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História Mais forte que o tempo - Marcas do passado


Escrita por: Super-nova

Notas do Autor


__Este capítulo foi revisado e repostado, sem alteração no teor da história em 11/01/2021__

____________________


Olá galero divino!

Mais uma vez os capítulos crescem e tomam conta de mim, engolem o caminho e eu fico louca.
Dessa vez ficou tão enorme que eu achei por bem dividir.

Isso quer dizer que a DR do nosso casalzinho vai ficar para o 19, tia?
Sim, vai.
Mas eu não vou demorar a postar.
Amanhã, se tudo der certo, já entra no ar.

Desculpem pelo transtorno, é que a tia estava incomodada, pois o primeiro capitulo dessa fic tem 2.1k e olha como estamos. Eu estava com mais de 9k nesse capítulo. Daí dividir me pareceu mais sensato.

Não me matem.
Espero que se envolvam tanto com este capítulo quanto e u me envolvi fazendo, a ponto de só sentirem falta do casalzinho quando virem que acabou rs.




Enjoy!

Capítulo 18 - Marcas do passado


Fanfic / Fanfiction Mais forte que o tempo - Marcas do passado

Sorento havia aterrissado em Creta pela manhã, quando o sol beijava a ilha e a aquecia de maneira cálida, mas sabia que não tardaria para os termômetros subirem em um nível que apenas os turistas conseguiriam apreciar. Não demorou para entrar em um ônibus que o levaria à vila onde Kanon crescera com seu irmão, Saga. Uma vez lá, não foi difícil assuntar que Milton, pai dos gêmeos, que em verdade dizia ser apenas pai de Kanon, vivia agora em uma casa de repouso e o endereço desta.

Era um belo lugar. O mar não ficava longe e era possível escutar o barulho das ondas, que indicavam através do som estarem atrás da bela construção.  Como não se tratava de um espaço público, a praia não estava apinhada de turistas, como tantas outras na maior e mais populosa ilha da Grécia, fazendo com que o silêncio reinasse plácido. Parecia um refúgio. Um santuário. Um longo jardim frontal com flores e buganvílias em um magenta muito vívido, amparados por estruturas em madeira, que criavam sombreiros com mesas e cadeiras para momentos ao ar livre, se espalhavam e ornamentavam o terreno, que contava também com um pomar na lateral. Era de fato um belo local para se passar o último arco de vida, colhendo a bonança e a tranquilidade. Contudo, era vistosamente um lugar caro. Não era um fim de vida para qualquer um. Kanon claramente desejava dar o melhor ao pai ao instalá-lo ali. Pretendia iniciar a busca, talvez pela recepção, mas uma criança correndo risonha com um barquinho erguido na mão o pôs em alerta. Era o pequeno Proteu. Tratou de esconder-se entre as pilastras do hall da grande varanda. O garoto o conhecia e ser visto por ele poderia colocar tudo a perder. Agora, se Proteu estava ali...

 

 — Cadê meu filhão?

A voz potente foi seguida de uma risada infantil e mais passos apressados. Apressados feito o batimento cardíaco de Sorento, ao escutar o timbre bonito e penetrante daquele grego.

“Ah, Kanon... Por que”? — pensava.

Sorento ainda sentia raiva. E muita mágoa. A frase que dissera para Shaka recentemente voltava à sua mente. “Jamais me envolveria com aquele tipo”. Não se envolveria mesmo. O problema era que, em algum momento, ele simplesmente não sabia se tratar de alguém daquele tipo.

 

Quando chegou em Atenas, com seus recém completados 24 anos, para trabalhar na Solo Marine, não sabia que sua vida viraria de cabeça para baixo. Seu pai conhecera o magnata Julian Solo no passado e mantinham contato, ainda que virtual, na maior parte do tempo, desde então. Ele nunca fora de pedir favor, contudo comentou que seu filho havia se formado em administração, mas encontrava dificuldades em alavancar na carreira. Reclamava que o garoto gostava mesmo era de música. Julian, então, oferecera um emprego para Sorento em sua empresa, como seu secretário. O salário era bom e o status de ter uma passagem pela Solo Marine no currículo parecia perfeito. Ao menos para seu pai. E não é que o jovem desgostasse da carreira empresarial, ele apenas não entendia porque seu genitor implicava tanto com seu gosto por música e seu notável talento com a flauta. Em verdade, sabia sim. Sua mãe era musicista. A mãe que, segundo o pai, trocara o marido e o filho ainda pequeno pela carreira. Sorento não guardava muito desgosto da mãe. Talvez por não terem convivido muito e por seu pai sempre ter se esforçado para suprir ambos os papéis. Contudo, o outro detestava a ex-esposa como um demônio detesta a cruz. E detestava tudo o que remetesse a ela. Isso incluía a música. Por isso não o culpava. O que não significava que aquilo não o aborrecesse.

Uma vez na capital, o magnata lhe tratava com muito carinho e respeito e tudo fluía bem. Julian não se importava com a dedicação de Sorento à flauta e até apoiava que este desse aulas particulares pelo prazer que o rapaz sentia em ensinar algo que tanto amava. Às vezes, parecia a Sorento que o mais velho o cortejava, discretamente, entretanto preferia se fazer de desentendido e nenhuma situação desagradável lhe ocorrera. Estava há cinco meses na empresa, quando Solo o transferira para Santorini, para auxiliar na implantação de uma rede de eventos culturais, junto a sua herdeira e marido. Foi quando conheceu Kanon. Sorento não pôde evitar de se encantar pelo homem extremamente bonito, de sorriso fácil e lábia invejável. O homem, que era historiador, detinha sempre ótimas ideias e trabalhar com ele era sempre recompensador. A última flecha do cupido fora atirada quando o Kanon lhe pedira para que o ensinasse o instrumento. Com as aulas particulares, passavam ainda mais tempo juntos. Não sabia ao certo se as lições haviam, inclusive, sido uma desculpa, muito embora Kanon realmente parecesse interessado no que lhe era ensinado, pois este, diferente do sogro, não era nada discreto ao se insinuar, mesmo com Thetis em seu quinto mês de gestação. Sorento não queria confusão. Kanon era casado, seria pai em breve e era doze anos mais velho, muito embora a esposa fosse ainda um ano mais nova que ele próprio. Acontecia, que estava encantado demais para resistir. Toda vez que assistia às cenas que Thetis fazia, sempre menosprezando o marido em público, pensava que talvez ela merecesse perdê-lo. E que ele merecesse algo melhor. Era curioso e estranho ao mesmo tempo. O historiador parecia gostar genuinamente da esposa, de uma maneira ou de outra. Às vezes parecia sufocado e apagado, como quem encenava um papel. Às vezes parecia gostar de tal papel a ponto de desejar atuar pelo resto da vida. Sorento não sabia o que pensar. Todavia, a última coisa que apaixonados costumam fazer é pensar. Não demorou para permitir que Kanon invadisse seu flat, seu corpo e seu coração. Apaixonou-se. Entregou-se. E confessou-se. E quando percebeu que aquilo não traria nada além de seu sofrer, tentou se afastar, contudo o amante dizia que se separaria da esposa, que ficariam juntos, que ele apenas precisava de tempo e Sorento foi levando aquilo. O caso de ambos durou até Proteu completar seu primeiro ano de vida. Até Sorento decidir que bastava de ser um brinquedo na mão de Kanon. Pois era aquilo: um brinquedo. Descobriu que Thetis sabia dos dois e não se importava, pois Sorento era só um passatempo, um fetiche. Sentiu-se ultrajado. Inventou uma desculpa qualquer para Julian, pedindo para retornar para Atenas e este acatou seu pedido, satisfeito com os resultados que vinha apresentando em suas funções, promovendo-o a seu assessor. Foi quando se envolveu com o Solo e trocou um homem doze anos mais velho por um com o dobro da sua idade. Estava frágil e com o coração em pedaços por acreditar nas promessas e no amor que nunca seriam seus. Não se importava mais em “se preservar”. Além do mais, o magnata o tratava feito um príncipe e ele adorava. Era o que precisava para levantar sua estima e moral. Mas, ainda assim, Sorento não conseguia esquecer o amante anterior. Nunca conseguiu. Com o passar do tempo entendeu que o que Julian queria de si era mais uma companhia que um namorado. Em algum momento conversaram e entenderam que não seria conveniente para nenhum dos dois tornar aquilo público. O que não fazia com que o mais velho o tratasse diferente. Solo lhe conferia a mesma estima: o respeitava como profissional e lhe mantinha ainda como um príncipe entre quatro paredes. Parecia bom. Julian tampouco implicava que Sorento saísse com outras pessoas, contanto que sempre se cuidasse. E ele cuidava: de si e do homem que lhe tratava com muito carinho e respeito. Tanto ele quanto Julian sabiam que se um dia um dos dois arranjasse um companheiro ou companheira para levar à sério aquilo teria um fim, contudo, enquanto aquilo não ocorria, aproveitavam um ao outro. Sorento não era mais um garoto. E já que seu coração insistia em permanecer mal usado, o corpo ele aproveitava muito bem. Não perdia uma oportunidade de estar com alguém, se este alguém fosse bonito, inteligente e aparentemente bom caráter. Recentemente, inclusive, passara a se encontrar com um rapaz com quase a sua idade que conhecera no abrigo em que ensinava o instrumento, que tocava tão bem, voluntariamente. Era bonito e bastante exótico. Apesar dos fios tingidos de verde e do olho de vidro, o rapaz de corpo magro e personalidade audaz sabia diverti-lo e tirá-lo da rotina excessivamente correta, que era sua vida. Não era nada sério e aparentemente nenhum dos dois desejava que fosse. Assim, o assessor e flautista às vezes saía com o homem chamado Isaac, que o distraía.

 

Tudo parecia fluir, mas existia algo, lá no fundo, que incomodava Sorento, que o entristecia e decepcionava: não superava Kanon. Não fazia muito que, cansado do sentimento de amor mal aproveitado em seu peito, decidira que o transformar em ódio lhe traria algum alívio, passando assim a investigar o homem que o enganara. Um homem feito aquele, um casal feito aquele, certamente escondia segredos escusos. E foi descobrindo pistas aqui e ali. Havia apenas uma pessoa que queria derrotar mais que Kanon: Thetis. A herdeira ingrata. Julian era um bom homem, um bom pai, um bom amante e Sorento, que podia não amá-lo, mas o queria imensamente bem, não permitiria que o empresário continuasse sendo enganado, como ele fora. Não obstante àquilo, sempre que via Kanon com Proteu, suas razões nublavam um pouco. Ele tratava aquela criança com tanto carinho, o amava tão abertamente. Seria impossível alguém completamente ruim ser capaz de um sentir tão verdadeiro. Havia algo bom em seu ex-amante. Talvez houvesse salvação, ainda que para alguém com tantas falhas de caráter sobrepostas. Não queria cultivar esperanças, mas estas não pareciam dispostas a se afastarem.

 

— Vamos voltar para perto do vovô? Ele está com saudades suas, minha vida!

Espiou Kanon pegar o filho no colo e seguir para o fim da varanda, onde um homem repousava em uma cadeira de balanço.

— O que você está lendo aí? — Indagou o filho que tomou, ainda que gentilmente, o jornal das mãos do pai. — Ah, não acredito! Você não se cansa desse infeliz? — olhava incrédulo para o segundo caderno do Diário Helênico aberto na coluna de Saga. — Ele alguma vez veio te ver? Ligou? Mandou recado? Ele não se importa, pai. Saga é egoísta!

Voltou o olhar contrariado para o jornal. Não pôde evitar de ler o texto que estampava a página dois do segundo caderno.

 

 

A crônica do tempo: a rotina, a retórica e a poesia.

 

Viver a mesma vida todos os dias sempre me pareceu algo extremamente aterrador. A mesma casa, as mesmas pessoas, os mesmos afazeres. A rotina sempre foi algo que eu poderia comparar à um daqueles filmes de ficção científica, onde o protagonista fica preso em um lapso temporal, repetindo o mesmo dia sucessivamente: a receita infalível para a loucura.

Demorou um bom tempo para que eu enxergasse a beleza da rotina, dos hábitos costumeiros que repetimos no firmamento, tal qual a Terra repete sua rotação: bailando em si, diária e incansavelmente, nos beijando com luz e sombra. A pessoa que mais estimo e prezo, sempre me disse que a rotina é uma oração. Uma prece diária ao cosmo. Dizia também — e ainda diz — que a rotina é poética.  “E depois o doido sou eu”, era só o que costumava pensar. “Se direcionas teu olhar para a mesma coisa todo dia e esta te parece igual, o que necessita de mudança é teu olhar, não a coisa”, costumava completar. Foram longos dez anos para entender a essência do que ele define como “todo dia um olhar diferente para a mesma coisa” e que eu chamo simplesmente de “rotina”.

Hoje percebo, talvez demasiado tarde, o que tal homem, tão presunçoso e humilde ao mesmo tempo, quis dizer. Percebi ao final, como todo tolo percebe que é proprietário de um grande tesouro: na iminência de perdê-lo. E gostaria de deixar claro aqui ao leitor, que o tesouro em questão não é o homem, embora este seja o que é há de mais caro e embora a real possibilidade de que talvez não compartilhemos mais a mesma estrada me devaste. O ponto é que aqui me encontro, justo eu, que mal consigo comer a mesma coisa por mais de dois dias seguidos, que mal conseguia passar muito tempo sem mudar de casa, de país, de companhia, de horizonte, apavorado frente à verdade que passei a última década em repetição de uma rotina, que agora me escapa entre os dedos e que eu, justo eu, não desejo que se vá, se mude, se transforme em algo que não o que é. Pois justo agora, justo quase muito tarde, percebo que ainda não dediquei à ela todos os olhares possíveis.

 

Era de fato uma repetição. Todo dia. Rotina. Todo dia me beijava o peito, todo dia agradecia e velava meu suposto sono. Todo dia eu fingia dormir apenas para senti-lo ali. Todo dia a casa se perfumava com café e canela. Todo dia dançava com a gata, falava com as plantas, permanecia em longos e indecifráveis silêncios e conversávamos extensamente sobre qualquer coisa. Todo dia trabalhava mais que o prudente, reclamava de ao menos três coisas e varria a casa já limpa sem muito humor. Todo dia eu precisava dizer alguma besteira idiota para lhe arrancar um sorriso e ele me apertava o nariz. Todo dia, quando eu tirava minha blusa, ele a vestia para dormir, embora possuísse as próprias roupas e até hoje eu não entenda o porquê — embora confesse que fica ainda mais adorável nas minhas camisas que nas próprias. — Todo dia fazia um chá antes de deitar, inalava o vapor com os olhos fechados antes de tomá-lo e reclamava de mais uma coisa ou duas, geralmente incluindo sobre o sono que sentia cedo demais. Todo dia a gata resolvia que sua cabeça era um ótimo lugar para se dormir, pois até ela é uma rotineira incurável. Sei inclusive, que ela era a primeira a reiniciar a rotina no dia seguinte, lhe despertando para que novamente beijasse meu peito e agradecesse e tudo se repetisse, em um compasso marcado, como uma música. E agora eu sei. A rotina tem retórica. A rotina tem poesia.

 

A rotina se repete cronológica. Cronologia. Chronología.

Chronos — tempo.

Logía — logos, estudo.

Agora eu sei. A rotina procura estudar e entender o que parece igual, mas muda a cada dia, por meio de repetição. A rotina é uma crônica do tempo.

E se a retórica da oratória consiste bem falar, a retórica da rotina consiste em bem fazer. Entenda, caro leitor, o bem fazer aqui não está diretamente ligado ao executar tudo e qualquer coisa com magistral perfeição milimétrica, ainda que esteja constantemente rodeado de tal coisa e esta me seja comum aos olhos, muito embora não os encha. Quando digo bem fazer, digo da parte que, com o tempo, me cativou e engrandeceu: a total dedicação, empenho e zelo em fazer algo, de maneira que seu sentimento esteja empregado em uma intensidade tal, que simplesmente este fazer se torna pedaço de um todo, no qual, se não devotarmos a devida atenção ao detalhe, ao pormenor, este pode se dissolver na massa homogênea dos dias. A massa homogênea que batizamos de rotina.

 

A este ponto o leitor pode estar se perguntando: e como pode existir retórica e poesia em uma massa homogênea? Pois eu te digo que, se todo dia você acorda, sente cheiro de café e canela pela casa e encontra a fonte de seu afeto sorvendo o líquido com os mesmos olhos fechados, a mesma perna esquerda cruzada sobre a direita, os mesmos dedos delgados, segurando a alça da xícara com uma das mão,s e circundando o objeto com os dedos polegar e médio da outra, e se sente agraciado pelos dons da visão e olfato e, se ao observá-lo sorrir e lhe dizer "bom dia, marido" você sente enaltecer a audição, aí está sua oração. Aí está a poesia na massa homogênea que batizamos de rotina. E se você a repete por tempo o suficiente e devota olhares diferentes suficientes para captar todos os pormenores, aperfeiçoar todos os detalhes de cada ação e intenção a ponto de você não conseguir mais imaginar sua vida sem isto — e entenda, quando digo não imaginar, digo sequer parar para pensar, tão parte perfeita e essencial de um todo aquilo se torna — aqui está a retórica. Por fim, não há nada mais eloquente que uma rotina bem repetida, captada por cada sentido. Bem ordenada. Bem sentida. Bem feita. Todo. Santo. Dia.

Rotina.

 

O tempo é uma charada trocada entre o sol e a lua. É uma dança, a dança dos dias. O que acontece todo dia é rotina. Os detalhes são sua retórica. O zelo sua poesia.

E o olhar? O notar? A percepção? Ah, claro. Todo dia um olhar diferente sobre a mesma coisa. Eu não esqueci dessa parte. Pois o novo mora dentro do mesmo. Eu aprendi. O bem fazer exige repetição. A poesia exige interpretação. Todo dia uma nova interpretação para a mesma cena. 

“Todo dia” — repetição — retórica.

“Um olhar diferente” —  interpretação — poesia.

“A mesma coisa” — rotina — tempo.

Sempre foi sobre a crônica do tempo afinal.

O que acontece todo dia é rotina. O desejo que se repita é a retórica. O amor sua poesia.

 

Eu aprendi. Talvez demasiado tarde. Contudo é sempre engrandecedor aprender uma nova lição. Sou alguém maior e melhor agora que entendo. Pois melhor me entendo, quando melhor lhe entendo. Apenas agradeço, por nos últimos 3.650 dias, ter me olhado de uma maneira diferente a cada nascer de sol. Por ter me permitido, ainda que sem compreender, fazer o mesmo.

Agora eu sei.

 

 

Kanon gastou um minuto absorvendo aquilo. Absorvendo o irmão. Absorvendo Shaka. E toda uma vida que poderia ter sido, contudo jamais seria. Não eram uma família.

Ouviu a voz do pai.

 

— Ele parece... gostar mesmo desse... Desse rapaz.

— Também não posso ser injusto apenas porque creio que ele não mereça consideração: sim, tudo indica que gosta.

— Sabe se ainda é o mesmo? Digo, aquele tal imigrante por quem ele fez aquele “bafafá” na capital?

— Sim.

 Milton voltou o olhar para o belo jardim e suspirou profundamente.

— Eu nunca procurei saber… Como será que ele é? — perguntou aparentemente mais para si que para o filho.

"É tão bonito, pai. Você não faz ideia. Parece um sonho místico. Um ser mágico"...

Bufou enfadado.

— Que diferença faz, pai? É um homem. O que o senhor pretende fazer? Convidar o casal de invertidos para um café com bolo?

— Nunca! Eu só... Não sei, será que é um desses afeminados que se veste feito mulher?

"Não pai, é bonito feito um homem, se veste feito homem, tem a voz grave de homem e a boca de homem mais convidativa que eu vi em um ser vivente".

— Não sei nem o que seria pior! Meu clone com uma pseudo moça ou exibindo macho por aí.

— Parecem estar brigados.

— Espero que permaneçam! — seu desgosto com a situação era notório. — Pai, Saga é mesmo homossexual. Gay. Bicha. Não é uma fase. Já fazem vinte e dois anos e ele continua gostando de homem.

 

Milton ajeitou-se na cadeira, desconfortável com a realidade. Saga era um garoto inquieto e instável, mas era responsável e inteligentíssimo. O pai nunca escondera sua predileção pelo “primogênito”, coisa que, claro, marcara os gêmeos para sempre. Tudo desmoronou no dia do incêndio. Milton jamais soube lidar com a perda de Leda. Naquele dia o fogo levou praticamente todos os bens materiais que possuíam. E levou o coração que mantinha a família unida. Era Leda quem apaziguava as divergências entre os irmãos. Era quem amava o marido com devoção. Também era quem mostrava a Kanon que o amor podia ser tranquilo, quem afrouxava a pressão de Milton para que Saga fosse bom em tudo e quem cuidava da saúde psicológica de ambos os meninos. A perda da matriarca rachou os Giannakopoulos irreversivelmente. A descoberta da homossexualidade de Saga fora a última pá de terra para Milton. Aquilo era uma vergonha.

Voltou os olhos para o pequeno Proteu, que se distraía com um brinquedo de encaixe, que Kanon havia trazido com eles. Era muito parecido com seus filhos naquela idade. Mais com Saga, que com Kanon, até. Saga sempre fora mais quieto que Kanon, apesar de muito curioso e interessado em tudo, como a criança ali.

Virou-se para o filho.

— Você me deu um neto. Você cuida de mim. Paga esse lugar caro onde me tratam muito bem. Está sempre aqui me visitando. Não posso reclamar, Kanon. Você é um bom filho.

"Ainda assim você prefere o merda do Saga, não é, pai"?

 

No fim, a maior necessidade de Kanon sempre fora o amor do pai. A predileção por Saga destruíra a relação dos filhos de maneira lenta e letal. Sem que nenhum envolvido se desse conta. A competição entre irmãos em geral é algo comum. Em gêmeos talvez seja até maior, entretanto, a competição entre Saga e Kanon foi alastrando, silenciosa, como um veneno tomado em pequenas, porém constantes doses, que em dado momento adoece a vítima sem que esta saiba o porquê. Assim fora. Quando deram por si eram inimigos, embora não soubessem dizer a razão.

 

— Faço meu melhor por você, meu pai. Sempre.

Dizendo isso, o historiador pegou na bolsa que trazia consigo a embalagem do creme para massagem que havia comprado para repor o anterior e pôs-se a massagear as pernas do pai. Desde uma queda sofrida há alguns anos, Milton possuía dificuldade de locomoção, precisando de andador. Como passava muito tempo sentado e sentia dores nos membros, as massagens eram rotina. Claro que a casa de repouso contava com enfermeiros bem preparados, mas quando estava ali, Kanon gostava de cuidar de seu genitor ele mesmo.

— Agora você vê — a voz do mais velho voltou a se fazer presente —, tem quem defenda que se nasce assim, chamam até de condição... Uma palhaçada! Você e Saga possuem o mesmo DNA, mas só ele decidiu ser promíscuo! Deus terá um lugar no inferno para ele e esse... Esse outro com quem ele decidiu viver. Você é normal! Você é a prova de que isso é uma pouca vergonha!

 

Kanon escutou aquilo pensando em Shaka. E pensar em Shaka lhe apertava o peito. Lhe causava outras reações adversas pelo corpo também. Podia se esforçar para enganar a si mesmo o quanto quisesse, mas a verdade era que se colocassem um corpo bonito como o de Shaka e um bonito como o de sua esposa na sua frente, não saberia dizer qual preferia. Ele gostava muito das duas coisas. Inclusive levando em consideração especificamente Shaka e sua esposa e não apenas suas "cascas", Kanon sabia sim, muito bem, quem preferia. E a certeza o apavorou. Estava louco. Completamente insano. Ele era normal, como podia preferir um homem? Nem sequer conhecia Shaka. Thetis era sua esposa, companheira, gostava dela... Quando gostar deixou de ser suficiente? À propósito, ainda gostava?

Sentir qualquer coisa por homens sempre lhe deixava com raiva. Sentir justo pelo marido do irmão... Kanon estava irado. Aquele homem era um pervertedor. O tal fogo do inferno parecia um destino merecido! Shaka havia despertado a lasciva em si como nenhum homem antes o fizera e, pensando friamente, a lista não era exatamente pequena. Iria tratar o imigrantezinho indiano como tratava todos que desejou: como uma coisa. Um brinquedo sujo. Extravasaria sua raiva com o que mais queria: fodê-lo. Queria ver aquele rostinho bonito pedindo mais. Riria do mal que lhe acometia. Assim poderia descartá-lo e retornar para a vida que até gostava de levar. Embora não soubesse se esta lhe servia mais. Todavia, o que importava era se livrar daquilo, penetrá-lo com força o suficiente para transformar sua ira em gozo. Só assim se curaria e voltar a ser normal.

“Eu sou normal” — repetia para si mesmo.

 — Saga é um indecoroso, pai! Eu sou o gêmeo certo. Eu sou o melhor filho.

— Você é o único filho, Kanon.

O historiador sorriu. Seu pai o reconhecia. Era o que importava.

 

 

Saga entrou no Minerva, percorrendo os olhos pelo sebo, o encontrando vazio. Ainda assim, não hesitou em trancar a porta, virar a placa para “fechado” e baixar a persiana. Foi quando viu que não estava só: um par de olhos amarelos o fitavam atentos de cima do balcão. Aproximou-se com cuidado para não espantar o gato de pelagem preta e coleirinha vermelha. Fez o clássico ritual de aproximação com felinos, movimentando os dedos e fazendo "psss". O alvo não deu muita moral a ele, mas ao ter o topo da cabeça acariciado, relaxou a postura. Com exceção da cor, visto que a da outra era roxa, a coleira era idêntica a de Spica, assim, olhou a plaquinha dourada em seu pescoço, com o nome "Antares" na frente. "Milo virou cat people", pensou. Não teve certeza, pelo nome, se era macho ou fêmea.

 

— Você tem cara de gata — disse fazendo outro carinho, já querendo fazer amizade.

Não tardou a descobrir ser uma fêmea. Tampouco tardou a perceber a quem pertencia em verdade a felina, quando virou a plaquinha e viu o telefone de Shaka gravado.

"Ah, que ótimo, Shaka nos abandonou, arranjou até outra filha".

Estava com ciúmes de um gato?

Sim, estava.

Antares levantou-se e pulou para a mesa e dela para o cantinho que outrora fora o favorito de Spica, parecendo perceber o ciúme do jornalista. Saga notou ao acompanhar o percurso da felina, que o notebook do marido não estava sobre a mesa, em seu lugar o que havia, entre os porta-lápis e retratos, era uma edição do Diário Helênico, aberto na página de número dois, do segundo caderno. Olhou novamente para a gata que lhe fitava do alto como quem o julga e pensou em externar um “ora, já estava até gostando de você, sua pequena usurpadora de Shaka", mas a porta do banheiro se abriu, revelando seu marido. E o tempo parou por um breve instante.

Estava tão bonito. Aos olhos de Saga, era a perfeição. Entretanto, estava notavelmente abatido.

O jornalista se antecipou para o lado de dentro do balcão e a visão de Saga fez o mundo de Shaka igualmente parar. Sabia que precisava conversar com ele imprescindivelmente naquele dia, o que não significava estar preparado para isso. Ainda mais com o outro vestido de maneira tão impecável como estava. Shaka amava como o tom daquela blusa combinava com os olhos do marido e adorava aquele tecido, tão gostoso ao toque. Gostava de ser abraçado por Saga naquela roupa. Era quase um convite.

Estava tão bonito. Aos olhos de Shaka, era a perfeição. Entretanto, notavelmente abatido.

 

— Saga...

Tentava manter minimamente a postura imparcial. Seu marido lhe olhava de um jeito enigmático e, depois dos últimos acontecimentos, a discussão de domingo, sua exposição de terça-feira, a chuva de ofensas do dia seguinte e agora aquele texto, Shaka sinceramente não sabia o que esperar. Saga sempre fora muitos em um, estava acostumado. Entretanto, havia vezes em que se sentia a um passo do abismo: impossível avançar sem cair. E se caísse? Saga estaria lá para segurá-lo? Deveria desejar que estivesse? Descobriu ali ser capaz de ser vários também. Pois o comerciante queria correr até Saga e abraçá-lo. Queria socá-lo. Queria beijos sem fim e queria gritar para que fosse embora. Queria protegê-lo do irmão e da cunhada e queria ser protegido por ele. O que ele deveria fazer? Mantê-lo ali? Contar tudo? Afastá-lo não seria mais seguro? O medo que algo acontecesse a Saga diante das ameaças de Kanon era tão rea,l que podia tocar. E seu orgulho em frangalhos? Como lidava com aquilo? E tudo que Saga lhe dissera? Era verdade? Era tão doloroso lembrar.

Em meio ao açoite de interrogações viu Saga dar mais alguns passos, colocando sobre a mesa uma agenda que Shaka conhecia muito bem. 2012. Um dos piores momentos de sua vida, quando quase perdera Saga. Será que ele... Havia lido? Aquilo era um pesadelo?

 

— Por quanto tempo pretendia esconder?

O indiano engoliu seco. Precisava falar com o jornalista sobre Kanon, sobre Thetis, sobre suas suspeitas, sobre o plano perverso do irmão para si e para ele. Não esperava, sinceramente, uma visita do passado. Ainda mais de um passado tão doloroso.

Ah, sim. Aquilo definitivamente era um pesadelo.

 


Notas Finais


Aos jovens que aqui chegarem... Por favor, me ajudem a benzer o Kanon!
O homi tá precisado de deus no coração rs


Então é isso, juro que não demoro para voltar com a DR infinita feat vai ou racha do nosso casal favorito (olha a outra querendo convencer todo mundo a virar SaSha 4ever ahuahuah)

Espero de verdade, conseguir saber o que vocês acharam de ambos, já que eles serão postados um perto do outro.

Algumas coisas deram bastante trabalho e queimação de mufa.


Então obrigada à quem leu até aqui.
Obrigada à quem acompanha, à quem favorita, à quem comenta, à quem recomenda a fic para um coleguinha!
Vocês são todos chuchus que deus plantou na minha vida!


★★★
Link para a playlist da fic
https://www.youtube.com/playlist?list=PLCoz6-aj6cy2DxPF144Qc6tweg-N-Vvhq

Até.


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