“Não pensar naquilo que te machuca não faz parar de machucar.”
Luna Valente
Na última semana eu só consegui dormir a base de soníferos. Sempre que eu fechava os olhos, acordava no meio da madrugada por conta de um pesadelo que vinha se repetindo constantemente. Era como se fosse a continuação do que eu tive um pouco antes de vir aqui para Londres, agora eu conseguia ver o rosto do Matteo com mais nitidez e percebi que ele chorava e mexia a boca tentando falar algo, mas não saía nenhum som. Tudo era um completo silêncio. Dessa vez ele não estava indo embora, porém, permanecia parado há alguns metros de distância de mim. Foi quando de repente um barulho ensurdecedor preencheu todo o ambiente e uma luz forte acendeu no local. Eu estava caída no meio de uma pista de patinação, sentia algo viscoso perto do meu corpo. Um burburinho iniciou-se mas não entendia a sua origem, já que ali só se encontrava eu e o Matteo. No último sonho que eu tive, consegui ouvir um "Não me deixe sozinho" vindo dele, e foi exatamente nessa hora que eu acordei.
Tinha medo de dormir e voltar a sonhar com isso, mas algo dentro de mim queria continuar para saber até onde chegaria.
Desde o acontecido no evento não voltei a encontrar com o Matteo, e eu pulava de alegria por isso, aquele beijo mexeu comigo mais do que eu queria que mexesse. Era tudo muito confuso quando tinha relação à ele, queria ficar perto, que ele me abraçasse e me dissesse que tudo voltaria ao normal, que nós voltaríamos ao normal, mas na verdade eu nem sabia o que era normal entre nós dois. Ao mesmo tempo eu desejava distância, o quanto mais longe de mim ele estivesse, mais fácil seria para enganar meu coração.
Dava minha alma nos treinos, não queria fazer feio, sabia que era uma grande oportunidade para mim antes da grande apresentação final. Minha concentração era totalmente nos patins e isso aliviava em muito a tensão no meu corpo, mas a realidade é que não pensar naquilo que te machuca não faz parar de machucar. Era só largar meu corpo dolorido dos treinos no sofá, que lembranças invadiam minha mente e não me deixavam em paz.
Durante essa semana percebia que o Rafael queria falar comigo sobre o assunto que eu determinei como proibido, que é qualquer coisa relacionada ao Matteo. Ele respeitou minha decisão apesar de tudo, sabia que eu tinha que fazer as coisas no meu tempo, e que eu vou contar quando estiver preparada para isso, até lá vou continuar negando tudo o que eu sentia e o que aconteceu naquele evento. O que você não sabe significa que não aconteceu, simples assim. Para as outras pessoas não passou nada, contei que fui ao banheiro porque não me sentia bem e resolvi voltar para o hotel por esse motivo.
Como não estava em condições de voltar para o salão avisar que iria embora, acabou que eles se preocuparam comigo e se desesperaram quando não me encontraram no evento. A prova disso foram as várias mensagens e ligações deles que constavam no meu aparelho celular. Só lembrei de avisar quando consegui me acalmar, isso foi apenas uns trinta minutos depois que cheguei no meu quarto de hotel.
O dia mais esperado por mim nessa viagem havia chegado. Agora eu me encontrava no backstage terminando de conferir se os patins estavam bem colocados no meu pé. Devia ter feito isso umas cinquenta vezes só nos últimos cinco minutos, nada poderia dar errado. Nervosismo emanava do meu corpo, respira Luna. Não podia permitir que isso atrapalhasse meu desenvolvimento dentro da pista, seria horrível errar algum passo por conta do meu estado. Então manter a calma era um ponto crucial.
A primeira performance começou, a garota era uma excelente patinadora e eu sei disso porque já a vi patinar diversas outras vezes. Porém o seu nervosismo era nítido e fez com que ela cometesse errinhos simples, mas que comprometiam e muito no desenvolvimento do restante da coreografia. Era isso que o medo causava, por esse motivo era essencial tentar relaxar antes de entrar na pista, ou pelo menos disfarçar o medo e o nervosismo que estava sentindo. Apesar de não ser uma competição, não era nada bom cometer esses equívocos, porque vários olheiros estavam lá em busca de uma nova estrela da patinação. Sei disso porque já passei por uma situação semelhante, mesmo que eu não soubesse de certeza que havia um assistindo a competição.
Elizabeth veio me informar sobre a relação das apresentações e eu seria a última. Ótimo, teria mais tempo para relaxar e também poderia observar atentamente o estilo de cada patinadora, o que é de extrema importância, já que algumas delas estariam competindo junto comigo na final.
Destreza. Equilíbrio. Confiança. Essas eram algumas das virtudes presentes nas patinadoras que já performaram. Não deveria sentir medo nem ficar intimidade, eu sei que sou boa tal qual, lutei bastante para chegar onde estou, tiveram muitos obstáculos no meio do caminho que fizeram meu foco ser desviado, mas ao final eu consegui superar todos os desafios.
— Só mais uma apresentação e será a sua vez. — Elizabeth apareceu fazendo meus pensamentos se dissiparem e meu foco ser direcionado a ela, que me ajudou a tirar o roupão felpudo rosa que cobria a roupa dourada reluzente que eu usava.
Fomos até a entrada da pista onde o Felipe já esperava, ele disse palavras de incentivo e que eu iria surpreender naquela noite. Poucos minutos depois o apresentador anunciou o meu nome e uma salva de palmas reverberou por toda a arquibancada. Direcionei-me para o centro da pista e por extinto olhei para a parte de cima da plateia. Por que eu fui fazer isso?
Ali encontrava-se Matteo Balsano, a pergunta do que ele fazia aqui rondava a minha cabeça. Sentia como se existisse mais água que ar dentro dos meus pulmões, não poderia me desesperar naquele momento. Retornei a olhar para o lugar onde ele estava e nossos olhos se cruzaram pela primeira vez desde que eu notei a sua presença. A sensação que eu tive foi de uma corrente elétrica mandando energias para o meu corpo, fazendo-me arrepiar inteira.
Algo em mim saltitava com a presença dele, adorava quando o Matteo me via patinar, ele olhava-me com certa admiração, o que fazia com que eu acreditasse que estava indo bem e adorava mais ainda quando patinávamos juntos. Não Luna Valente, não pense nisso, mantenha toda a sua concentração na coreografia.
Comecei a movimentar meu corpo de acordo com os toques lentos da canção que tocava de fundo. Giros, saltos e várias sequências de passos não tão complexos compunham a coreografia. Pela melodia da música sabia o momento exato de executar cada passo e ao notar que já chegava ao seu final, direcionei-me para o centro da pista e logo em seguida comecei a contornar os arredores. Com a perna direita, impulsionei o meu corpo para cima e consegui realizar os três giros que faziam parte do passo, mas algo não saiu como o esperado. Antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, senti quando me desequilibrei e a minha perna esquerda entrou em contato com o solo antes da direita. A partir desse momento eu já tinha noção do que aconteceria em seguida.
Meu corpo pendeu para trás e senti a dor que atingiu a minha cabeça no exato momento em que caí sobre a pista. Uma vibração percorreu cada célula do meu corpo. Não era capaz de ouvir nada com coerência, tudo não passava de zumbidos em minha mente. Não estava inconsciente, tampouco estava consciente, não sabia como descrever aquela situação. Era como se um fio invisível me puxasse e eu lutasse a todo custo para permanecer parada ali.
Senti minhas mãos serem envolvidas por algo, não tinha noção se era real ou não. Também senti quando uma respiração quente soprou contra o meu rosto e lábios macios pousaram sobre os meus. Não importava o que passasse, nem em mil anos eu esqueceria a textura e o sabor daqueles lábios, muito menos aquele cheiro inigualável que exalava dele. Era o Matteo. Eu havia morrido e agora alucinava com ele? Sonhava?
Ouvi quando ele sussurrou algumas palavras contra o meu ouvido com aquela sua voz rouca. Pedia para que eu não o abandonasse e que aguentasse firme, pois tudo ficaria bem. Eu queria muito fazer o que ele estava pedindo, mas não sabia se aguentaria, a cada segundo que passava eu sentia cada vez mais meu corpo ficando leve, e eu me entregava mais aquela sensação de que algo me puxava.
A pressão que antes era exercida em minhas mãos foi rompida e meu corpo foi levantado e depositado em algo que eu não sabia definir se era duro ou macio. Mãos passeavam pelo meu corpo colocando objetos que eu não conseguia identificar o que eram. Depois disso tudo foi ficando escuro em minha mente e eu apaguei.
| Fine della prima parte |
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