“Aquele sorriso que tinha o poder de me destruir e de me reconstruir em questão de segundos.”
Matteo Balsano
Sempre fui uma pessoa bastante ansiosa, todas as vezes que eu tive que ficar esperando por uma resposta ou um resultado eu suava e meu estado era de puro nervosismo. Esse era um desses momentos, havia passado-se dois minutos desde que eu pedi a Luna em namoro e ela continuava na minha frente, estática e sem expressar nenhuma reação.
Talvez ainda fosse cedo demais e ela não se sentisse preparada para entrar em um novo relacionamento, principalmente se ele for comigo. Sei que mesmo passando tantos anos, ela não confia completamente em mim e ainda guarda uma mágoa e, não a culpo, tenho consciência de todas as babaquices que eu fiz no passado e acredito que precisa de muito mais para eu me redimir por tudo.
Esse pedido foi realizado no impulso, não vinha imaginando em fazê-lo por agora. Porém, ao tê-la dizendo que eu era o amor da sua vida não pensei em muita coisa, apenas em passar a eternidade junto a ela. Era o que eu mais queria, viver com a Luna, entregar-lhe todo o meu amor, porque ele era somente dela, toda a minha vida era dela.
Soltei nossas mãos e passei as minhas por meu cabelo, bagunçando todos os fios. Permaneci com elas em minha nuca e fechei os olhos, respirava tranquilamente, porém, meu coração não batia tão constantemente quanto o que era normal, talvez estivesse dolorido demais para isso. Por mais que eu entendesse e aceitasse a sua decisão, não significava que não doía.
— Eeh... Você não precisa responder — falei constrangido. Luna continuava parada, os braços que antes estavam estendidos agora permaneciam imóveis ao lado do seu corpo. — Acho que devemos esquecer disso, é o melhor. — Eu nunca conseguiria esquecer esse momento.
Afastei meu corpo que estava próximo ao seu e comecei a patinar para fora da pista, precisava tirar os patins e sair logo dali. Porém, parei ao ouvir sua voz chamando por meu nome, havia esquecido que ela precisava da minha ajuda para sair da pista.
Droga, não acreditava que eu iria fazer isso com ela apenas por não ter me dado a resposta que eu queria perante a minha proposta. Suspirei e retornei até onde ela estava e antes mesmo que eu pudesse guiá-la para fora, senti o seu pequeno corpo jogando-se contra o meu e a sua boca chocando com a minha. De princípio, não tive nenhuma reação, mas bastou pouco para que eu retribuísse ao seu beijo.
Ela finalizou o beijo com alguns selinhos, sua testa colada a minha e o vento quente da sua fraca respiração batendo em meu rosto, eu não via problema em ficar assim com ela. Não queria me afastar, percebi que ela também não.
— Desculpa. — Franzi o cenho não entendendo o motivo para o pedido de desculpas. — Por ter feito você acreditar que eu não queria ser sua namorada. Eu apenas não soube como reagir, não esperava por isso, pensei que você desejava apenas manter a relação que já temos, não avançar para um relacionamento mais sério. — Alisou o meu nariz com o seu, sorri. — Eu aceito, aceito qualquer coisa que você me propor, porque eu já sou sua há muito tempo, completamente sua.
Meu coração explodia em alegria. Eu também era dela, com todas as letras. Passei um braço por sua cintura e o outro por trás de seus joelhos, levantando seu corpo e girando com ela em meus braços. Aproveitando o som maravilhosa da sua gargalhada que ecoava por toda a pista.
Beijamos-nos por diversos minutos, esquecendo completamente do mundo que, para nós, desabava lá fora. Paramos quando percebemos que estávamos indo longe de mais e que a Juliana ainda se encontrava na sua sala. Acho que ninguém no mundo estava mais feliz que eu nesse momento.
Duas semanas. Faltavam apenas duas semanas para a grande apresentação, talvez eu estivesse um pouco ansioso. Tenho certeza que a Luna vai dá um espetáculo dentro daquela pista, não restava dúvidas. Apenas tenho medo que ela não confie em si mesma, nos últimos dias ela anda bastante animada, o que é bom. Porém, havia algo que vinha consumindo sua mente e que ela não tinha certeza do que fazer.
Acompanhei a Luna na mais recente visita ao oftalmologista e ele voltou a falar sobre fazer uma cirurgia para tentar reverter essa situação. Luna ainda não se decidiu, ela tem muito medo do que possa acontecer, medo que nunca mais volte a enxergar. Confesso que também carregava comigo esse receio, porém, sempre diante dela eu mostrava-me confiante, a única coisa que ela não precisava nesses momentos era de energia negativa. Então, estamos todos empenhados em fazê-la sentir-se melhor e, estaremos aqui para qualquer decisão que ela tomar.
Chegamos nos Estados Unidos de manhã cedo e passamos o dia descansando para ensaiar a noite. O senhor Miguel conseguiu que a pista fosse apenas nossa das onze horas da noite até às quatro da madrugada, para que a Luna se sentisse mais à vontade e conseguíssemos fazer tudo o que planejávamos, já que por hora ninguém sabia sobre o que aconteceu com ela.
Entramos no local e seguimos em direção a pista, era enorme. Diversas luzes estavam espalhadas por todo o ambiente para que ficasse com uma boa iluminação, a arquibancada abrigava milhares de cadeiras e eu tinha certeza que no dia da apresentação todas elas estariam devidamente ocupadas.
— Vamos fazer da mesma forma de sempre. Contando as dimensões de largura e comprimento e você entra do centro. — Juliana começou a falar e me entregou a fita para que eu pudesse ir fazendo as demarcações.
Ao terminar, voltei para a entrada da pista onde elas ainda estavam e Juliana passava algumas instruções para a Luna, que apenas balançava a cabeça concordando.
— Eu não lembro muito bem dessa pista porque só vim aqui uma vez. — Seu rosto se contorceu em uma careta e eu sorri discretamente da sua expressão. — Mas eu sei que ela é enorme, vocês têm certeza que eu estou pronta para fazer isso?
— É apenas uma questão de equilíbrio e instinto, essa pista pode ser três vezes maior que a do roller, mas a técnica não vai mudar. — Posicionei-me de frente para ela e acariciei seus braços com minhas mãos, tentando acalmá-la. Ela respirou profundamente e foi soltando o ar dos pulmões com calma.
— Estou pronta.
Começamos o treinamento e passamos cerca de uma hora para que ela conseguisse se situar dentro daquela pista. — Três metros... Um e meio, para. Está no meio da pista e de frente para a entrada. — Aquiesceu. — Os juízes estarão à sua esquerda, gire e na metade do percurso pare. — Faz o que eu disse. — Agora você está de frente para a bancada dos juízes.
Luna continuou patinando e quando deu nosso horário ela já tinha conseguido pegar todas as instruções passadas. Iríamos treinar todos os dias — menos os finais de semana — até a competição, ela estava enérgica e não conseguia controlar a felicidade em estar voltando para um dos seus lugares preferidos do mundo. Dentro das pistas.
Hoje era o grande dia. Luna havia passado a noite comigo, porém de manhã cedinho a Âmbar veio buscá-la e desde então, não a vejo. Entrei no local da apresentação junto com os pais e o avô da Luna e também com a Juliana, estava cheio de fotógrafos e pessoas importantes. Segui direto ao camarim reservado para Luna, queria ver como ela estava.
Abri a cortina encontrando ela conversando com o Rafael, não tinha conhecimento da sua vinda, mas como ele morava aqui, era muito provável que viesse. Percebia que a Luna havia ficado feliz com a sua presença, não sabia muito da amizade dos dois, porém era fácil compreender que eles se importavam muito um com o outro.
Ele despediu-se da Luna e antes de sair estendeu a mão para mim em um cumprimento. Restou apenas eu e ela naquele lugar, permanecemos em silêncio. Ela já tinha os patins nos pés e um roupão branco cobria o seu corpo, impedindo que eu visse a sua roupa. Levantou sua cabeça que estava levemente inclinada para baixo me dando a visão do seu rosto perfeito. Uma sombra forte marcava os seus expressivos olhos verdes e na boca, um batom rosa claro contornava toda a extensão dos seus lábios. Eu queria muito beijá-la naquele momento.
— Fala alguma coisa, está me deixando nervosa. — Com o freio dos patins apoiado no chão e as rodas levantadas, começou a balançar as pernas.
— Você está linda — foi a única coisa que eu consegui raciocinar nesse meio tempo.
— Matteo — choramingou. — Eu falo sério, quero saber como estão as coisas lá fora.
— Vários fotógrafos disparando os flashes de suas câmeras no rosto de todo mundo, patinadoras eufóricas querendo chamar a atenção desses fotógrafos. Nada muito fora do normal. — Vislumbrei um sorriso surgindo em seu rosto e ela balançou a cabeça.
— Você acha que eles vão perceber? — apesar de não dizer explicitamente, sabia ao que ela se referia.
— Duvido muito, você está patinando melhor do que todas essas patinadoras juntas. — Sentei ao seu lado no pequeno sofá de dois lugares. Ao sentir minha presença, ela aproximou seu corpo e abraçou minha cintura, passei um braço por seu ombro e segurei sua mão entre a minha livre, fazendo círculos no dorso com o polegar.
Não se passaram nem dois minutos antes de ouvirmos uma voz no alto falante informando que as apresentações iriam começar e que todas as patinadoras deveriam comparecer ao backstage. Levantamos e antes de sairmos dali, deixei um beijo em sua testa e outro em seus lábios.
Nossos dedos estavam entrelaçados enquanto seguíamos para o local indicado. Ao verem a Luna, todos os fotógrafos e jornalistas correram na direção em que estávamos e criaram um verdadeiro tumulto ao nosso redor. Várias perguntas incômodas eram realizadas e incessantes flashes disparados em nossa direção. Luna agarrou meu braço com força e escondeu seu rosto em meu peito, guiava seu corpo para fora daquela multidão, mas era impossível, eles eram em uma grande quantidade.
"Como você está depois do acidente?"
"Para onde você foi? O que fez durante esses dois meses fora das pistas?"
"Qual é a verdade sobre o seu acidente?"
"Você acredita está pronta para retornar à patinação?"
Essas eram algumas das diversas perguntas colocadas em jogo por eles, pediam a todo custo que ela realizasse uma pequena entrevista para sanar a curiosidade de todos os amantes da patinação artística.
— Ela não vai fazer nenhuma entrevista. Agora saíam — falei alto, tentando inutilmente dispersar aqueles idiotas que continuavam insistindo.
Foi necessário que alguns seguranças viessem afastá-los para permitir a nossa passagem. E com muita dificuldade conseguimos nos livrar deles e rapidamente seguimos para onde estavam as outras competidores e seus respectivos treinadores. Percebi que todos olhavam em nossa direção e sussurravam um com o outro sobre o acontecido, avistei Juliana um pouco afastada de todos e segui até ela.
Luna sentou em uma poltrona e cruzou as mãos em cima das coxas, ficando com a coluna um pouco arqueada para frente, respirava com certa dificuldade. Ajoelhei-me ao seu lado e tomei suas mãos com as minhas.
— Respira fundo, vai dá tudo certo. Não fique pensando no que eles falaram, apenas querem uma notícia para ficarem comentando e criando fofocas. — Ela apenas balançou a cabeça de cima para baixo concordando com o que eu disse.
Segundos depois, Âmbar apareceu preocupada e perguntando o que tinha acontecido, pois todos comentavam. Expliquei toda a situação e durante todo o tempo, a Luna permaneceu em um completo silêncio. Um homem da produção veio passar a lista com as ordens das apresentações, teriam seis antes da Luna, que no caso seria a penúltima.
Quando faltavam apenas duas apresentações para que ela entrasse na pista, Âmbar veio retocar a sua maquiagem e ajudá-la tirar o roupão, revelando um vestido azul claro com mangas até o seu punho. Fomos até a área por onde as patinadoras entravam e saíam da pista.
A voz grave do apresentador soou por todo o espaço através dos alto falantes, anunciando a entrada da Luna. Abri o pequeno portão de ferro dando espaço para que ela passasse, lentamente foi patinando até chegar ao centro da pista, posicionando-se de frente para a bancada dos juízes, como havíamos treinado.
A pista estava em um completo silêncio, acredito que todos os presentes naquela arquibancada esperavam por aquele momento. O retorno de Luna Valente à patinação artística. Ninguém sabia o motivo verídico do seu sumiço e pelo que eu percebi, nem desconfiavam. As primeiras notas da música preencheram todo o espaço quebrando o silêncio que tinha se instalado.
Seu corpo começou a se movimentar com delicadeza por todo o espaço que lhe era permitido. O começo da coreografia continha passos simples com um grau mediano de dificuldade, com alguns saltos baixos e rodopios curtos. Na medida que a música foi tomando mais ritmo, seus passos eram cada vez mais precisos e o nível da apresentação aumentava.
Giros e saltos de alta complexidade foram preenchendo toda aquela pista, eu sorria com cada movimento seu. Sempre soube do seu potencial e tinha em mente que ela era capaz de alcançar tudo que lhe fosse desejado, que nenhum obstáculo era capaz de deter Luna Valente.
A coreografia chegava ao seu final, meu corpo ficou ereto em tensão. Com maestria, ela patinou de costas para o centro e por alguns segundos a música parou, voltando a tocar logo em seguida. Ela começou a patinar ao redor da pista e quando chegou no ponto específico da música sua perna direita impulsionou seu corpo para cima. Parecia que tudo ocorria em câmera lenta, cada giro feito por ela aparentava ter duração de vários minutos, quando chegou o momento da finalização do passo, era capaz de sentir a tensão emanando de cada espectador ali presente.
Ao contrário disso, tudo ocorreu em questão de segundos. Seu corpo pousou no solo sem nenhuma dificuldade, porém, a surpresa de todos não era por esse motivo e sim, pela sequência dupla do Axel triplo. Exatamente, ela só não fez o passo com perfeição, como também o fez duas vezes seguidas. Aquele era um feito inacreditável e realizado por apenas dois patinadores no decorrer dos anos, agora três.
Ela terminou a coreografia e mesmo de longe eu conseguia ver lágrimas de alegria brilhando em seus olhos verdes, enxuguei meu rosto limpando minhas próprias lágrimas de emoção ao ver minha menina alcançando seus sonhos. Queria correr para dentro daquela pista e envolver o seu corpo com o meu em um abraço apertado, todavia, continuei parado no mesmo lugar com um sorriso largo no rosto e esperando o momento que ela viesse até mim.
Ela seguiu até a arquibancada para fazer o cumprimento, porém esquecemos completamente dos ursos e das flores que eram jogados pelo público ao final das apresentações. Por isso, Luna acabou tropeçando em um desses objetos indo de encontro ao chão, com suas pernas dobradas para trás e o corpo apoiado nelas. Ficou parada no mesmo lugar sem saber onde estava e como sair dali, abri a grade que separava a pista da arquibancada e corri ao seu encontro.
— Vem aqui. — Segurei suas mãos, ajudando-a a levantar.
— Por que demorou tanto? Estava te esperando. — Sorriu entre as palavras ditas.
Ela soltou minhas mãos e passou os braços ao redor do meu pescoço, jogando o peso do seu corpo em cima de mim, passei os meus por sua cintura tirando-a do chão e a apertando mais contra o meu corpo. Soltou-se dos meus braços e tomou meu rosto firmemente em suas mãos, seus lábios tocaram os meus com leveza, apenas um roçar, antes de iniciar o beijo que me fez esquecer todas as coisas, principalmente de onde estávamos e de todas as pessoas ao redor.
O beijo foi finalizado e apesar de manter os olhos fechados, sabia que ela tinha um sorriso nos lábios, aquele sorriso que tinha o poder de me destruir e de me reconstruir em questão de segundos. Sorri de volta, não poderia fazer outra coisa que não isso.
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