“Eles pediam desesperadamente por ajuda, por uma maneira de sair daquela situação, conseguia enxergar através dos seus olhos a sua alma destroçada pela dor. Sentia-me culpado, pois tinha consciência de que parte daquela dor foi causada por mim.”
Buenos Aires, Argentina
Setembro de 2021
Matteo Balsano
Antes de vir para Argentina, muitas pessoas vieram me dizer que o melhor para a minha carreira era permanecer na Inglaterra pois eu teria mais chances de alavancar como músico e ter um futuro promissor. Aquilo poderia sim ser verdade, mas eles não sabiam o que eu sentia dentro do meu coração, minha única vontade era permanecer ao lado da Luna e tê-la de volta em meus braços, não iria colocar fama a frente disso. Já fiz isso uma vez e muitos não tinham ideia do quanto eu me arrependi, eu poderia conquistar diversas pessoas, mas a que eu amava mais que tudo, perderia mais uma vez.
Duas semanas passaram-se desde que eu chegara a Argentina e hoje seria o meu primeiro dia de trabalho na gravadora. Âmbar havia me dito que hoje a Luna voltaria ao oftalmologista e que normalmente ela chegava em casa bem cansada e dormia a tarde inteira, então decidi que iria na mansão apenas à noite. Nesse tempo em que estive junto com ela, consegui ver um pequeno progresso por parte da morena, ela não estava tão abatida como antes e até sorria com mais frequência.
Mesmo que eu quisesse, não conseguiria ir visitar a Luna com a luz do sol ainda resplandecendo. Continuávamos em uma longa reunião para decidir todos os detalhes da gravação do meu disco, fazia horas que estávamos ali e as coisas andavam melhores do que eu imaginava, tinha medo de acontecer a mesma coisa de anos atrás. Mas eu sentia que agora as pessoas eram bem mais profissionais e dedicadas.
Eu apenas exigi duas coisas para que não houvesse nenhum problema futuro: a primeira foi que eu queria poder gravar e incluir no disco minhas próprias composições e eles não se opuseram a isso, disseram que era ótimo, porque as pessoas tinham mais afinidades por artistas que escreviam suas próprias canções; e a segunda exigência era que eu não queria que interferissem em minha vida pessoal e eles também concordaram completamente. Fora isso, eu estava aberto a sugestões e pronto para aprender sobre coisas que eu ainda não tinha conhecimento ou total domínio.
Quando saí da gravadora o relógio já marcava seis horas da noite, primeiro eu iria passar no meu apartamento para tomar um banho e comer alguma coisa, antes de seguir para a casa da Luna. Cheguei em casa e fui direto para o meu quarto, tomei um banho rápido comparado aos que estou acostumado, porém bem relaxante, senti todos os músculos tensionados antes de relaxarem completamente.
Uma sensação ruim dominou o meu peito e a primeira pessoa que me veio à mente foi a Luna, mas tratei de ignorar aquilo e foquei minha atenção totalmente na estrada, para não correr o risco de me distrair e ocasionar um acidente. Deveria ser apenas coisa da minha cabeça, ela estava bem e tendo um grande progresso em aceitar essa situação e eu acreditava que em breve conseguiria fazê-la sair de casa. Mesmo com esses pensamentos positivos, a sensação de angústia não saía de mim. Respirei fundo tentando aniquilar de uma vez aqueles pensamentos.
Enviei uma mensagem à Âmbar para que ela pudesse vir abrir o portão principal, ainda tinha vergonha de apertar a campainha. Não tardou muito para que o portão fosse aberto e eu adentrei na mansão, estacionando o carro em frente a porta de entrada da casa. Ela esperava-me encostada no batente, então a cumprimentei com um abraço antes de entrar. Fomos para a sala e lá estava a dona Mônica, o senhor Alfredo e o senhor Miguel, sobre esse último, eu não costumava encontrá-lo muito, já que eu vinha mais no período da tarde e ele sempre estava no trabalho, também evitava vir visitar a Luna com ele aqui. Tinha plena consciência de que ele não gostava de mim por tudo que eu causei a sua filha, e acreditava que ele não saiba nem um terço de toda a nossa complicada história. Eu o entendia, no seu lugar faria a mesma coisa. Caso um dia eu venha a ter uma filha, não vou querer que nenhum marmanjo metido a conquistador aproxime-se dela, exatamente por ser como eu era anos atrás, então sei que ele não vai se importar e acabará machucando-a, da mesma forma que eu fiz com a Luna tantas e tantas vezes.
Sentia o seu olhar fixo em mim e era como se ele estivesse perfurando a minha alma, em busca de deixar evidente todas as minhas falhas e imperfeições, para mostrar que eu sou tóxico e só farei mal à Luna. Porém, ele não sabia o quão arrependido eu estava de todas as merdas que fiz, não que ele ter conhecimento disso vá mudar em alguma coisa, vou continuar sendo o moleque que partiu o coração da menininha dele.
— Matteo, será que podemos conversar, a sós? — Dei um pequeno salto pelo susto que tive quando uma voz grave falou comigo. Sentia meu coração batendo a mil por hora contra o meu peito, engoli em seco.
— Cla-aro. — Que merda Matteo, gaguejar a essa altura do campeonato não dá. Inalei fundo, acumulando a maior quantidade de ar possível dentro dos meus pulmões, preparando-me para o que pudesse acontecer.
Acompanhei-o até uma porta de madeira marrom, que ele não demorou a abrir e convidou-me a entrar junto com ele. Sério universo? Não poderia ser um lugar aberto onde a qualquer atitude estranha dele eu saísse correndo? O jardim seria uma ótima opção. Você deve me achar um maricas, mas queria te ver em uma situação parecida. Na frente do seu ex-sogro que te odeia e que você deseja que volte a ser seu sogro.
— Eu não gosto de você. — Não disse? — Eu te suporto pela minha filha e porque a Mônica me mandou te dar outra chance. — Ele passou uma mão pelo cabelo e balançou a cabeça negativamente, como se não concordasse com aquilo. — Volte a fazer qualquer coisinha que magoe a Luna e no segundo seguinte você será, na melhor das hipóteses, um cara incapaz de ter filhos.
— Eu dou a minha palavra de que não voltarei a fazer nada para machucar a Luna. — Apesar de meu corpo todo estar tremendo muito, minha voz saiu firme.
— Eu não quero que fique fazendo promessas, você disse que cuidaria dela anos atrás quando eu descobri sobre o namoro de vocês, e se você tivesse cumprido com sua palavra, não estaríamos tendo essa conversa aqui hoje. — A cada palavra que ele dizia dava um passo em minha direção, continuei firme no meu lugar, tentando não mostrar o medo que eu sentia. — Eu quero que você me mostre que se importa com ela e que não irá fazer as mesmas merdas do passado, dizendo que não tem namorada estando em um relacionamento sério com a minha filha.
— Não irei, o meu único desejo é ajudar a Luna — falei essas poucas palavras com uma dificuldade absurda.
— Espero... — ao dizer isso ele já estava na minha frente e apoiava sua mão esquerda no meu ombro direito. Antes mesmo que eu tivesse qualquer reação, senti o impacto do seu punho na maçã do meu rosto em um soco. Pisquei algumas vezes pela dor e porque não esperava por aquilo. — Te devia essa. — Deu algumas batidinhas em meu ombro antes de sair pela porta, deixando-a aberta.
Eu estava estático, claro que poderia ter revidado, mas não queria. Primeiro que ele é o pai da garota por quem eu sou apaixonada e que quero reconquistar, entrar em uma briga com ele só me faria perder pontos com ela, e segundo que eu entendia seus motivos para ter agido assim, talvez se essa cena tivesse acontecido anos atrás, não seria apenas um simples soco. Passei a mão pela bochecha ainda sentindo o local latejar.
Saí da sala e tentei disfarçar para que ninguém percebesse o que tinha acontecido dentro daquele escritório, tinha noção de que provavelmente o lado direito do meu rosto estava vermelho e que as pessoas iriam notar. Não demorou nem um segundo depois que eu coloquei os pés dentro daquela sala, para que eu ouvisse um barulho de algo se quebrando acompanhado de um grito estridente. Luna. Corri em direção ao seu quarto com medo do que poderia ter acontecido, mas antes de sair completamente da sala eu ouvi um "não acredito que você bateu no garoto", vindo da Mônica e uma gargalhada de Âmbar.
O desespero já tomava conta da minha alma e quando eu pus os pés dentro daquele banheiro, senti que ela saía do meu corpo e ia em direção à Luna, enquanto o meu corpo continuava estático em frente a porta sem saber como reagir. Ela estava sentada no chão com o chuveiro ligado, vidros quebrados estavam espalhados perto do seu corpo, na sua mão tinha um corte que não parava de sair sangue, o corpo dela balançava compulsivamente por causa do seu choro descontrolado, passava as mãos abaixo dos olhos, tentando inutilmente limpar as lágrimas que não paravam e isso apenas deixou o seu rosto sujo pelo sangue que jorrava de sua mão.
Em um lapso de realidade, meu corpo retornou a órbita da terra e desesperadamente adentrei aquele local, indo até ela. Aproximei-me e desliguei o chuveiro antes de me abaixar e contornar a sua cintura com os meus braços, levantando-a do chão, ou pelo menos tentando, já que ela se debatia e mandava eu manter distância. Com muito custo, consegui trazê-la ao encontro do meu corpo e a abracei, não me importando com o fato de que minha roupa ficaria completamente molhada, os socos desferidos por ela em meu peito eram ignorados por mim. Pouco a pouco ela foi se acalmando e senti quando suas mãos baixaram e repousaram em minha cintura, onde apertou minha camiseta entre seus dedos finos. Seu corpo agora balançava com uma frequência menor, mas eu sabia que ela ainda chorava, ouvia seus soluços e suas intensas fungadas.
— Matteo não me solta, por favor, não me solta! — falou desesperada e passou os braços por minha cintura, abraçando-me mais fortemente.
— Eu não vou me afastar de você, nunca mais. — Depositei um beijo na sua cabeça por cima da sua cabeleira castanha. Sentia as lágrimas acumulando-se abaixo dos meus olhos e tive que me controlar bastante para não permitir que nenhuma descesse, não podia, tinha que ser forte por ela.
Luna foi se acalmando e seu corpo já estava mais relaxado. Afastei-a de mim e ela abriu os olhos, que estavam opacos e sem vida, eles pediam desesperadamente por ajuda, por uma maneira de sair daquela situação, conseguia enxergar através dos seus olhos a sua alma destroçada pela dor. Sentia-me culpado, pois tinha consciência de que parte daquela dor foi causada por mim. Com cuidado, retornei a ligar o chuveiro, colocando-a embaixo da água fria, lavando o seu rosto melado de sangue e tentando conter o líquido viscoso que ainda jorrava um pouco do corte em sua mão. Passei o shampoo nos seus cabelos e após tirar a espuma, peguei o condicionador e repeti o mesmo processo. Distanciei-me e fui para o outro lado do box pegar a toalha. Já havia recolhido os cacos de vidro espalhados pelo chão, para que não houvesse mais nenhum acidente.
No momento que tudo aconteceu, o fato da Luna estar completamente nua não era relevante, já que eu estava arrebatado pelo medo. Mas agora era diferente, era como se antes todas as minhas células estivessem desligadas e só voltaram a funcionar neste momento. Toda a sua estrutura física era esplêndida, da última vez que estivemos juntos e eu a vi nua, seu corpo não possuía tantas curvas como agora. Sua silhueta era bem definida, marcada pelos contornos, suas coxas eram grossas e as pernas bem torneadas, sabia que isso era devido aos anos de patinação. Sua bunda continuava firme como em anos atrás, a única diferença era que estava maior. Arfei alto e pisquei os olhos algumas vezes, virando o rosto para a direção contrária e dando de cara com a Âmbar parada feito uma estátua em frente a porta.
— Não se preocupe, eu acabei de chegar. — Colocou as duas mãos abertas na frente dos ombros, como se estivesse na defensiva.
Apenas balancei a cabeça tentando espantar aqueles pensamentos impuros que rondavam minha mente, não podia ser assim, Luna estava passando por um momento delicado e eu não queria que acontecesse apenas por acontecer, como na nossa primeira vez.
— Não aconteceu nada. — por que eu estava me explicando mesmo?
— Vou chamar a tia Mônica, para cuidar do corte na mão da Luna. — Apontou com a cabeça para detrás do box, onde a Luna estava e eu apenas maneei a cabeça concordando, antes que ela saísse do meu campo de visão.
Olhei para trás e vi que a Luna já havia terminado o seu banho, tratei de pegar a toalha rosa claro que estava estendida no suporte e fui até ela, enrolando o seu corpo com aquele pano e passando um braço para o outro lado do seu corpo, tirando-a dali com cuidado. Sentei-a no sanitário e a dona Mônica já estava ali para cuidar do seu ferimento, saí do banheiro entrando em seu quarto, sentei na beirada da cama e abaixei a cabeça, passando as mãos pelos cabelos um pouco úmidos.
— A tia Mônica separou para você vestir. — apontou para a roupa masculina estendida na cama, que eu só tive conhecimento agora. — Obrigada. — Franzi o nariz não entendendo pelo que ela me agradecia, vendo minha confusão, ela continuou: — Por cuidar da Luna, ela gosta de você, muito. Espero que não se esqueça disso, ela está confusa em relação a tudo, então possa ser que demore para ela dizer o que sente, apenas… não desista dela.
Engoli em seco e somente concordei, sem falar nada. Ela pegou uma roupa da Luna e foi em direção ao banheiro. Nesse momento resolvi trocar logo de roupa, pois a blusa cinza de botões que eu usava estava molhada e grudava em meu peitoral. Sem nem precisar olhar, tinha a certeza que também estava suja de sangue. Vesti a calça de moletom cinza e a regata branca, voltando a me sentar na cama.
— O Matteo ainda está aí? — a pergunta veio de alguém do banheiro e pelo estado de transe que me encontrava, meu cérebro demorou mais segundos do que o normal para perceber que foi a Luna.
— No seu quarto — Âmbar disse e após isso, não ouvi mais nada.
Passaram-se alguns longos minutos até que levantei a cabeça e as vi saindo do banheiro, trouxeram Luna até a cama e ela se enfiou embaixo do edredom, fiquei apenas observando cada um dos seus movimentos. Âmbar e Mônica já haviam saído do quarto e eu constatei que também deveria deixá-la sozinha.
— Acho que é melhor eu ir embora agora. — passei a mão direita pelos cabelos da nuca um pouco desconfortável. Já me preparava para abrir a porta e sair do quarto quando ela falou:
— Fica? — Parei, voltando a olhar para trás do meu corpo e vendo-a com a cabeça imóvel e com os olhos direcionados ao teto. Não conseguia imaginar o quão assustador deveria ser não enxergar, você não ter a noção do que estaria a sua frente, dos acontecimentos ao seu redor, era perturbador só de imaginar.
Passei uns segundos parado em frente a porta sem reação, porém, meu cérebro mandou sinais para que eu começasse a andar até a sua cama e foi o que eu fiz. Retirei o tênis e a meia, puxando um pouco o edredom que cobria o seu corpo e deitando ao seu lado na cama.
— Sempre — sussurrei respondendo a sua pergunta.
Não demorou muito para que ela se arrastasse até mim e apoiasse a cabeça em meu peitoral, bem no local onde o meu coração batia descontrolado por causa dela. Eu tinha minha coluna apoiada na cabeceira da cama, com um braço ao redor da sua cintura e com o outro acarinhava as suas madeixas úmidas.
Luna levantou sua mão até alcançar a minha face, onde delicadamente e sem pressa alguma ela passava por toda a região. Suas pálpebras estavam fechadas e era como se ela fizesse o reconhecimento das minhas feições, contornou minhas sobrancelhas, tocou meus olhos, acariciou cada lado de minhas bochechas, passou os dedos quentes por meu nariz, desenhou o contorno dos meus lábios. Gradativamente as carícias foram diminuindo, mas sua mão continuou em meu rosto e eu não fiz questão de tirá-la dali, sua respiração agora era constante e seu corpo leve, denotando o seu sono. Fechei os olhos para fazer o mesmo e me permiti sorrir brevemente por estar com a mulher que eu sempre amei em meus braços novamente.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.