“Meu coração era dela desde o maldito momento em que eu encarei seu rosto banhado de lágrimas naquele quarto de hotel. Acho que antes disso ele já a pertencia, eu apenas não sabia.”
Matteo Balsano
Após o táxi sumir da minha visão, continuei ali no meio da chuva, estático. Sem me importar com as grossas gotas de água que batiam contra a minha pele. As palavras dela ainda estavam rodando em minha mente, como um disco arranhado que ficava repetindo a mesma parte sequencialmente.
Era capaz de sentir a dor que ela sentiu apenas olhando para os seus olhos. Eles transbordavam mágoa, angústia, medo. Quando a abracei, pude sentir seu corpo relaxar e percebi que nada no mundo se comparava a sensação de tê-la em meus braços. De sentir o aroma doce que exalava dos seus cabelos, do contato da sua pele macia contra a minha.
Quando a soltei para poder acomodá-la no assento do táxi, senti um vazio dentro de mim e a pele do meu braço que estava em torno do seu corpo formigava, pedindo para que ela voltasse a se aconchegar ali.
Voltei para o interior do salão e busquei pelas pessoas que vieram comigo, não tinha cabeça para continuar naquele local, apenas os avisaria que já estava de saída e caso eles quisessem, poderiam continuar aproveitando a festa. Porém os três decidiram me acompanhar de volta ao hotel. Fui até o Marcus para me despedir e ele disse que no dia seguinte voltaria a entrar em contato comigo, afirmando que muitos empresários musicais que estavam ali, tiveram interesse em minha carreira. Tentei mostrar a felicidade que eu sentia, estava feliz com isso, mas uma parte de mim continuava triste e não era tão fácil de esconder.
Estava esgotado. Parecia que minhas energias tinham evaporado, não existia forças em mim para fazer nada depois que meu corpo foi depositado sobre a cama. Entrei em um estado de inércia, e por essa razão demorei para ter o conhecimento de que alguém batia na porta. Vagarosamente levantei da cama e caminhei até ela, destrancando a fechadura e dando de cara com um Gastón preocupado do outro lado.
— Hey cara, ainda não trocou essa roupa molhada? — perguntou entrando no quarto e logo tratei de fechar a porta atrás de mim. — Quer conversar sobre o fato de ter encontrado novamente com a sua ex, pela qual você ainda é completamente apaixonado?
Touché. Não tinha para onde correr nem o porquê de negar, era explícito que nenhum sentimento dentro de mim foi modificado ou apagado. Cada parte do meu corpo pertencia a ela, meu coração era dela desde o maldito momento em que eu encarei seu rosto banhado de lágrimas naquele quarto de hotel. Acho que antes disso ele já a pertencia, eu apenas não sabia.
— Eu não pensei que isso fosse acontecer. — fui sincero. — Na minha mente, quando eu a encontrasse pessoalmente iria pedir perdão e retirar esse peso de cima de mim, apagaria esse sentimento de culpa que existe no meu coração.
— Para toda a sua frustração creio que não foi exatamente isso que aconteceu. — Ele caminhou e sentou no espaço vazio ao meu lado na cama, dando alguns tapinhas leves em meu ombro. — Você ainda a ama, e não tenha dúvidas que o sentimento continua sendo recíproco. Eu percebi a maneira que ela te olhava, era a mesma de quatro anos atrás.
— Isso não muda nada. — soltei uma risada nasalada e abaixei a cabeça. — Não importa o quanto eu a ame ou o tanto que ela ainda me ama. Mas eu a machuquei de muitas maneiras e não foi apenas uma vez.
— Matteo, isso é passado e você deve deixá-lo lá, o que aconteceu você não é capaz de mudar. Mas você mudou quem você é, ela também mudou. E vocês dois juntos podem transformar o destino que achavam que essa história teria. — Aquela conversa parecia muito com a qual tivemos anos atrás quando vi a Luna abraçada ao Simón na praia. — Não acho que seja coincidência os dois se esbarrarem como nos velhos tempos, e logo em seguida voltarem a se encontrar quando ambos apenas querem distância um do outro. As coisas acontecem porque deveriam acontecer, talvez seja uma nova chance que a vida está dando a vocês.
Não acreditava naquela baboseira de destino, muito menos em novas chances. Creio que você conseguia as coisas quando lutava para tê-las, simples assim.
— Gastón, eu esbarrar na Luna não é nada de novo, ela sempre foi muito distraída e estabanada, nos esbarramos constantemente, isso não mudou. E foi sim, uma coincidência voltarmos a nos encontrar naquela festa. — Meu tom de voz era sarcástico, mas eu sabia que algo dentro de mim não acreditava naquilo que eu falei.
— Isso se chama destino. — Revirei os olhos com a insistência do meu amigo em relação aquele assunto.
— Talvez seja o karma.
— Pera lá... Você acredita em karma mas não acredita em destino?
Bem irônico né? Eu sei.
— Sim, querendo me mostrar aquilo que eu perdi e que nunca voltarei a ter, que ela está seguindo a sua vida sem mim e que eu devo fazer o mesmo. — Minha voz saiu triste e meu coração apertou quando disse aquelas palavras.
— Não sei o porquê, mas eu sinto que você não queria dizer isso.
— Nós nos beijamos!
— Como? Em qual momento isso aconteceu que eu me perdi aqui? — ele falou confuso e eu percebi que eu estava da mesma forma, fazendo a mim mesmo essas duas perguntas.
— Quando eu terminei de cantar, olhei para a Luna e seus olhos estavam marejados, ela saiu apressada do salão e eu fui atrás. Não queria que ela voltasse a sofrer por minha causa. — Suspirei frustrado e passei as duas mãos pelo cabelo até chegar na nuca, onde as deixei por um tempo.
— E então? — perguntou curioso. Levantei a cabeça para olhá-lo e senti meus olhos úmidos pela vontade repentina de chorar.
— Eu fui com a intenção de conversarmos, mas do nada já estávamos nos beijando loucamente. Eu queria aquilo e ela também queria. Dentro de mim se instalou a incerteza de que seria certo ou errado. Era um erro, nós dois sabíamos todo o sofrimento pelo qual passamos, todo mal que causamos um para o outro. Mas tinha outro lado que dizia que era o correto, ambos desejavam, e por algumas frações de segundos eu me agarrei naqueles pensamentos. — Gesticulava com as mãos enquanto falava. Essa mania não mudou, desde sempre eu tenho o costume de quando estou irritado e nervoso começar a mexer as mãos freneticamente para não explodir. — Ela foi a primeira a perceber que não deveríamos fazer aquilo, então saiu correndo e eu a segui, queria pedir desculpas por tudo. Ela chorava e tudo o que me disse doeu dentro de mim.
Ele não disse nada, o que me surpreendeu. Apenas levantou de onde estava e caminhou até a porta. Minha cara agora com certeza deveria ser de uma pura confusão.
— Matteo, tudo está na sua frente, você deve apenas aceitar e fazer as coisas certas dessa vez — disse e abriu a porta do quarto saindo dali.
Ele simplesmente saiu. Fiquei com aquelas palavras rondando por minha cabeça. Não entendia o que ele quis dizer com aquilo, nada era claro na minha cabeça. Ele não podia dizer algo sem sentido e depois sair me deixando sem explicação.
Três dias haviam se passado desde que eu vi a Luna pela última vez naquele evento. Gastón não voltou a tocar no assunto, porém, passei todos esses três malditos dias remoendo em minha cabeça o que ele disse. Queria uma explicação, entender o que aquelas palavras significavam. Era tudo muito confuso.
Meu plano principal para esses dias restantes que eu passaria na cidade era não retornar a esbarrar na Luna, todavia, a sorte claramente não estava ao meu favor. Sabia que ela permanecia em Londres, pois no dia seguinte ao evento Marcus ligou comunicando que ocorreria uma apresentação de patinação na cidade e que eu era o seu convidado de honra, no meio dessa conversa ele falou sobre a Luna e que ela seria uma das patinadoras a fazer parte do espetáculo.
Como no evento que passou, tinha o direito de levar acompanhantes e como não é nenhuma novidade, Gastón, Nina e Amelia iriam comigo. Assim que chegamos no local, seguimos até às arquibancadas e um dos funcionários dali avisou-me onde Marcus estava quando eu disse quem eu era.
Acomodamo-nos em nossos lugares e as garotas saíram para comprar comida, não tinha fome. Estava inquieto e com um pressentimento de que algo ruim aconteceria naquela noite. Ansiedade também era um sentimento presente, fazia anos que não assistia a Luna patinar, sempre foi algo que eu gostei de ver. Ela tinha um brilho no olhar e uma empolgação inigualável que a deixavam mais fascinante.
— Acredito que esses três dias que passaram foram suficientes para você pensar no que eu lhe disse. — Saí dos meus devaneios com o Gastón iniciando uma conversa comigo.
— Não gostaria de admitir, mas a verdade é que eu pensei muito sobre, e cheguei a conclusão de que não entendi onde você quis chegar. — Podem achar que é mentira minha, mas não era, aquilo era complicado e eu não conseguia manter meus pensamentos em ordem e tudo era muito incoerente.
— Você já foi mais inteligente Balsano — ele começou a rir do que disse e eu fechei a cara já imaginando o rumo daquela conversa. — Quando vai admitir para si mesmo que ainda é louco pela Luna?
— Eu nunca neguei. — Ele balançou a cabeça em sinal negativo com o que eu falei.
— Então por que não diz isso a ela? — Já estava preparado para lhe responder, porém ele continuou falando sem me dar espaço para isso. — Vocês dois sempre complicaram demais, nunca paravam para conversar e resolverem os problemas, ficavam criando teorias e no final nunca era do jeito que achavam.
Mexi-me desconfortavelmente na poltrona onde estava sentado. Sabia que aquilo era verdade, e esse foi um dos motivos para o nosso término, diálogo e confiança nunca foram pontos presentes em nosso relacionamento, não digo apenas quando namoramos, o que demorou a acontecer exatamente por esse motivo.
— Vai deixar que algo trágico aconteça para tomar uma atitude? Parece que nada mudou e vocês continuam sendo os mesmos adolescentes de anos atrás, nunca percebem o que está diante dos seus olhos, ou ao menos não querem ver — sua voz não passava de um sussurro, já que ele não queria chamar a atenção das pessoas para a nossa conversa. Mas eu percebia que ele se esforçava para não gritar ali mesmo. — Vocês dois só reagiam quando as coisas já estavam prestes a desmoronar. Acorda Matteo, antes que seja tarde demais e você não possa fazer nada.
Não tive a oportunidade de respondê-lo, pois as meninas voltaram na mesma hora e um homem vestindo um terno sob medida adentrou na pista comunicando que as apresentações já seriam iniciadas. Várias performances aconteceram naquele espaço de tempo, confesso que não prestei atenção em nenhuma, meu foco estava no que o Gastón havia dito, e essa era a segunda vez em menos de uma semana que eu não conseguia tirar as suas palavras da minha cabeça. Droga.
Minha mente retornou a habitar a órbita da terra no momento em que o apresentador anunciou a Luna. Estava orgulhoso e emocionado em voltar a vê-la patinando. Ela seguiu até o centro da pista e olhou por toda a arquibancada até os seus olhos verdes encontrarem com os meus. O mundo parou exatamente naquele momento. Percebi um lampejo de confusão passar por seus olhos, como se ela perguntasse o que eu fazia ali.
Parecia que o momento tinha durado uma eternidade, mas na realidade passaram-se poucos segundos. Uma música calma preencheu o ambiente e ela começou a patinar, seu corpo movia-se de acordo com as batidas lentas da canção. Olhando-a naquela pista, percebi o quanto ela evoluiu, seus passos eram mais precisos e confiantes, a cada passo que ela executava eu parecia mais admirado, as pessoas na arquibancada também estavam da mesma forma, era impressionante o quanto ela conseguia emocionar cada pessoa presente ali.
Por alguma razão desconhecida, senti meu corpo tensionar quando ela direcionou-se para o centro da pista antes de voltar a patinar ao redor. Já tinha percebido qual passo ela iria fazer e a apreensão tomou conta de mim. Ela deu impulso com a perna direita e realizou os três giros aéreos que compunham e traziam a dificuldade ao passo. Parecia que tudo acontecia em câmera lenta, quando estava para finalizar, vi que ela desequilibrou-se e eu já tinha noção do que aconteceria em seguida.
Sua perna esquerda entrou em contato com o solo antes da direita — a qual ela iniciou — e seu corpo foi direcionado para a frente até que alcançou o piso, mesmo não estando tão perto, percebi o momento em que sua cabeça chocou-se fortemente com o piso. Sangue já se espalhava por todo a pista branquinha.
Toda a arquibancada ficou em silêncio. Ninguém falava nada, estavam em choque com o acidente, o espanto era presente nas feições de cada pessoa presente ali. Senti meu corpo gelar e era como se o sangue estivesse se esvaindo do meu corpo.
A minha primeira ação depois do choque inicial foi sair correndo por entre as arquibancadas até chegar perto do seu corpo. Não me importava as pessoas ao redor mandando eu manter distância, muito menos os olhares curiosos que foram direcionados a mim.
Ajoelhei-me ao seu lado no chão e segurei uma de suas mãos verificando que o seu pulso ainda tinha pulsação. Apesar da frequência ser baixa, agradeci por ela ainda estar viva. Não conseguia controlar as lágrimas que saíam dos meus olhos, aproximei meu rosto do seu e depositei um longo selinho em seus lábios, sussurrava palavras desesperadas, pedindo para que ela aguentasse firme, para que não me abandonasse.
Era como se não existisse as pessoas na arquibancada que continuavam surpresas, junto com isso veio o enorme falatório que se espalhou rapidamente pelo ambiente. Senti mãos segurando fortemente meu braço, tentando fazer com que eu saísse de perto dela. Deixei-me ser levado para longe, pois sabia que de nada adiantaria se eu ficasse insistindo em permanecer ao seu lado, tinha consciência de que apenas pioraria a situação.
Fiquei apenas observando cada movimento feito pelos paramédicos. Desde avaliar o seu estado atual para conferir se ela continuava respirando, até a colocarem em cima de uma maca e a levarem para fora da pista. Uma lágrima escorreu dos meus olhos quando isso aconteceu.
Eu não poderia, tampouco suportaria perdê-la. Não de novo.
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