após o Blake eu vinha para a pista e não, não era no roller. Era em um local exclusivo, onde alguns treinadores alugavam apenas para treinamento.
— Luna! Por hoje já deu. — Felipe olhava para a prancheta enquanto me chamava.
— O que houve? Fiz alguma coisa de errado? — Ficava preocupada com absolutamente tudo, não poderia correr o risco de bobear e perder essa chance que mudaria o meu futuro.
— Muito pelo contrário querida, você está ótima, a cada dia evoluindo mais e se esforçando bastante. — Ele saiu da pista e eu o segui, ainda com os patins nos pés. Peguei minha garrafinha de água e em poucos minutos o líquido já estava pela metade.
— Mas então, por que parou com o treinamento? Deveríamos retornar à pista e tentar aquele passo que você me falou, eu ainda não estou muito confiante com ele. — Sentei em um dos bancos que tinha ali e Felipe começou a juntar seus materiais.
— Luna meu anjo, você está patinando há mais de três horas sem nenhum intervalo. Menina, isso não faz bem para o seu condicionamento físico nem para a sua saúde, claro que devemos treinar bastante, mas você não deve expor seu corpo a um limite maior do que o que ele normalmente está acostumado a suportar. — Ele estava certo, de uns dias para cá eu vinha exigindo mais de mim e eu sabia muito bem o motivo. Ver fotos de Matteo com outra garota onde estavam super felizes, abalou minhas estruturas, já deveria saber que seria assim, mas algo dentro de mim criou esperanças de que ele se importava comigo, mesmo que minimamente. Eu era muito burra.
— Ok, nos vemos amanhã? — perguntei sentando em uma cadeira e desamarrando o cadarço dos patins.
— Vamos fazer assim: você vai para casa agora e descansa o final de semana inteiro e voltamos apenas na segunda. Amanhã é sexta, saia com seus amigos, divirta-se, você está precisando, não pode simplesmente passar o dia patinando. — Terminou de arrumar suas coisas e me deu um abraço, um beijo na bochecha e foi embora. Desde que comecei a patinar como solista não tinha visto muito o pessoal do roller, já que raramente passava por lá, com as meninas ainda tínhamos contato por causa da escola e de vez em quando combinamos de sair juntas. Talvez falasse com elas amanhã no Blake e combinasse de fazer algo divertido.
Terminei de tirar os patins e não me surpreendi ao ver algumas bolhas causadas pelo treino excessivo. Precisava chegar em casa com urgência e enfiar meus pés em um balde de água gelada, isso com certeza iria amenizar o estrago que essas bolhas causariam. Coloquei minha mochila em um ombro e os patins no outro, seguindo para fora da pista. Assim que saí vi que o Tino já me esperava escorado na SUV preta, entrei com pressa no carro e suspirei aliviada por ter tirado a pressão do meu corpo sobre meus pés.
Acordei no dia seguinte com o meu corpo completamente dolorido, só agora que fui sentir a dor por todo o esforço exagerado que vinha fazendo durante toda essa semana, principalmente de ontem. Eu praticamente estava deitada na mesa escrevendo as anotações que a professora de matemática passava, não que eu estivesse muito interessada. Arrumei meu corpo na carteira e virei a cabeça discretamente para trás, precisava falar com as meninas sobre os planos que eu tinha de sairmos juntos.
— Meninas, estava pensando que poderíamos fazer algo depois da aula. — as três pararam de fazer as anotações no caderno e agora prestavam atenção no que eu falava.
— Mas você não tem ensaio hoje Luna? — Nina perguntou e arrumou os óculos no rosto. Jim e Yam questionaram a mesma coisa.
— O Felipe me liberou por hoje, disse que eu estava me esforçando mais que o necessário e me deu essa folguinha. Eu agradeço, meu corpo tá todo dolorido — lamentei baixinho para não chamar muita atenção e as meninas riram do meu comentário.
— Sorveteria depois do Blake? — Jim perguntou e afirmamos. Estava bastante animada para passar esse tempo com elas novamente.
— Meninas, se vocês não ficarem em silêncio, vou ser obrigada a pedir que se retirem de sala — a professora falou autoritária e apenas dissemos que não abriríamos mais a boca.
E isso realmente aconteceu, passamos os últimos minutos da aula com a atenção focada na explicação e sem mais nenhuma conversa paralela.
O restante do dia passou sem eu ao menos perceber, acho que é porque quando fazemos algo divertido e que ocupa nossa mente as horas passam rapidamente. Como combinado, depois do Blake fomos a sorveteria que sempre costumamos ir e para completar, a Delfi e a Jazmín também foram conosco. Para que esse dia com elas durasse, convidei-as para dormir na minha casa e agora nós estamos assistindo filmes, na verdade nós conversamos mais que assistimos, e também comendo muita besteira.
— Creio que toda essa mudança não foi fácil para você. — Não sabia a que mudança em específico a Delfi se referia, mas acreditava que fosse em relação a patinação.
— No começo não foi nada fácil, era estranho olhar para o lado e não ver nenhum de vocês ou não ter a Juliana ditando ordens a todo momento. Demorei a me acostumar fazer alguns passos sem o... — policiei-me a parar de falar. Não iria citar o Matteo naquela conversa, o clima estava bastante agradável para eu encher de remorso e tristeza.
— O Matteo? — Jazmín sorriu e pegou o seu tablet. — Os meus Jaz fãs querem saber, então conta pra gente: Por que o Matteo decidiu ir para Oxford se antes ele abriu mão de tudo por você? Vocês ainda conversam? Você sente saudades? — As lágrimas já estavam se formando em meus olhos, mas eu não iria chorar, não de novo, não por ele.
Eu sinto saudades dele? Não Luna, você não sente saudades, ele é apenas o garoto que destruiu o seu coração e abalou todas as suas estruturas.
— Jazmín! — Delfi ralhou com ela, que apenas soltou um "O quê?" afetado. — Você não pode usar a vida amorosa da Luna para ganhar seguidores. — Ou a falta dela, quis acrescentar, mas preferi ficar quieta.
Depois daquela situação constrangedora, decidimos que o melhor era irmos dormir. Concordei com elas, queria esquecer daquilo e apenas descansar.
Na segunda feira eu me arrumava para ir à pista, estava um pouco atrasada e fazia as coisas na pressa. As meninas continuaram aqui na mansão e só retornaram para suas casas ontem já de tardinha, como era de se esperar, Âmbar e sua cadelinha de estimação, a Emília, vieram nos importunar, porém, fingimos que elas não falaram nada e seguimos conversando normalmente.
Entrei na pista e encontrei o Felipe conversando com alguém que eu não reconhecia na arquibancada. Quando perceberam minha presença, Felipe me chamou para juntar-me a eles na conversa.
— Boa tarde — saudei educadamente e eles responderam da mesma forma.
— Anjo, estávamos aqui conversando justamente sobre você. Esse aqui é o Juan. — Ele esticou a mão e eu apertei-a, firmando o cumprimento. — Ele é professor de ballet aqui na academia, que justamente você irá iniciar hoje.
Fiquei confusa, não entendia porque era necessário que eu fizesse aula de ballet. Com certeza ao ver minha confusão, ele tratou de se explicar.
— Eu quero trabalhar com o seu equilíbrio e a sua postura e é aí que entra o ballet, é essencial que você saiba pelo menos o básico. E é através dele que você vai conseguir mais leveza dentro da pista e realizará os passos com a delicadeza e a precisão necessárias. — Apenas concordei. Já havia feito ballet quando criança, mas há muito tempo e com certeza já não me recordo de muita coisa do que aprendi.
Fui até a recepção pegar a roupa que eu usaria para fazer as aulas e troquei-me no vestiário, caminhando logo em seguida para o quinto andar, onde ficava a sala de ballet.
Grand pilé, demi pilé. Isso ficou na minha cabeça desde o momento que entrei naquela sala, meu corpo já antes dolorido, agora estava cem vezes pior. Podia sentir todos os tendões dos meus músculos doerem e pedirem por descanso, não lembrava que era tão difícil. Ao recordar que daqui há trinta minutos eu teria treino na pista meu corpo já se contorcia pedindo desistência.
Diferente de todas as vezes, dessa eu preferi descer de elevador, não sei se conseguiria descer seis lances de escadas, já que a pista é no subterrâneo. Calcei meus patins e iniciei com a série de alongamentos para depois começar a realização dos passos.
— Luna, hoje iremos tentar aquele passo que eu lhe falei naquele dia, que você começa rodando com os joelhos flexionados e depois deixa o corpo ereto e continua com os giros — afirmei com a cabeça e entrei na pista. Aquele não era um passo simples, já havíamos tentado trabalhar com ele outras vezes e em nenhuma delas eu estava conseguindo realizá-lo muito bem, tinha certeza que precisaria de muito mais treino para que ele saísse excelente.
Como era esperado, a consumação do passo não saía de forma alguma, não sabia o que estava acontecendo comigo, mas minha concentração não estava na pista, eu pensava em absolutamente tudo, menos na patinação. Já fazia meia hora que eu tentava fazer o maldito e não ia, sempre que eu levantava não conseguia continuar com o giro e acabava caindo, minhas nádegas estavam extremamente doloridas de tanto entrarem em contato com o chão.
— Luna, concentração. Esqueça de todas as coisas e mantenha o foco apenas aqui, na patinação. — respirei fundo tentando relaxar, e voltei a fazer o passo. E mais uma vez, depois outra vez e nada.
Flexiona os joelhos.
Não pare de girar.
Coluna reta.
O passo não é sobre ter força.
Leveza Luna, deslize sobre a pista com delicadeza.
Mantenha os olhos fixos em um único lugar durante todo o tempo.
Essa era alguma das instruções que o Felipe me passava e eu tentava segui-las, sem muito sucesso, devo ressaltar. Sempre tinha algo que atrapalhava a conclusão do passo. Ao chegar no final do treino eu me encontrava em um estado de pura exaustão.
A única coisa que eu desejava ao chegar em casa era tomar um banho e descansar. Porém o universo não estava ao meu favor no dia de hoje, assim que eu entrei em casa acabei esbarrando na Âmbar. Isso é sério universo? Logo a Âmbar? Pedi desculpas pelo esbarrão e tentei passar por ela para seguir em direção ao meu quarto, entretanto ela segurou em meu braço impedindo que eu prosseguisse.
— O que foi priminha? — Engoli em seco enquanto ela olhava para mim com ódio. — Não quer conversar comigo?
— Não temos nada para conversar Âmbar. Pode me soltar agora? — Tentei desvencilhar meu braço de suas mãos e ela apertou mais seus dedos contra a minha pele, deixando a marca de seus dedos ali.
— Pois eu lhe garanto que temos muito o que conversar. — Sua voz era raivosa, conseguia perceber claramente o ódio que ela sentia apenas pela sua fala. — Você se acha a melhor, não é mesmo? Eu é quem deveria estar seguindo carreira como patinadora solista, mas você roubou a minha oportunidade, como sempre — gritou soltando meu braço com brutalidade, fazendo com que eu desse uns passos para trás.
— Eu nunca te fiz nada, não sei do que está falando. — Alisava meu braço esquerdo que estava vermelho com a marca dos seus cinco dedos.
— Não venha se fazer de santinha, desde o dia que você apareceu na minha vida tudo virou de cabeça para baixo. A tão amada Luna Valente sempre consegue o que quer, não é mesmo? — ela falava ironicamente, não sabia onde aquela conversa iria chegar, mas tinha certeza que não acabaria bem, principalmente para mim. — Primeiro o meu lugar no roller, ainda não entendo como uma patinadora como você foi capaz de roubar o meu lugar, mas você tem que ser o centro das atenções onde for. Ah claro, não poderia esquecer do Matteo, você roubou ele de mim, roubou o amor dele de mim, mas claramente ele não te suportou e foi embora. — as lágrimas rolavam por meu rosto, ela estava ficando louca. Será que o Matteo foi embora por que não me suportava? Pensar isso doeu de muitas maneiras diferentes.
— Não entendo esse seu ódio sem fundamento por mim. Nunca te fiz nada, sempre tentei me aproximar de você e ser sua amiga, sendo que você sempre me colocava para baixo. Não tente colocar a culpa em mim por seus erros, não tenho culpa se o seu egoísmo fez com que você perdesse tudo o que tinha, sua tão querida popularidade, suas amigas e o seu amado namorado, eu nunca pedi por isso — gritei tudo que ficou entalado em minha garganta durante muito tempo.
Antes que eu pudesse raciocinar, ela jogou-se em cima de mim, lançando suas mãos em meu pescoço, sufocando-me. Na medida que tudo ia escurecendo diante dos meus olhos, senti o peso de suas mãos saírem do meu corpo e eu caí.
Minha cabeça rodava e algo incômodo mantinha-se preso ao redor do meu pescoço, abri os olhos vagarosamente, tentando acostumá-los com a claridade. Levei minhas mãos até o objeto desconhecida por mim tentando tirá-lo, estava agoniada. A ação só fez com que uma dor se alastrasse pela minha garganta, causando uma onda de tremores por todo o meu corpo.
— Hey querida, não faça isso. — Uma voz foi ouvida e sem eu esperar a pessoa já estava perto de mim, colocando suas mãos sobre as minhas, afastando-as do meu pescoço e ajustando o imobilizador que eu havia retirado do local. — Não faça muito esforço, vou levantar um pouco sua cama para que fique mais confortável. Fique quietinha enquanto eu vou chamar o médico para lhe ver.
Estava incomodada, não gostava nenhum pouco de ficar parada e sem falar nada, mas toda vez que eu me mexia ou tentava dizer algo, uma dor me atingia. Então preferi fazer o que a enfermeira mandou e permaneci quietinha.
A porta do quarto foi aberta e por ela entrou a enfermeira que saiu daqui minutos atrás acompanhada de um homem alto na faixa dos quarenta anos, que eu deduzi ser o médico.
— Então Luna, a sua situação não é tão simples, você passou muito tempo sem oxigênio e os seus pulmões ainda não estão trabalhando a cem por cento — ele falava enquanto fazia algumas anotações em uma prancheta. — Peço que não preste muito esforço. Vou tirar o imobilizador do seu pescoço para realizar alguns exames.
Suas mãos foram para a minha nuca e eu arregalei os olhos assustada, ele pediu para que eu não me mexesse e quando eu consegui manter-me relaxada ele retirou o imobilizador e eu agradeci por isso, não aguentava ficar com aquilo preso no meu pescoço. Era sufocante. Ele começou a tocar levemente em alguns pontos específicos do meu pescoço, contorci meu rosto em uma careta pela dor que a ação dos seus dedos causava.
— Tente falar alguma coisa agora. — uma de suas mãos estava na minha nuca, sustentando minha cabeça, enquanto a outra pressionava o ponto central da minha garganta. — Vamos lá, repita comigo: "Me chamo Luna Valente..."
— M-me-e cha-amo Lu-n-na V-va-a-le-nte — fiz um enorme esforço para dizer aquelas simples quatro palavras. Sentia minha garganta latejar e uma dor atingir todos as minhas células por dentro. — O-onde estão me-eus pais? — perguntei, pois desde o momento que acordei não os tinha visto.
— Você não estava apta para receber visitas e a sua mãe, que foi a pessoa que ficou responsável por você, saiu para comer alguma coisa, já deve está voltando. — quem disse aquilo foi a enfermeira que permanecia perto da porta. Acomodei-me melhor na cama e suspirei aliviada por não precisar usar mais o imobilizador no pescoço.
Pouco tempo depois minha mãe entrou no quarto e junto com a enfermeira ela me ajudou a ir tomar um banho. Ao ver o meu reflexo no espelho, espantei-me com a minha aparência. Eu estava extremamente pálida, meus olhos estavam opacos e com manchas roxas abaixo deles, meus lábios rachados e arroxeados, sem contar as marcas que se estendiam por algumas regiões ao redor do meu pescoço. Afastei-me rapidamente, não querendo mais ver o meu estado assustador.
Perguntas pairavam em minha mente, porém eu tinha medo de fazê-las, principalmente uma em especial, então preferi não falar nada por enquanto. Eu comia enquanto criava coragem para fazer a pergunta a minha mãe, até a ação de comer estava difícil, além de que sempre que eu engolia minha garganta doía, a comida do hospital não ajudava em nada, já que era horrível e por causa do meu estado nada era sólido e consistente.
— Mãe — disse ao terminar de comer e ela aproximou-se removendo a bandeja de cima da cama e perguntando se eu estava me sentindo bem, apenas balancei a cabeça afirmando. — O que aconteceu com a Âmbar? — o esforço que fiz para perguntar aquilo foi enorme, não apenas pela dor causada e pela dificuldade de falar, mas também pelo nervosismo que eu sentia. Muitas pessoas acham que eu sinto raiva da Âmbar, mas isso não é verdade, nunca foi, apesar de tudo que ela me causou.
— Não queríamos falar disso agora. — Minha mãe encontrava-se bastante nervosa e isso era notório a quilômetros de distância. Ela olhou para os lados e quando constatou que estávamos sozinhas continuou falando. — Mas o melhor não é ficar adiando esse fato, já que uma hora ou outra você saberá. Depois que o seu pai viu a cena que sucedeu a você estar aqui nesse hospital, decidimos entrar em contato com uma clínica especializada em problemas mentais, pois achávamos que ela poderia está com algum problema depois de tudo que a garota passou durante todos os anos, desde a sua infância. Ela já cresceu com problemas psicológicos e isso apenas piorou. Os médicos a diagnosticaram com transtorno de personalidade e depressão e também comentou que agora o que ela mais precisa é de apoio, como ela nunca teve ninguém em quem depositasse sua confiança, decidimos ser essas pessoas para ela. No começo não será fácil, já que ela ver a todos nós como uma ameaça, então ela ficará internada por um tempo, fazendo os tratamentos para ver se sucede em alguma melhora. — Fiquei bastante triste ao saber por tudo que ela estava passando, nunca tinha nem cogitado essa ideia. Pode soar falso, mas eu nunca fui tão sincera, eu apenas quero que ela melhore e farei o possível para ajudá-la nesse processo.
Quatro dias depois eu recebia alta, seguida de algumas recomendações do médico. Ele reforçou a questão do repouso, dizendo que nas próximas três semanas eu não deveria fazer muito esforço, incluindo falar e patinar, eu estava desesperada ao saber que não poderia ir para a pista tão cedo, mesmo o Felipe falando que o importante agora era minha saúde, isso não me confortou, já que patinar é algo que me desestressa, que remove todas as tensões do meu corpo.
4 MESES E MEIO DEPOIS
Buenos Aires, Argentina
Dezembro de 2018
Véspera de natal, normalmente eu estaria no México comendo as mais diversas comidas apimentadas pelas quais eu sou apaixonada, mas nesse ano os planos da família foram alterados drasticamente. Agora estava aqui, arrumando minhas roupas em malas e alguns pertences pessoais importantes dentro de caixas, porque depois das férias de fim de ano eu seguiria para morar nos Estados Unidos. No início meus pais não queriam deixar que eu fosse, por motivos de que eu moraria em um país desconhecido e “sozinha”, já que segundo minha mãe, se eu não estiver com eles estarei sozinha.
Outro motivo para termos continuado em Buenos Aires era a Âmbar, desde o fatídico acidente onde foi internada na clínica para pessoas com transtornos mentais ela não saiu nenhuma vez e essa seria a primeira, já que segundos os médicos ela estava avançando bastante com o tratamento, porém, que de qualquer maneira era melhor ela continuar pelo país. Nesses meses eu não fui visitá-la nenhuma vez, não sei se estava preparada para enfrentar isso, mas Simón e meus pais iam com bastante frequência e sempre comentavam comigo como ela melhorava a cada seção.
Batidas na porta ecoaram pelo quarto e eu gritei um entra e ouvi o rangido da porta sendo aberta. Pensava que era minha mãe, mas surpreendi-me ao virar e encontrar com a Âmbar parada entre o vão da porta semiaberta.
— Posso entrar? — Apenas confirmei e ela adentrou no quarto, deixando a porta aberta.
O silêncio que pairava por todo o ambiente era bastante incômodo, terminava de arrumar as últimas roupas dentro da mala e ela permanecia sentada na beirada da cama desde o momento que entrou no quarto.
— Queria te pedir desculpas. — Sua voz era baixa e trêmula, podia ver suas mãos tremendo tamanho o nervosismo que ela sentia. — Eu sei que pode parecer não ser sincero e tem muitas chances de você não me perdoar, mas eu preciso pelo menos tentar, não quero conviver com o fato de que você me odeia para sempre.
— Eu não te odeio. — Sentei ao seu lado na cama pegando suas mãos e colocando entre as minhas.
— Não entendo o porquê, depois de todo o mal que eu te causei, quero te pedir perdão por tudo isso, eu estava fora de mim. A terapeuta falou que a minha mente te projetou como uma ameaça, por causa de tudo que eu passei na infância, sabe? — Ela tirou uma das mãos de entre as minhas apenas para limpar a lágrima que escorreu por seu rosto. — Quando você chegou minha mente disse que você iria roubar tudo o que eu tinha, que tentaria tirar a atenção das pessoas de mim, e eu tinha isso como o meu aliado, já que desde criança eu nunca recebi carinho nem amor da minha madrinha, por causa dessa obsessão eu acabei causando imensos e irremediáveis danos a você e principalmente, a mim mesma.
— Não precisa se preocupar, já passou.
— Desculpa também pelo que eu falei sobre o Matteo, a verdade é que ele nunca me amou, talvez sentisse um certo carinho por mim, mas amor? Não. — soltou uma risada sem graça e continuou falando. — Não sei o motivo do seu término com ele, mas pode ter certeza que não foi por ele não te amar, era notável para qualquer pessoa o forte sentimento que ele nutria por você, a forma que ele te olhava, confesso que muitas vezes isso me causava inveja. Ele te olhava com amor e devoção, um olhar que uma pessoa recebe uma única vez em toda sua vida, e ali você entende que aquele amor vai ser eterno, mesmo que o relacionamento não seja, o amor continuará ali, guardadinho. Também percebo que você não deixou de amá-lo pelo jeito que você se põe nervosa ao falarmos dele, mesmo que o seu maior desejo fosse não sentir mais esse amor.
Engoli em seco com as palavras dela, meu olhar agora percorria todo o quarto, mas não conseguia encarar seus olhos azuis. Fiquei super nervosa e constrangida com o que ela falou, se não foi porque o amor acabou, qual motivo que o levou a ir pra longe, deixando-me aqui destruída?
— Eu nunca tinha recebido aquele olhar, até o Simón aparecer na minha vida. Confesso que no começo eu só queria usá-lo para acabar com a sua vida, sendo que eu me deixei envolver demais e no final eu estava completamente apaixonada por ele. — ela sorria, um sorriso genuíno, de alguém que sabe que encontrou o amor e que é correspondido. — Quando eu estou com ele sinto tudo ao meu redor ruir e só resta nós dois no nosso mundo particular. — na medida que ela falava fui lembrando de todos os momentos que eu vivi com o Matteo e de todas as sensações boas que me atingiam quando eu estava com ele. Não conseguia colocar em palavras o tamanho da saudades que eu sentia. — Eu sei que você sentia tudo isso com o Matteo, talvez ele fosse a pessoa certa para você, mas que chegou no momento errado. E possa ser que a vida tirou ele de você para que se tornassem pessoas mais maduras e aprendessem a ouvir mais o que o outro tem a dizer. E caso os destinos dos dois estiverem ligados para sempre, pode ter certeza que a vida vai arrumar um jeito de cruzar os seus caminhos novamente, possa ser que esse aviso venha como um furacão e de uma maneira trágica ou talvez, venha como a brisa fraca batendo contra as folhas das árvores, lentamente e sem fazer muita bagunça.
Soltei uma risada nasalada, meu coração queria muito que aquilo fosse verdade, mas minha mente gritava para eu aniquilar aquela possibilidade, pois, sabia que iria sofrer mais uma vez. Sobre a Âmbar, nunca pensei que fosse ter aquela conversa, mas por incrível que pareça eu me sentia muito bem estando assim com ela, quem sabe naquele momento estivesse nascendo uma grande amizade.
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