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História Não Conte Nosso Segredo - Capítulo 21


Escrita por: vauseman_damie

Notas do Autor


Boa noite!
Ah, esqueci de dizer que dia de sabádo nao costumo postar hahaha
Boa leitura!

Capítulo 21 - Capítulo 21


CAPÍTULO 21

Fiquei na casa da Alex por mais dois dias. Meu celular se tornou minha companhia constante. Eu o verificava a cada hora, checava se estava ligado, se as baterias estavam cheias. Mamãe sabia meu número. Uma vez que não tive notícias dela até a sexta-feira, resolvi parar na frente de casa após o trabalho. Pelo menos para pegar mais roupas e o dinheiro no meu cofre. Não podia continuar pegando dinheiro emprestado da Alex para a gasolina e o almoço.

O carro da Mamãe estava parado na garagem. Minha pulsação disparou. Talvez, quando ela me visse, quando se lembrasse de quem eu sou…

A porta dos fundos estava trancada, então peguei a minha chave e inseri na fechadura.

Mas a chave não entrou.

Não sei por quanto tempo me detive ali, em negação. Ela estava na cozinha. Pude ver a silhueta dela atrás da cortina. Ela me viu, sei que me viu. A figura dela desapareceu. Registrei a mensagem. Cambaleei de volta para o jipe.

Quando entrei pela porta dos fundos da casa da Alex, ouvi ela e a mãe discutindo na cozinha. Alex gritava:

— Por que ela não pode ficar aqui? O que você vai fazer, mandar ela pra rua?

Kate falou:

— Sossegue. Isso não vai acontecer, você sabe. Mas eu liguei e conversei com a mãe dela.

Meu estômago doía. Fraquejei um pouco, precisei me segurar nas prateleiras da despensa. A voz da Kate abaixou:

— Parece que vamos precisar achar um lugar mais definitivo para ela.

Tive vontade de vomitar.

Alex falou:

— Mãe, ela tem que ficar aqui. Tudo o que aconteceu foi culpa minha.

— Não, não foi. — Kate rebateu. — É preciso duas pessoas pra dançar tango!

— Não quis dizer isso. — Alex estalou a língua. — Quero dizer… — A voz dela vacilou. — É minha culpa.

— Não, não é. — Atravessei a porta. — Sua mãe está certa, Alex. Preciso encontrar um lugar pra morar.

— Não. — Ela correu pelo recinto e me abraçou. — Quero que fique aqui.

— Alex, você sabe que eu não posso. Não assim. — Olhei de relance para Kate. — É difícil demais.

A expressão da Alex desmoronou. Ela sabia que eu estava certa. Era uma agonia não podermos ficar juntas. Abraçar uma à outra, beijar, e tocar, e dormir juntas. Ela se dirigiu para a mãe, mas eu a puxei para fora da cozinha, antes que ela dissesse algo de que fosse se arrepender depois. Não precisávamos que ambas fossem para rua.

— Alex. — A mãe dela nos parou a meio caminho da sala de estar. — Volte aqui um minuto.

Alex apertou minha mão e se retirou. A mãe dela a abraçou e a beijou. Isso fez meu estômago revirar e eu corri para o banheiro.

Faith estava pendurada diante do meu armário na manhã seguinte. Literalmente. Ela estava caída como uma boneca de pano, seu cabelo preto seboso varrendo o chão. E havia um canto atonal saindo de sua boca, soando como uma toada fúnebre.

Do seu próprio funeral, eu esperava.

— O que você quer? — Falei.

Ela saltou. A cabeça bateu contra o armário, produzindo um barulho estridente.

Ai. Em qualquer outro momento, eu teria me preocupado com uma possível concussão. Porém, agora, não conseguia reunir tanta compaixão.

— Eu só… — Ela engasgou, como se pudesse detectar minhas vibrações homicidas. — Queria conversar com você.

— Não tenho nada a falar com você, Faith. Dá licença? — Indiquei meu armário bloqueado.

Ela saiu da frente. Abri o armário e enfiei dentro dele minha mochila de natação. Recolhi livros e cadernos e, quando fechei o armário, ela ainda estava ali.

— O quê? — Disparei.

— Você tá bem? — Ela perguntou.

— Ah, sim. Estou ótima. Obrigada por se importar — falei com ironia.

— Eu me importo — ela disse às minhas costas. — Eu queria pedir desculpas.

Desculpas? Fervi por dentro. Desculpas não consertam nada, Faith. Desculpas nem começam a remendar.

Nas duas noites seguintes, Alex e eu pesquisamos apartamentos nos classificados. O estúdio mais barato que encontramos custava quinhentos dólares por mês.

— Não ganho nem metade disso — contei a ela. — O que vou fazer? — O pânico tomou meu peito. — E se eu acabar morando no jipe?

— Não seria tão ruim — Alex falou. — É acolhedor lá dentro. Ponha uma tevê, um abajur.

Eu não conseguia nem improvisar uma careta de zombaria.

— Não se preocupe, linda. — Ela descansou a testa na minha. — Tudo vai se resolver.

Claro, pensei. Assim como minha vida até aqui.

No sábado de manhã, Alex me acordou, jogando-se sobre meu cadáver.

— Levanta. É dia de mudança.

Gemi. Nossos bate-papos por telefone à meia-noite estavam dessincronizando meu relógio interno.

Alex falou:

— Não sei por que não pensei nisso antes. — Ela levantou o lençol e se enfiou por baixo, torcendo-se ao meu lado. — Você sempre vai ter uma família agora — ela murmurou. — Você é uma de nós. — Ela correu um dedo pelo meu rosto.

— Alex, não faz isso — adverti, cobrindo o dedo dela com minha mão. — Você sabe o que isso faz comigo.

— Saia já daí! — Kate guinchou, fazendo-me saltar. E Alex também.

— A gente só tava conversando — Alex falou.

— Não importa. Saia!

Alex jogou os lençóis para o alto e passou por cima de mim.

— Vamos, Piper. Nós vamos até o Centro pra checar os auxílios moradia. Como eu disse, você tem uma família de verdade agora. — Ela cravou um olhar na mãe.

Eu me conformaria com qualquer coisa próxima a “de verdade”.

O Centro era o Centro de Auxílio a Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros. Ficava em um inofensivo prédio de tijolos, situado em um shopping aberto e ao lado de uma copiadora. Eu jamais o teria notado se não fosse pela bandeira de arco-íris. Na porta havia duas placas: LOCAL SEGURO e FALAMOS A LÍNGUA DO AMOR. Busquei a mão de Alex e entrei.

Havia algumas pessoas em volta de uma tevê, assistindo a O Preço Certo e gritando: “Mais alto! Mais alto!”. Uma mulher mais velha passou por nós no caminho e sorriu, fazendo um olá. Talvez, eu pudesse morar aqui, pensei. Parecia acolhedor.

Deixei Alex abordar o assunto. Ela explicou minha situação para o recepcionista, que ficou balançando a cabeça e dizendo que ele sentia muito. Sinto muito, sinto muito, sinto muito. Eu não precisava tanto da solidariedade dele, precisava era ter onde morar.

— Esperem aqui — ele falou. Gritou de sua cadeira: — Não se movam. — Como se eu tivesse escolha.

Ele disparou para um corredor. Um minuto depois, reapareceu:

— Vão até a terceira porta à sua direita. — O telefone dele tocou e ele respondeu em um único fôlego: — Centro LGBT. Estamos felizes que você ligou. Meu nome é Terry, em que posso ajudar?

Uma mulher estava esperando diante do escritório.

— Oi, eu sou Syd — ela disse, apertando nossas mãos. — Sou a coordenadora de recursos. Entrem, sentem-se. — Ela sinalizou para que entrássemos. — Terry me contou o que houve. Sinto muito, Piper. Você veio ao lugar certo. — Syd contornou sua mesa e se sentou. — O Centro tem um programa de moradia para jovens em situação de rua.

Jovens em situação de rua? Meu Deus. Nunca pensei que eu fosse me tornar um deles.

Syd pegou o telefone. Demorou um pouco para que ela encontrasse alguma vaga. Todos os abrigos estavam lotados. Havia até listas de espera, o que deveria ter feito com que me sentisse melhor, menos sozinha. Mas não. E se eu terminasse morando na rua?

Alex segurou minha mão. Isso me acalmou um pouco.

— Você tem? Maravilha! — Syd levantou o dedo indicador. — Ótimo. Obrigada, William. Vou mandá-las para aí. — E desligou. — Há uma vaga na Taggert House. Aqui está o endereço. — Ela escreveu em uma folha rosa do bloco de notas. — Você gostaria de conversar com alguém sobre isso, Piper? — Perguntou, passando a folha para mim. — Temos conselheiros aqui.

— Estou bem — murmurei.

— Ela está bem — Alex ecoou. — Ela tem a mim pra conversar.

Syd sorriu. Ela sabia que éramos um casal e a sensação era reconfortante, maravilhosa. Ela nos deu as coordenadas para chegar à Taggert House e saímos.

Quando paramos em frente ao prédio, eu quase xinguei. Era um hotel velho, um pulgueiro no centro da cidade, perto da linha do trem, que havia sido convertido em abrigo. Um abrigo para pessoas sem-teto. Alex praticamente teve que me arrancar do jipe e me arrastar pela porta.

— Aqui não é o Ritz, mas, olha, o que falta em beleza a gente compensa em amor.

O sujeito que gerenciava o lugar, William, tinha um sotaque forte do sul. Certo, ele era fofo. Disse que ele e o companheiro dividiam um apartamento no térreo.

— Mas as suítes de cobertura ficam no segundo andar. Por aqui. — Ele sinalizou com o dedo e subiu as escadas.

Enquanto abria a porta do meu dormitório, acima da escadaria rangente, ele acrescentou:

— Você tem sorte. Essa suíte ficou disponível ontem.

Não consegui conter o engasgo. O apartamento era um lixo. O papel de parede estava todo descascando e a mobília, se dava para chamar assim, estava toda arranhada e suja. O colchão — ai, meu Deus — o colchão estava todo manchado. O lugar inteiro fedia a mofo, podridão e urina de gato.

Alex entrou e se pôs a passear pelo quarto, dedilhando as coisas.

William me puxou para o lado, no corredor.

— Certo, querida, aqui está sua chave. Nós pedimos encarecidamente que não dê nenhuma cópia para sua namorada. Já tivemos problemas com os ex, se você entende o que quero dizer.

Não, eu não entendia o que ele queria dizer. Como o quê? Roubo? Violência doméstica?

Ele pôs a chave na minha mão.

— Deixe-me mostrar a casa pra você. — Ele cruzou o vão. — Você tem todas as comodidades. Salão, quarto principal, cozinha de luxo, gabinete de trabalho. — O braço dele girou por todo o recinto. Havia a cama, uma pia enferrujada, uma geladeira velha, um micro-ondas todo incrustado e um conjunto de mesa e cadeiras dos anos 1950. Quis dar uma espiada no banheiro à minha direita, mas decidi me poupar da visão. — Não há lugar pra guardar muitas coisas — William falou. — Mas, se precisar de mais espaço, há um guarda-volumes de aluguel do outro lado da rua. Se quiser usar nossa cozinha pra dar uma festa ou algo assim, é só pedir. Servimos um brunch no domingo pra todos os moradores da casa e depois nos reunimos pra uma hora da família. Só pra ver como está cada um.

— Este aqui é o banheiro? — Alex perguntou. Ela enfiou a cabeça ali dentro e retirou rápido. O horror na face dela era indescritível.

William listou as regras: somos livres para ir e vir, nada de festas durante a semana, sejam razoáveis com o barulho. Não era nada muito rigoroso. Fiz a pergunta que andava evitando:

— Quanto é o aluguel?

— Pra você? — Ele me mediu com os olhos. — Grátis.

— Grátis? Tá de brincadeira?

William piscou e sorriu.

Sendo gratuito, era um luxo.

— Até que você consiga se reerguer — ele acrescentou. — Depois é uma escala progressiva.

— O que é isso? — Alex e eu perguntamos juntas.

— Significa que você paga o quanto puder. Você, se cuide. — Ele apertou meu braço num gesto solidário. — Temos uma filosofia aqui: aceite a ajuda de que precisa, ofereça a ajuda que puder.

Alex perguntou:

— Quantas outras lésbicas moram aqui?

William respondeu:

— Nenhuma… até o momento. Pra falar a verdade, não aparecem muitas mulheres.

— Que bom — Alex falou.

O que era bom?, fiquei imaginando. Que eu fosse uma raridade? Ah, sim, eu me sentia tão especial.

— Espera — falei para William enquanto ele se encaminhava para as escadas. — Todos aqui são sem-teto?

O rosto dele se contraiu.

— Não, querida. Você não é sem-teto. É? Ramon, alguém aqui é sem-teto? — Ele gritou através do corredor.

Um rapaz alto e com dreadlocks, que havia acabado de sair do seu apartamento, se virou.

— Nem sem-teto, nem sem namorado — ele brincou. Uma covinha se formou em sua bochecha.

— Vai, sai daqui — William o enxotou pelas escadas. — Todo mundo aqui está, como a gente costuma dizer, em transição. Indo pra uma vida melhor. — Ele sacudiu um dedo diante do meu rosto. — Você não é sem-teto. Agora, quando estiver disposta, desça e venha preencher o registro. Ah, e eu tenho alguns lençóis e toalhas limpos. E, como presente do Centro, uma cesta de boas-vindas cheias de guloseimas também.

— Não é tão ruim — Alex disse quando fechei a porta. — Podemos pintar e colocar cortinas. Comprar tapetes e acessórios de cozinha nos brechós de quintal. — A mão que ela passou sobre o tampo da mesa e deixou uma trilha na sujeira. Ela limpou os dedos na calça. — Hoje vamos fazer uma bela faxina…

— Hoje não — interrompi. — Hoje, preciso ficar sozinha.

Ela franziu um pouco a testa. Aproximando-se de mim, falou:

— Não queria deixar você sozinha.

— Estou bem.

Ela pegou minhas mãos.

— Piper…?

— Por favor, Alex. Vá embora.

Ela pareceu magoada, mas deve ter entendido minha necessidade. Ela me beijou e disse:

— Não se preocupe, linda. Tudo vai se resolver. Sua mãe provavelmente vai ligar na semana que vem e implorar pra você voltar pra casa.

Eu devo ter dado risada.

— Desculpa — ela disse. — Talvez, demore um pouco mais no caso dela. Mas, ei, olhe pelo lado bom. — Ela arrancou o boné de beisebol e o colocou na minha cabeça, depois puxou meu rosto para perto do seu. — Pelo menos, agora nós temos um lugar.

Depois que descarreguei minhas humildes posses e tranquei a porta, fui até a janela suja. Minha vista era o beco das caçambas de lixo, onde uma velha com suas sacolas estava revirando os restos. Ontem, pensei, eu era Piper Chapman, uma pessoa normal, com uma vida normal. Tinha casa, família, uma história de vida. E hoje sou…

Não sei o que sou, onde estou, quem sou.

Verifiquei se meu celular estava ligado, com as baterias carregadas. Deixei-o descansando em cima do micro-ondas. Sem qualquer aviso, uma montanha imensa de tristeza desmoronou sobre mim, dissolvendo-me até os ossos. Escorri pela parede até o chão, abafando um grito com as mãos.



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