2 horas antes do ocorrido.
As folhas caíam das árvores conforme o vento corria por entre elas, fazendo com que Myung-Hee sorrisse a cada vez que uma das plantas tocava-a o rosto. Ela cantarolava despreocupada, colhendo habilmente todas as flores que considerava belas, pois no jantar daquela noite ela queria que tudo fosse impecável, inclusive a simples decoração. Afinal, era uma ocasião especial. A jovem logo avistou um canteiro de rosas não muito longe, e nele havia apenas uma rosa, mas tão bela que a garota não se conteve, precisava dela em sua mesa de jantar. Aproximou-se da rosa e agachou diante dela, esgueirando seus finos dedos entre os espinhos até a raiz, para arranca-la facilmente do solo, então, admirando a belíssima rosa, disse ela:
— Se nasceres menina, darei-lhe o nome de uma flor.
Após um sorriso, Myung-Hee acariciou a barriga, completamente distraída, sequer percebera a presença atrás de si. Contudo, quando finalmente se lavantou, a voz soou:
— Ora, estás esperando seu primeiro filho? Meus parabéns.
Assustada, Myung-Hee pulou para trás e imediatamente olhou em direção à pessoa, mas ao ver a face conhecida, relaxou os ombros, levando a mão livre até o próprio peito ao sorrir.
— Assustou-me! - Disse ela, rindo junto à pessoa.
— És feliz, Myung-Hee?
— E como não seria? Amo alguém divino, estou esperando nosso primeiro filho e casaremos em breve!
— Tens razão, não há felicidade maior do que a de ter um filho. É uma pena sua irmã não ter a mesma sorte.
— Acredito que ela está em um lugar melhor do que este.
Myung-Hee juntou-se à pessoa, para então caminharem sem pressa pelo retorno ao povoado, porém, sua companhia cessou os passos, retirando silenciosamente uma faca da cintura, para então agarrar o cabelo fino da jovem à frente e apontar a lâmina em seu pescoço. Myung-Hee jogou a cesta no chão para tentar se defender, mas foi em vão, já que a lâmina afiada cortou-a profundamente o pescoço e estômago. Myung-Hee caíra deitada ao lado de suas flores, agonizando seus últimos instantes de vida. Então, sorridente, a pessoa que antes a acompanhava, agachou.
— És um atraso em minha vida, mocinha. Seu noivo também, então ele será o próximo.
Após dizer tais coisas, levantou-se e estalou os dedos para que um pequeno grupo de pessoas saísse de trás das árvores, então, após a mulher que havia neste grupo traçar um símbolo no chão, livrou-se de um corpo masculino no centro deste, como antes haviam planejado.
Myung-Hee ainda estava viva, mas não pensava em si, pensava apenas em seu amado noivo, repetindo a si mesma: fuja, Hoseok.
***
No dia seguinte.
As pessoas saíam aos poucos da sala de jantar de Jimin, mas Hoseok sequer as olhara durante todo o funeral, apenas permaneceu de cabeça baixa e mãos cruzadas, repetindo a imagem de sua noiva morta. Quando a sós estavam, o Marquês sentou-se na mesa em frente ao amigo, também cruzando as mãos em frente ao corpo.
— Hoseok, meu caro, gostaria que eu fizesse um chá?
— Descobrirei quem foi o assassino, Jimin. — Finalmente disse, erguendo seu rosto avermelhado. — E matarei o verme que a tirou de mim.
— Odeio vê-lo tão triste, meu caro. Ajudarei-o a descobrir quem foi e se possível eu mesmo o matarei!
— De modo algum eu permitiria, Jimin. — Levantou-se — Esta é uma luta apenas minha, não me leve a mal.
— Pois como desejar, meu amigo! Venha, acompanhe-me em uma taça de vinho.
— Certamente.
Os amigos seguiram sem pressa à cozinha, em completo silêncio, afinal, Hoseok não conseguia tirar de sua mente a sua vingança, porém, quando entraram na cozinha, Mi-Cha gritou de susto, também assustando aos outros dois. Ela forçou um sorriso aliviado e jogou uma faca dentro de uma das gavetas, o que fez Hoseok erguer uma das sobrancelhas. Jimin aproximou-se da mais velha e reverenciou, sendo retribuído pelo mesmo ato em seguida. Hoseok, por sua vez, continuava parado no mesmo lugar, e mesmo que não quisesse suspeitar daquela mulher, permitiu-se ter os olhos tomamos pela cor vívida do escarlate, enquanto tratava de vasculhar as memórias daquela asquerosa mulher, descobrindo até mesmo que havia ordenado a Jimin matar o antigo Marquês. Porém, essas memórias não eram de tamanha importância quanto às que vieram a seguir.
Hoseok podia sentir a inveja e ódio tomando o corpo alheio, assim como também pôde sentir o prazer alheio ao ter as mãos manchadas com o sangue de sua frágil Myung-Hee.
— Foste tu!
A voz falhou por um instante, fazendo com que os outros dois o olhassem. Mi-Cha tremeu quando viu os olhos de Hoseok, e seu medo aumentou quando a voz também engrossara, tanto que se assemelhava a do próprio demônio. Jimin, sempre observador, percebera de imediato o que ocorria, então, desta forma, mesmo com os pedidos desesperados de Mi-Cha, distanciou-se após um sorriso de despedida.
Mi-Cha tentou correr da criatura amedrontadora que a seguia, pois sequer haviam traços de Jung Hoseok, apenas havia a pele avermelhada, o corpo largo, os lábios rasgados que mostravam as presas afiadas, as garras tão afiadas quanto e aqueles olhos. Os malditos olhos vermelhos que pareciam a queimar internamente. As portas bateram, trancafiando-a junto ao Rakshasa em sua forma mais pura, coberto pelo ódio que Hoseok sentia, sendo este tão grandioso que alimentava o ego do demônio.
Os gritos, o som da carne sendo rasgada por suas mãos, o sabor do sangue quente, a maciez da carne humana, a vida sumindo... tudo. Absolutamente tudo fazia o demônio se divertir e matar sua fome, enquanto Hoseok, o sempre tão bondoso Hoseok, deixava que o restante de sua consciência se fosse junto à vida daquela mulher.
***
Outubro de 1504.
Dois meses passaram e a chave que o Rei procurava não aparecia em lugar algum, o que já o deixava cada vez mais frustrado. Annelise, no dia em que visitara Pandora, pedira para ela tirar o encantamento que envolvia a caixa, e ela assim o fez, mas nem mesmo isso abrira a caixa, fazendo Jeon deduzir que sua mãe realmente não desejava que ninguém soubesse o que ali dentro contém. Jeon e seus empregados já cogitavam a hipótese de desistir da procura, porém, na tarde em que o rei decidira sobre a desistência, algo lhe veio à mente como um raio de luz, fazendo-o correr imediatamente para o quarto de sua mãe, onde os móveis estavam cobertos por poeira. Jeon trancou a porta e então olhou ao redor, para gritar o mais alto que conseguia:
— Apareça! — Disse, mas de nada adiantou. — Apareça, pois sei que estás me ouvindo!
— O que desejas, humano? — Perguntou o homem, o qual aparecera atrás do rei.
— Sabes o que desejo. Dê-me a chave.
— Por que achas que comigo está?
— Porque a ti minha mãe acompanhava.
— Pois bem. — Suspirou — Está em minhas mãos, porém, o que o faz pensar que eu daria a ti a verdade?
— Porque tenho algo a lhe oferecer.
— Dê-me sua proposta e pensarei se aceito.
— Darei-lhe a liberdade.
— Pois não?
O demônio, incrédulo, soprou um riso, mas Jeon se manteve sério.
— Lembro-me de certa vez em que contou a mim sobre os demônios. Eu era um jovem e ingênuo garoto, gostava de ouvir suas histórias e sei que todas são verdadeiras. Houve um dia em que contou sobre a sua história, passando-se por outro homem. Sei quem és tu, também sei que se eu souber seu nome, libertarei-o.
— Bobagem! Como libertaria a mim apenas com meu nome?
— Saber seu nome dá a mim o poder, meu caro. O poder de liberta-lo. Imagine-se liberto do inferno, liberto de tudo.
O demônio calou-se, aparentemente pensativo, analisando a proposta que lhe foi imposta. Então, confiando naquele rapaz e cansado do modo como "vivia", aceitou por fim. O homem abriu as mãos em frente aos olhos do rei, revelando a chave tão procurada. Jeon apenas admirou o objeto prateado enquanto sorria vitorioso, então a segurou em suas mãos. Agradecido, Jeon estava prestes a cumprir sua promessa, porém, antes que dissesse o nome alheio, o demônio disse:
— Espere até que eu permita que digas meu nome. Há pendências em terra, eu as cumprirei e então poderás me libertar. Aliás, se possível for, abra a caixa em algumas semanas.
— Por quê?
— Se a abrir agora, não poderei cumprir com minhas missões, e também fará muitas pessoas sofrerem. Acredite em mim, garoto.
— Acreditar em um demônio? — Jeon riu. — Pois bem, como és bondoso comigo, aceitarei sua proposta e abrirei a caixa no próximo mês. Achas que é tempo o suficiente?
— Mais do que o suficiente.
Então, em um piscar de olhos, o demônio desapareceu, deixando o rei orgulhoso para trás, enquanto os olhos curiosos corriam por toda a chave em suas mãos.
Finalmente a verdade estaria em suas mãos, e para isso valia a pena esperar.
Ah, mas como imaginaria que a espera não seria tão certa?
***
Kyung, o cozinheiro, continuava a falar e dar seus devidos motivos para não aceitar a proposta do rei, o qual não escondia a decepção em sua face. Quando o homem à frente cessou sua fala com um longo e cansado suspiro, Jin apoiou os cotovelos em sua mesa e mostrou um gentil sorriso.
— Tens certeza de sua decisão, Kyung? Tu sabes que é o homem em quem mais confio.
— Ora, Alteza, como poderias tu confiar algo tão grandioso a um pobre homem como eu?
— Kyung, és como um pai para mim. Sempre esteve ao meu lado em todas as ocasiões. Lembro-me perfeitamente de tudo o que já fizestes por mim.
— É uma grande honra receber essa proposta, Vossa Majestade, mas eu já tenho uma certa idade. Nomeie alguém mais jovem do que eu, senhor.
— Pois muito bem. — Jin respirou fundo e levantou-se, para assim abraçar o antigo cozinheiro. — A partir de hoje está livre de seus serviços, meu velho amigo. Agradeço a ti por tudo o que fez por minha família até os dias atuais, sempre será lembrado com enorme carinho e atenção. Vá e descanse.
— Então posso eu viver minha velhice fora do Palácio, Alteza?
— Mas é claro! Mais do que merecido, meu caro.
— Foi um prazer trabalhar para a família Real, Alteza.
O homem, com os olhos cheios d'água, sorriu ao abraçar o Rei, para então segurar em sua bengala e caminhar devagar até a saída, porém, Jin o chamou novamente.
— Kyung, por gentileza, chame Damara. É o último favor que peço. — Disse o rei, sorrindo.
— Com prazer, senhor. Com licença.
Então, finalmente se retirou, deixando Jin sozinho em sua sala. O Rei andava pacientemente de um lado para o outro, vez ou outra arrumando seus livros na estante, até que, finalmente, Damara entrou. O homem sorriu e virou-se de frente a ela, segurando-a a mão direita e beijando-a, para então puxar uma cadeira para a bruxa, a qual logo sentou.
— Diga-me, senhor.
— Damara, sabes que és uma mulher muito admirável e de grande importância para mim, certo?
— Para todos, Alteza. — Disse ela ao rir.
— Pois bem! Exatamente por isso eu quero oferecer a ti o posto de Duquesa.
Damara ergueu as sobrancelhas em surpresa, encostando-se confortavelmente na cadeira, abrindo um largo sorriso, mas logo de imediato balançou a cabeça. Afinal, já era uma mulher casada com o Conde.
— Recuso sua oferta.
Surpreso, Jin apagou o sorriso e enrijeceu o corpo, também erguendo uma de suas sobrancelhas.
— Pense melhor, minha cara. Tens o perfil ideal para a minha seleção, e meu reino precisa de alguém forte no poder junto a mim. Acredito eu que tenhas escutado os boatos sobre a bagunça que se tornou este reino, não?
— Não, senhor.
— Bem, com o grandioso número de assassinatos, furtos e a baixa habilidade da atual cavalaria, a situação está fugindo um pouco de nosso controle. Recebi uma mensagem de JungKook, o qual alegou que se eu não fosse capaz de encontrar um bom Duque, ou Duquesa, ele escutaria o Conselho Real e quebraria nossa aliança. Tens noção da gravidade disto tudo?
— Ora, sequer percebi!
— Isso porque existem certos "métodos" que usamos para esconder a sujeira, se é que me entende. — Jin mostrou um sorriso no canto dos lábios, mas logo o apagou. — Infelizmente, tudo começou quando NamJoon faleceu. Apesar de ser Duque, ele sempre fez o papel de diversos outros. Nem mesmo nossos antigos Condes chegavam aos pés dele e de seus pais. Eram eficientes. Pois bem! Sem mais delongas, gostaria que fosse a Duquesa deste reino.
— Vossa Alteza, eu já lhe disse que...
— Riquezas. — Chamou-a a atenção. — Herdará tudo o que meu falecido primo deixou para trás. Terá um nome importante, será uma mulher muito respeitada, Damara. Então, fazendo parte de minha família, sendo uma mulher de voz e de minha confiança, poderá fazer o que desejar.
— É tentadora sua proposta, senhor. Mas eu a recuso. Com sua licença.
Damara curvou-se e logo sorriu, para seguir tranquilamente à porta, no entanto, quando sua mão girou a maçaneta, a frase que o Rei disse lhe fez tremer no mesmo lugar, fazendo-a parar.
— Se não aceitares, nomearei Alcander. A escolha está em suas mãos, Damara.
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