30 de outubro de 1504.
— Senhor, senhor!
O velho correu até o Conde, curvando-se diante a ele. Taehyung sorriu e virou de frente ao homem, movimentando as mãos para que ele proseguisse.
— Minhas filhas estão finalizando o vestido, poderia aguardar alguns minutos, por gentileza?
— Ora, o tempo que for preciso!
O homem sorriu e curvou-se novamente, mas antes que voltasse, perguntou:
— Perdoe-me a audácia, senhor, mas a mulher para quem dará o vestido está esperando um filho?
Os olhos do Conde se iluminaram e um sorriso imenso surgiu em seus lábios, um sorriso tão radiante que contagiou até mesmo o velho vendedor. Taehyung assentiu, suspirando.
— Está sim, meu caro.
— Imaginei, pois muitas damas já pediram vestidos na mesma medida. Pois muito bem, com licença, meu senhor.
O vendedor se distanciou, mas Kim continuou a sorrir alegremente, observando, como anteriormente, as pessoas caminharem pelos comércios. Os tecidos espalhados diante a si o chamou antenção, fazendo-o tocar cada um deles, no entanto, quando já se preparava para falar com o comerciante, a conversa de três homens atrás de si o fez mudar sua atenção.
— Pois acreditem, porque é o que todos estão comentando! — Um dos homens falou.
— Mas como acreditar em tal baboseira? Damara é uma mulher elegante, inteligente e muito atraente!
Quando ouviu o nome de sua esposa, imediatamente virou-se para olhar a face de cada um dos homens, aproximando-se um pouco mais.
— Realmente, é uma belíssima mulher, talvez a mais bela destes reinos, mas não acham estranho uma mulher como ela, desconhecida, chegar à nobreza?
— Ela é esposa do cavaleiro Alcander, não é nada surpreendente que ela esteja entre a realeza.
— E quanto à irmã? Casou-se com o Rei! Percebam que após aquela camponesa chegar ao trono, tudo começou a desandar neste reino.
— Dizem que são donas de terras, oras.
— E que terras? Sequer ouvi o nome destas mulheres antes! — Disse o mais velho deles, convicto. — Acreditem se quiser, mas aquela mulher é uma bruxa!
O coração do Conde falhou uma batida, fazendo-o tremer quando ouviu tudo aquilo.
— Estão correndo boatos pelas redondezas, dizem que estão planejando ataca-la!
— Se é de fato uma bruxa, juntarei-me a todos!
— Pois bem!
Taehyung se preparou para falar com os homens, mas quando deu o primeiro passo, o velho homem que antes o atendia lhe entregou o presente já pago, fazendo-o perder de vista os três homens. Taehyung sequer agradeceu ao homem, apenas correu o mais rápido que pôde até seu cavalo.
***
Seokjin caminhava de um lado para o outro em seu escritório, enquanto admirava os inúmeros livros dispostos nas altas prateleiras. Seus dedos tamborilavam pelas capas duras, até que ele finalmente parou atrás de sua mesa, sentando-se outra vez.
— Deixe-me ver se entendi. — Disse ele, juntando as mãos diante a face. — Tu estás negando a minha proposta, Alcander?
— Sim, Vossa Majestade, eu estou.
— Ora, e por qual motivo?
— Bem, meu senhor, é tentador pensar em me tornar Visconde, porém, eu almejo algo maior.
— Diga-me, então, farei por ti.
— De modo algum! Desejo subir em nossa hierarquia por mérito próprio. Jamais aceitaria que me nomeasse apenas por um acordo.
— A nobreza funciona assim, meu caro. Todos chegam aos seus cargos de alguma forma suja.
— Eu não desejo desta forma, senhor.
— Pois bem, faça o que quiser. — O Rei se levantou, caminhando junto ao cavaleiro até a porta. — Caso mude de ideia, estarei aqui.
— Agradeço-te, meu senhor.
Alcander reverenciou com um sorriso nos lábios, retirando-se da sala. Era verdade que Alcander não queria tornar-se um simples Visconde, quando ele poderia se tornar algo ainda maior e mais poderoso. No entanto, o que Seokjin sequer imaginava, era que o cavaleiro planejava tomar seu lugar.
Aproveitando que finalmente estava sozinho, Jin foi à espaçosa mesa de madeira e retirou de dentro de uma das gavetas o grimório que Damara havia dado a ele, abrindo-o em uma página qualquer. Ele admirava os desenhos feitos para exemplificar cada ritual, tentando decifrar algumas das palavras escritas, já que todos os encantamentos estavam em Latim e ele desconhecia algumas daquelas, o que acabou o fazendo sorrir e mordiscar o canto dos lábios.
— És bela, inteligente, cheia de vida, poderosa e tão alegre... — Sussurrou ele enquanto deslizava os dedos pelo livro. — Tu combinas tanto comigo, Damara... mas por que os nossos corações não se apaixonaram?
— Porque o destino quis assim.
A voz alegre da bruxa soou, fazendo Jin pular da cadeira e arregalar os olhos.
— Damara!
— Tome cuidado, Jin, imagine se minha irmã o escuta.
— Bobagem! Apesar de meus questionamentos, amo Pandora como um louco!
— E pensas em amar outra? Ora, não é atitude de um homem sensato.
— E não tenho razão, senhora? — Ele sorriu, cruzando seus braços. — Imagine tu e eu juntos, amando-nos e com os mesmos propósitos. Seríamos donos de tudo.
Damara, ainda sorridente, aproximou-se do Rei, erguendo uma das mãos até conseguir o tocar no ombro. Jin permaneceu imóvel, olhando diretamente nos olhos da bruxa, enquanto ela erguia uma das sobrancelhas.
— Não somos tão parecidos como pensas, meu senhor. — Ela suspirou, acariciando uma das bochechas alheias. — Eu, jamais, amaria-te.
— Por quê?
— Ora, Vossa Majestade, é bastante simples! — Exclamou. — Porque tu não és Kim Taehyung.
O Rei rangeu os dentes e gargalhou, incrédulo.
— Pois sou melhor que ele! Sou o Rei, Damara.
— E de que me importa se és ou não o rei, Jin? Eu não o amaria nem mesmo se tu fosses um Imperador.
O homem agarrou-a pelo pulso, apertando-o com toda a força que conseguia, mas Damara não se assustou, sequer saiu do lugar. Ela abriu um largo sorriso, olhando o Rei de cima à baixo.
— Pobre de ti, meu senhor. Tão belo, tão cheio de riquezas, mas nenhum caráter. — A bruxa soltou-se, erguendo sua cabeça. — Respeite a minha irmã, senhor. Ela é uma boa esposa, uma ótima Rainha e te dará um filho.
— Eu a amo.
— Então não fique pelos cantos pensando em amar outra mulher. Afinal, eu também sou uma mulher casada!
Damara gritou e virou-se de costas, no entanto, Taehyung estava parado diante à porta, com sua expressão séria e seu lábios contraídos. Jin abriu um sorriso quando percebeu seu primo o encarar.
— És repugnante, meu primo. — Disse Taehyung.
— Estás irritado, Taehyung?
— A que ponto sua inveja chegou, Jin? Tens noção da gravidade de seus atos?
— Inveja, meu caro? Não seja estúpido! Achas que um Rei sentiria inveja de um Conde?
— Deveras, meu caro.
— Ingênuo és, então.
— Tens inveja e medo, pois sabes que eu poderei tomar o seu lugar. Afinal, tenho mais méritos que você.
O ranger dos dentes do Rei foi audível, então, sem que qualquer um esperasse por seu ato, Jin retirou sua espada da bainha e cortou a pele da bochecha do Conde, o qual conseguiu se afastar a tempo, fazendo com que apenas um pequeno corte surgisse. Quando percebeu o que havia feito, Jin soltou a espada e olhou para o primo.
— Perdoe-me, meu primo, eu não queria...
— Ah, isso? — Taehyung riu, retirando a mão de seu corte. — Não foi nada.
Então, quando Jin olhou para o ferimento, sentiu novamente a inveja o corroer por dentro. O ferimento já havia sumido, apenas restou as manchas de sangue e um sorriso nos lábios de Taehyung.
— Não chegue perto da minha esposa nunca mais, Kim Seokjin.
Taehyung segurou a mão da bruxa e a arrastou para fora do cômodo, enquanto Jin continuava a olhar para os dois, então, confuso, franziu a testa.
— Esposa...?
***
Os olhos do Conde estavam fixos ao rosto da esposa, e mesmo que não tenha dito uma só palavra, seu rosto dizia muito. Damara terminou de limpar o sangue no rosto alheio e guardou sua caixa de curativos, Taehyung, então, abraçou a esposa por trás, acariciando a barriga alheia.
— Vamos fugir daqui.
Disparou, fazendo-a virar de frente ao Conde, com a testa franzida.
— Por quê?
— Não me pergunte o porquê, apenas vamos para bem longe.
— Querido, não podemos sair daqui! Nossos amigos e familiares estão aqui, tu és importante para a nobreza.
— De que me importa a nobreza se eu não puder ficar com você?
Os olhos do Conde encheram de lágrimas, o que preocupou a bruxa. Ela tocou o rosto alheio, acariciando-o antes de selar os lábios aos dele.
— Que ideia absurda é essa? Jamais o deixaria, meu senhor.
— Tenho meus motivos para dizer isso, Damara. Acredite em mim, algo está para acontecer.
— Pois diga o que é e darei um jeito!
— Não devo dizer, isso preocuparia a ti e afetaria ao nosso filho. Apenas fugiremos, tudo bem?
Damara afastou-se, séria, negando logo em seguida.
— Não, meu senhor. Ficarei aqui.
— Querida, escute-me, por favor...
— Escute-me tu, Taehyung! Não abandonarei este lugar, muito menos permitirei que o melhor Conde abandone seu posto. Seja lá o que estás me escondendo, eu descobrirei, então decidirei se devo ou não ir.
— Damara, compreenda que...
— Já chega! — Gritou a bruxa, ofegante. — Saia daqui, preciso descansar.
Taehyung calou-se e concordou, deixando um pacote ao lado de Damara, para então se retirar do cômodo, batendo a porta com certa força. A bruxa respirou fundo para se acalmar e pegou o pacote, abrindo-o com calma. Então, quando pegou o belíssimo vestido azul, seus olhos lacrimejaram. O vestido era exatamente do gosto da bruxa, e junto dele havia uma manta de lã no mesmo tom que o traje, sendo que esta era para sua filha. Ela sentou-se, admirando as peças, então suspirou, acariciando a própria barriga.
— Talvez ele tenha razão... talvez precisemos fugir para ter paz, minha vida...
***
31 de outubro de 1504.
"— Quando sentir medo, minha adorável irmã, feche os seus olhos e conte até cinco, então, quando os abrir novamente, tudo de ruim terá acabado. Acredite, minha inocente irmã, não há nada a temer." — Damara.
A mesa estava repleta de alimentos, e Damara mordia os lábios a cada prato diferente que olhava, afinal, devido à gravidez, sentia uma fome interminável. Ela serviu seu prato com algumas frutas, as quais pareciam ainda mais suculentas que o comum. No entanto, antes que ela voltasse a sentar, alguém esbarrou em seu ombro, fazendo o prato cair no chão. Ela olhou para frente discretamente, para não chamar ainda mais a atenção dos presentes. O homem agachou em sua frente e os olhos vermelhos penetraram a alma da bruxa, então, sequer uma palavra foi dita, mas apenas aquela troca de olhares serviu para a bruxa entrar em profundo desespero e saber, de imediato, o que estava acontecendo.
***
Pandora estava sorridente naquele entardecer, bordando uma bela manta para seu filho, o qual em breve já estaria em seus braços. A voz afinada cantarolava despreocupadamente uma música lenta. A cabana estava silenciosa, apesar de seu canto, ouvia-se os pássaros ao lado de fora, o vento bater nos galhos das árvores e, até mesmo, era possível ouvir ao longe a água do rio.
— Será que nascerás parecido com teu pai? — Perguntou ela entre um riso. — Se assim for, serás o mais belo deste reino.
Pandora olhou pela janela ao ouvir alguns passos, então deixou a manta de lado e caminhou até lá, então, abriu um gentil sorriso quando avistou Alcander, o qual sorria para ela.
— Olá, senhor.
— Olá, Vossa Majestade. — Disse ele, curvando-se. — Sua irmã está?
A ruiva estava prestes a responder, porém, percebeu que algo estranho ocorria, inclusive sentira cheiro de fogo. Ela apagou o sorriso do rosto e percebeu os olhos lacrimejarem, dando alguns passos para trás em seguida. Ela segurou a barriga, como se assim pudesse proteger o filho, então tentou correr para a porta, porém, quando a abriu, percebeu os diversos camponeses que a olhavam com ódio.
— Elas estão juntas, ataquem-nas!
Gritou um deles e Pandora fechou a porta, mas já era tarde demais, pois a velha casa já começava a incendiar-se. E ali, sem ter para onde correr, ela agachou, permitindo-se soluçar enquanto chorava, agarrada à pequena manta. Ao lado de fora, os gritos e pedidos de justiça eram audíveis, até mesmo haviam pessoas orando para afastar toda a maldade, e o que sequer imaginavam, era que eles eram a própria maldade.
Os camponeses não se moveram até que o fogo fosse alto o suficiente para que as bruxas não conseguissem fugir. Então, sorridente, Alcander ordenou que todos fugissem daquele mal, e às suas ordens acataram.
— Queime no Inferno, Damara.
Alcander cuspiu as palavras ao subir em seu cavalo, cavalgando para o mais longe que conseguia. No entanto, na direção oposta para a qual ia, as carruagens chegavam à antiga moradia da bruxa. O fogo estava alto, o cheiro da fumaça estava forte, mas nada impediu Damara de correr em direção à antiga casa, ao menos até Yoongi surgir em frente a ela, segurando-a.
— O que tu fizestes com minha irmã? Confiei em ti, Min Yoongi!
— Não fui eu quem fez isto, Damara! — Gritou o Barão, abraçado a ela. — Acabo de chegar! Veja, fui pegar lenha!
Yoongi se afastou, apontando para as lenhas espalhadas. Damara caiu ajoelhada, completamente fraca, enquanto seus olhos não paravam de jorrar suas lágrimas. Pouco a pouco o restante dos presentes apareceu, inclusive Jin, o qual também tentou correr até o incêndio, mas também foi impedido. Ele gritava e batia em qualquer um que o tentasse impedir, mas também não tinha forças o suficiente.
Taehyung sabia o porquê de aquilo estar acontecendo, e sentindo-se culpado por ter se calado, levantou-se e ignorou os gritos desesperados da esposa, para então correr entre as chamas até o lado de dentro da casa. Apesar do Conde ser o mais adequado para ajudar naquela situação, Damara sabia que era perigoso, e por este motivo desesperou-se ainda mais. Contudo, minutos depois, Taehyung surgiu novamente em suas vistas.
As graves queimaduras espalhadas pelo corpo do homem desapareciam tranquilamente, mas aquilo não foi o suficiente para tirar a atenção de cada um dos presentes do corpo em seus braços. Kim deitou a Rainha diante ao primo, o qual continuou parado no mesmo lugar, como se tentasse digerir que tudo aquilo era, de fato, real.
O corpo da ruiva estava repleto de queimaduras, mas era nítido que a causa de sua morte não havia sido o fogo, e sim a fumaça inalada. As lágrimas do Rei não cessavam, e suas mãos trêmulas tocaram-na o rosto, numa tentativa falha de limpar a sujeira que o fogo deixou. O choro era silencioso, mas a dor que ele sentiu ao ver o corpo sem vida de sua esposa era visível.
O que ele sequer imaginou foi que aquele era o início de seu maior pesadelo.
O início de seu eterno pesadelo.
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