Pela primeira vez na vida, Kori sentia como se fosse a coisa mais inútil e insignificante do mundo; seus poderes haviam sido banidos dentro daquela ilha e essa era a mesma sensação do que se tivessem tirado uma parte de seu ser. Sabia que não dependia deles, sabia que ainda podia fazer absolutamente qualquer coisa que quisesse, mas se ainda os tivesse, sua amiga não teria sido raptada; se os tivesse, mesmo que a levassem, já estaria trazendo-a de volta e em segurança, sem precisar do aval de nenhum maldito homem com suas regras ridículas, a autoridade do capitão não deveria ser mais importante do que salvar a vida de alguém! Infelizmente era suspeita à falar por ter permitido que Ravena fosse aprisionada naquele navio, mas talvez em compensação, não hesitaria em tentar ajudá-la a fugir caso fosse necessário, lhe devia isso. E agora era seu dever mostrar ser uma amiga de verdade indo salvá-la.
— … chega! Eu cansei! Eu não vou ficar aqui dentro sem fazer nada! — Bateu com o pé no chão. Determinada, pegou uma caixa de madeira comprida e bem trancada com vários cadeados ao seu redor, destrancou um a um até que pudesse abri-la e revelar o seu interior. Havia um arco recurvo compatível com o seu tamanho, era feito de madeira de mirra, totalmente adornado com leves detalhes entalhados; tinham três tipos de flechas: douradas, de chumbo e um amontoado já dentro da aljava sendo de ferro comum, perfeitamente afiadas.
— Você tem um arco? — Viktor a olhou um pouco surpreso, imaginava plenamente que ela não precisava de uma arma, por conseguir fazer uma bola verde voar e explodir as coisas. Apesar de que ela não conseguia fazer isso agora.
— O que você acha? — Ela franziu o cenho, olhando-o com uma expressão um bilhão de vezes mais séria do que um dia imaginou ver. Ele acabou levantando a mão e o gancho, em sinal de rendição.
— Precisamos esperar a ordem do capitão.
— O caralho que eu vou continuar esperando a ordem dele. — Todos os outros olhos se voltaram na direção dela, em nenhum outro momento desde os dois meses em que viajavam todos juntos, um único palavrão sequer havia saído de sua boca, ou qualquer coisa que a fizesse parecer mal educada, rude ou que não tivesse etiqueta, como a mulher perfeita.
— Puta que pariu, a porra ficou séria. — Jeremy disse com um riso um pouco nervoso, aquela Kori era muito diferente.
— … eu cansei também. — Richard suspirou com pesar e assim como a noiva, embainhou a sua espada e subitamente tirou uma máscara preta de dentro do bolso, a usando para cobrir os olhos e parcialmente seu rosto. — Garfield havia dito que ela estava sob nossa responsabilidade.
— Ora, por favor, ela está sob a responsabilidade de todos nós aqui. — Viktor revirou os olhos, se levantando de sua rede. — Também quero ir atrás dela, mas o que vamos fazer? Nos enfiar sem rumo e sem um plano, floresta adentro nesse breu? Eles possuem vantagem numérica e vantagem por território, vamos todos morrer.
— E por causa disso Ravena morrerá? — Kori o olhou sombriamente, deixando o clima dentro daquele porão um pouco pior. Dick se aproximou e tocou seu ombro, tentando acalmá-la da melhor forma.
— Não é como se tivéssemos que procurá-la do zero, temos a bússola do pecado, só precisamos ir buscá-la.
— Argh… — Jeremy se espreguiçou, estralando algumas partes do corpo. — tudo bem, vamos. — Ele também se levantou, mesmo que com preguiça, da mesma rede em que o matelot estava e, pegou o sabre, no canto da parede.
— Como é? — Viktor o olhou confuso, era para estarem do mesmo lado.
— Qual é, Vik, ele sempre tem um plano, já deveríamos estar no meio do caminho há essa hora. — O maior o encarou por longos segundos; por um lado, queria resgatar a empata a todo custo, mesmo que isso significasse que perderia mais um membro do seu corpo e aos poucos se tornasse um pirata inútil. Por outro, seu egoísmo em querer manter-se vivo e garantir a segurança de todo o resto da tripulação também falava muito alto. Estava numa briga interna. Mas essa era a sua desculpa para não ter que decidir e escolher um lado ou outro.
— … você tem razão. — Suspirou com pesar. — O orgulho dele já foi longe demais.
Gradativamente, todos pegaram suas respectivas armas e se reuniram no meio do porão com o mapa e um pergaminho para conseguirem desenhar um plano rápido, utilizando as hipóteses para onde a bússola poderia levá-los. Dick tomou a frente para coordenar o que cada um faria de forma até que muito bem elaborada para quem pensou tão rápido em poucos minutos. Liderou o grupo como um general que liderava seu exército.
Ao saírem do porão, o imediato aproximou-se da cabine do capitão, somente para alertar o mesmo que todos estavam saindo para o resgate e que no momento, como o imediato, tomará as ordens; contudo, a mesma estava completamente vazia e escura. As armas dele haviam sumido, a cópia do arquipélago também não estava lá, ele havia ido sozinho? Impossível! Estava com um pé quebrado! Com pressa, vasculhou o ambiente ao seu redor e se aproximou da beirada do navio, não sendo difícil ver o símbolo bem característico desenhado no chão. Maldito seja. Maldito seja seu orgulho, maldita seja a sua burrice interminável. Quem é o idiota que se enfia no meio do mato no escuro e contra selvagens muito bem armados capazes de tirar os poderes da filha de um deus? Quem é o idiota que faz tudo isso completamente sozinho e com o pé quebrado?! Era amaldiçoado por ter um capitão tão retardado.
— Humph, acho que o nosso capitão já decidiu muito antes de você, Kori. — Ele falou irritado, ergueu o gancho para poder golpear a madeira do parapeito do navio, mas antes que a ponta afiada pudesse sequer encostar, ele a afastou um cuidado e acariciou o lugar com a mão, o bebê não deveria sofrer.
— O que isso quer dizer? — Ela se aproximou do parapeito.
— Merda! — Dick bufou quando o viu, ela ficaria irada, pior ainda, sua ira cairia sobre seus ombros.
— Sou só eu que não sei o que é isso?
— Isso quer dizer que essa luta é só dele. — Viktor suspirou.
— … está de brincadeira, não é?
— Dessa vez é mais sério do que você pensa, Kori. — Dick massageou o cenho por cima da máscara, não sabia como explicar aquele símbolo, nem a história por trás dele.
— É mais do que isso. — Vik se encostou no mastro. — É como uma lei pela própria integridade dele. Uma lei que não podemos interferir, nem mais ninguém, porque ele nunca para depois de desenhar essa marca.
— Argh, quando eu acho que esse maldito não pode piorar as coisas! — Xingou um palavrão alto na sua língua natal e socou a madeira com força. — Eu vou com ou sem vocês.
— Kori, não é como… — Ela o interrompeu.
— Cale a boca, por que eu não quero saber! — Brandiu. Irada, desceu a rampa do navio direto para a areia, disposta a correr para dentro da selva densa, contudo, antes que conseguisse pisar na trilha, um campo de força a jogou com violência para o mar, molhando seu cabelo rosa-alaranjado, as suas roupas e as suas armas. — …. ARGH! EU ODEIO ESSA ILHA! — Socou a água salgada, desde aquela tempestade tudo estava um caos. Como estava proibida de entrar na floresta e como uma simples marca na areia fazia oito homens desistirem do resgate?! Homens eram inúteis, no fim! Sempre eram!
Ravena agora estava vestida com uma roupa de pele escura, mas que mostravam muito mais partes do seu corpo do que o habitual, como as suas pernas, sua barriga e os seus ombros; toda a sua pele pálida que estava à mostra, tinha um padrão de símbolos estrategicamente pintado com uma tinta branca, se não soubesse que iria morrer, diria que estavam lhe vestindo e lhe preparando para se tornar uma xamã ou alguma coisa do tipo para eles. O céu ficava cada vez mais claro aos poucos e não havia nenhum sinal do homem verde que supostamente estava vindo ao seu resgate, talvez tivesse sido capturado e morto? Talvez tivesse sido capturado e logo seria jogado na mesma jaula, igualmente pintado, como um animal? O medo era tudo o que estava sentindo, suas emoções talvez estivessem tão apavoradas quanto e julgava que Nevermore entraria num completo colapso. Com sorte, teria um surto grande o suficiente para ser morta pela própria magia antes que finalmente fosse morta por outra pessoa.
Uma música lenta, mas ritmada com tambores e maracas, se iniciava ao longe, podia ser escutada pelos ouvidos atentos da garota, que estremeceu com tal; significava que não demoraria mais muito tempo para morrer, significava que sua morte teria uma plateia e até mesmo uma trilha sonora. Isso lhe perturbava. “Oh Azar…” rezou mentalmente. Por um ato de desespero, se sentou no chão em sua pose de lótus e mesmo com as lágrimas rolando pelo seu rosto sem parar, repetia seu mantra, repetia-o quantas vezes se fosse possível por segundo, almejando que por algum motivo milagroso, fosse salva. Mas o motivo milagroso nunca chegou. Assim que o primeiro raio de sol irradiou no céu, dois homens apareceram no horizonte, carregando uma gaiola de pássaro grande o suficiente para que Ravena coubesse lá dentro. Ela foi transportada de uma prisão à outra, agora menor, somente tendo espaço para ficar agachada de cócoras e segurar as barras firmes de madeira. Se sentia humilhada.
Em contraparte, Garfield conseguia assistir absolutamente tudo de onde estava, era uma árvore grande e com certeza muito alta, talvez pudesse ser visto, mas a sua cor verde ajudava para que não fosse visto no meio das folhas; podia ver a jaula onde Ravena estava, assim como também conseguia ter uma visão privilegiada da aldeia e de onde seria o ritual, que se iniciava com os preparativos no alto de um morro a nordeste, havia uma mesa de pedra grande com uma adaga sobre, uma mesa de sacrifício. Irão matá-la. Prestou atenção até que a moça que havia visitado a jaula fosse embora, levando as roupas dela consigo; seu corpo se estremeceu, a morte era certa, mas se eles resolvessem… preferia não pensar nisso. Isso lhe causava arrepios perturbadores. O incômodo do pensamento era grande o suficiente para que rosnasse como uma besta.
Se aproveitava da vantagem de conseguir se camuflar com a flora para se locomover de um lado para outro; decorou os pontos onde tinha cada guarda e quais saídas de fuga eram ideais para que se direcionassem quando conseguisse chegar até ela; de um jeito ou de outro, pular no rio da cachoeira era a melhor alternativa, era mais rápido, mais fácil de limpar rastros. Aguardando o momento certo, não foi difícil ver os dois guerreiros que se aproximaram da jaula carregando uma gaiola. Um nó se fez em sua garganta e a saliva fora difícil de engolir. Assistir aquilo lhe deixava mais incomodado do que gostaria de admitir.
Chegar até as árvores daquela trilha não havia sido uma tarefa muito difícil, talvez tivesse se arranhado em um galho ou outro e quase caído algumas vezes, mas o que importava era que estava ali, assistindo os selvagens carregando a gaiola onde a bruxa estava encurralada de um jeito quase miserável. Esperou. Esperou longos segundos que pareceram durar eternas horas - até mesmo seu suor escorria devagar pelo seu rosto e pingava no chão como se estivesse em câmera lenta. Esperou até que o momento perfeito chegasse. Assim que eles se aproximaram da árvore em que estava escondido, empunhou sua adaga, deixando a lâmina virada para baixo e, assim que eles estavam a um único passo de estarem bem na sua direção, saltou.
Aterrissou sobre o selvagem da direita, que perdeu o equilíbrio imediatamente com o seu peso e precisou largar a gaiola, deixando que a mesma caísse. Sem perder tempo, o esverdeado fincou a adaga no peito de seu inimigo e se levantou rápido com o impulso forte de suas pernas; olhava para o outro selvagem, ele falava naquela língua que lhe era desconhecida, mas não tirava os olhos dos dele, atento para qualquer movimento que fizesse. Eles andavam em círculos, um não tirava os olhos do outro, eles rodeavam a gaiola da garota, que tentava insistentemente quebrar a gaiola, mas não tinha espaço o suficiente para conseguir reunir forças para tal. O selvagem avançou em fúria com a faca recém empunhada da bainha amarrada ao seu peito e tentou cortar o pirata, que desviou por pouco; tentou se aproveitar da oportunidade e contra-atacou de forma veloz, tentando acertar o abdômen do selvagem, que igualmente se esquivou, conseguindo fazer um movimento imprevisível para avançar pela esquerda, golpeando a cintura do pirata com um golpe de ombro forte o suficiente para o desestabilizar, tendo assim, um corte fundo recém feito no centro do seu tórax; a camisa recém rasgada, já suja de terra, suor e outras imundícies agora também se manchava com o seu sangue que escorria pelo corpo. A dor era grande, mas rangia os dentes para tentar suportá-la, tentando apoiar-se nela.
Ele avançou veloz, fazendo menção que tentar cortá-lo novamente, contudo, assim que ele preparou-se para desviar, seu punho acertou o seu rosto com força, deixando o selvagem desnorteado; o pirata aproveitou-se disso para pode apunhalar o seu abdômen, mas o selvagem ainda fora capaz desviar, balançando a faca com força na sua frente para revidar e obtendo sucesso em cortar os seus antebraços que instintivamente se ergueram para que se defendesse. Não queria, mas ia perder. Ravena sabia disso, ela assistia toda aquela situação no seu desespero silencioso dentro de sua prisão. Tinha que fazer alguma coisa. Ela usou o peso do seu corpo para fazer a gaiola rolar na direção do corpo que ainda tinha sua vida sendo esvaída gradativamente; seus pelos se arrepiaram por completo quando fora capaz de ver o ferimento feita pela adaga, bem centralizado no peito, isso significava que Logan tinha sido certeiro onde quis acertar, ele sabia o que tinha que fazer para matar alguém e o matou sem pensar duas vezes; o sangue escorria pelo chão, sujando uma boa porta do corpo de Ravena, que procurava qualquer coisa que pudesse usar para tentar sair dali de dentro, mas seus movimentos eram limitados e não conseguia alcançar totalmente as regiões que queria. Havia uma bainha de faca do outro lado da cintura do corpo. Só precisava pegar e se soltar.
— O que está esperando?! — Garfield exclamou em desafio, os cortes no seu corpo ardiam, mas tentava usar a adrenalina para ignorar a dor. Sabia que ia perder. Seu inimigo era potencialmente maior e mais forte, mesmo que fosse veloz, não seria o suficiente.
— Θα κάνω μπάνιο στο αίμα σου, δαίμονα! — Ele respondeu com um grito intenso e avançou para tentar cortar o rosto do esverdeado, mas ele conseguiu ser rápido o suficiente para desviar e cortar o seu pulso num ferimento profundo o suficiente para que a sua faca caísse no chão. Tinha a vantagem de estar melhor armado, mas seu inimigo não iria precisar daquela faca se fosse um bom lutador.
— Vem! — Ele disse em meio a um rosnado, aquilo não podia durar para sempre, logo os outros notariam a ausência do sacrifício e se apressariam em vir buscá-lo. — VEM! — Exclamou de novo. O selvagem partiu para cima dele, segurando seu pulso para que não fosse golpeado com a adaga e pegou um impulso forte com a cabeça, chocando ambas as suas testas; o pirata caiu zonzo, tendo as pernas imobilizadas com o peso do outro corpo sobre o seu. O seu agressor se aproveitava da força maior para tentar empurrar a mão de Garfield contra sua própria garganta; ele tentou usar o outro braço para conseguir golpeá-lo, mas o outro fora mais forte em também segurá-lo.
Ambos ficaram naquela disputa de forças, mas mesmo que trabalhasse com todo o seu corpo, a ponta afiada da lâmina gradativamente se aproximava de sua garganta, Garfield já era capaz de sentir a mesma atravessando a sua pele e lhe roubando a vida em questão de segundos; seu braço chegava a tremer por causa da força que fazia para se manter vivo, o sangue de seu antebraço pingava no seu rosto e a sua consciência oscilava por alguns milésimos, deixando a sua visão turva. No final, tudo o que havia passado, fora apenas uma perda de tempo, morreria de qualquer jeito, mas pelo menos morreria tentando fazer uma única coisa que prestasse em sua vida desonesta. Sentiu a ponta da lâmina encostar na sua pele, aos poucos a mesma pressionando mais e mais o tecido para que conseguisse rasgar. Fechou os olhos. Respirou fundo para que seus pulmões sentissem o ar uma última vez antes do último suspiro. Por fim, seu braço cedeu. Estava morto.
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