Eu e Nina nos olhamos com uma expressão confusa. Os caras tinham sido tão idiotas que além de arrancarem o nosso retrovisor, quebraram também o deles.
Ela estacionou o carro e descemos, vendo que os caras estavam parados na calçada observando o estrago no carro. Eles gargalhavam como se aquilo fosse a coisa mais engraçada do universo, o que me fez tirar uma certa conclusão: eles estavam bêbados e eram idiotas. Aquilo me deixou furiosa, diferente de Nina, que estava tão passiva que sua reação foi acender um cigarro e olhar fixamente para eles com um sorriso de lado no rosto.
Eles se aproximaram e Nina me fez a maior vergonha.
- Você é todo grande, hein? - Soltou uma dessas olhando para o rosto e depois para as partes íntimas do poste humano.
- Se você quiser descobrir, eu aceito mostrar.
Os dois sorriram e se olharam de um jeito malicioso, me deixando surpresa. Ignorei o clima pornográfico entre eles e comecei o questionamento.
- Vocês são idiotas?
- Desculpa. - O moreno mais baixo pediu, dando um sorriso largo.
- Desculpa? Vocês estão bêbados! Viram a merda que fizeram? - Aprontei para o carro sentindo meu sangue borbulhar. Não podia negar que eu estava com muito ódio de bêbados por causa do desgraçado do meu padrasto.
- Foi sem querer! - O moreno respondeu, mascando o chiclete com a boca demasiadamente aberta. - É só que o Krist...
- Vocês sabem que dirigir bêbados pode matar vidas? É fora da lei! - Cruzei os braços e arqueei as sobrancelhas.
No mesmo instante, todos eles, até a Nina riram de mim e eu me senti uma idiota.
- Calma,mamãe! Estamos bem. - Disse o moreno,colocando a mão em meu ombro. - Estamos todos vivos!
- Ei, garota, você está muito nervosa! Bebe um pouco de vodca! - O poste humano, chamado Krist, empurrou a garrafa em minha direção. Eu apenas o encarei, séria, sem dizer nada.
- Eu aceito. - Nina pegou a garrafa da mão dele e deu um gole de um jeito provocativo.
No mesmo instante arregalei os olhos vendo a atitude da Nina. Ela era doida! Nem preciso dizer que o Krist ficou todo animadinho e os dois começaram a dar em cima um do outro.
- Você vai pagar pelo conserto do meu carro! - Falei com convicção. Nina me olhou como quem disesse "Seu carro?", mas não falou nada.
- Olha, vamos pagar pelo conserto do carro. Problema resolvido. - O loiro disse.
- Eu acho bom mesmo!
- E pelo conserto do nosso? - Krist perguntou.
- Eu posso pagar de outra forma, sem ser em dinheiro. - Disse Nina, me fazendo encará-la com uma expressão confusa.
- Olha que assim nos aceitamos, hein? Não é, Dave? - Disse o altão.
- Qual é o seu nome? - Dave perguntou fitando Nina.
- Nina Bicineri.
- Já ouvimos falar de você. - O loiro entrou na conversa.
- Disseram que o serviço dela é muito bom, não é, Krist? - Dave indagou.
- Meu serviço é ótimo! Nunca ouvi ninguém reclamar. - Ela falou, cheia de orgulho.
- Os caras do Alice In Chains falaram muito bem.
- Do que vocês estão falando? Com o que você trabalha? - Questionei me sentindo excluída.
Todos me olharam como se eu fosse uma criança inocente.
- Vai aceitar o pagamento ou não, Krist? - Nina perguntou novamente.
- Pode ser na minha casa?
- Sim.
- Então vamos!
E aí, sem mais nem menos, A Nina saiu andando com o tal de Krist para dentro do carro deles.
- Mas que porra é essa? - Gritei. - Para onde eles estão indo?
- Ela é groupie! Você é lerda hein? - O loiro disse dando uma risada em seguida.
Arregalei os olhos. A Nina era groupie. Era por isso que os caras ficavam atrás dela. Fiquei me perguntando por que ela fazia aquilo e estava muito chocada. Ela era tão linda, atraente e decidida! Era óbvio que os caras iriam se interessar, eu só não esperava que ela já tivesse trabalhado para o Alice In Chains. Que inveja!
- E ela vai me deixar aqui sozinha?! Eu nem sei dirigir!
- Mas você não disse que o carro era seu? - Perguntou o loiro.
- É... É... Vai se foder!
- Você é nervosinha assim mesmo ou fez curso?
- Dave, deixa ela! - O loiro retrucou.
- Fica na tua, Kurt!
Revirei os olhos e bufei.
Observei o carro onde estava Nina e Krist se locomover na rua até que... Ele parou do nada. Dave e Kurt se olharam confusos e em seguida Krist saiu de dentro do carro e gritou para nós, no meio da rua.
- O motor do carro morreu!
Dave bateu com a mão na testa e bufou, eu soltei o ar dos pulmões mais aliviada, não ficaria mais sozinha com aqueles doidos.
...
Eu, Dave e Kurt estávamos espremidos na parte de trás, enquanto Nina e Krist estavam confortáveis na parte da frente. O resultado do motor do carro deles ter quebrado foi a Nina ter que dar uma carona até a casa de um dos três. E eu tinha odiado aquilo, é claro. Durante o caminho, todos ficaram conversando, trocando informações e fazendo brincadeiras e eu fiquei observando a cidade. Eu observava cada lugar que passávamos e lembrava de minha mãe. Eu não conseguia acreditar que toda a merda tinha acontecido há menos de 24 horas. O pior de tudo foi que eu não pude ter luto. Não tive tempo de chorar, gritar, sentir raiva, medo... Tive que esquecer disso e focar em me virar, afinal, eu só era uma menina de dezoito anos em outra cidade, que não conhecia ninguém e não tinha nenhuma experiencia de vida.
No fundo, eu queria que alguém ali notasse minha tristeza, conversasse comigo, puxasse assunto, me abraçasse... Eu só precisava de uma força, sabe? Por dentro eu estava destruída e não estava conseguindo sair de dentro daquela bolha, mesmo que tivesse pessoas para me distrair. Eu olhava concentradamente para fora quando percebi que Kurt me encarava com uma expressão curiosa. Ele estava sentado do meu lado, prestando atenção em mim. Aquilo foi um tanto estranho.
- Você está triste. - Afirmou.
- Não estou não. - O que eu estava dizendo? O tempo todo eu queria exatamente aquilo e quando alguém estava finalmente se importando, eu desconversava?
- Está sim, eu posso sentir.
- Virou vidente agora? - Retruquei.
- Não, mas eu sinto e sei muito bem que está triste.
O fitei e suspirei voltando a olhar pela janela do carro.
- Não sei nada sobre você, mas se quiser falar com qualquer um de nós, iremos te ouvir.
- Eu não conheço vocês e já sei que são idiotas... Por que eu deveria acreditar?
- Como você mesma disse, não nos conhece. - E então ele pegou um isqueiro e um cigarro e o acendeu. Eu voltei a prestar atenção no trajeto.
Alguns minutos depois estacionamos em um prédio,que eu descobri ser do Dave.
- Acredita que meu apartamento é alguns quarteirões daqui? - Disse Nina, estacionando o carro.
- É mesmo?! Que ótimo, assim facilita para mim quando eu for buscar o pagamento. - Krist falou.
Todos deram risada, eu apenas sorri sem mostrar os dentes.
- Como nós vamos saber que vocês vão pagar o conserto do nosso carro? - Perguntei.
Dave me fitou e tirou um papel do bolso.
- Aqui é o meu número, só ligar.
Peguei o papel e o fitei de volta. Dave era muito bonito. Seus olhos castanhos, seus cabelos escuros e levemente ondulados davam um toque muito bom nele. Acho que não disfarcei que estava concentrada em seu rosto, pois quando saí do "transe" ele sorria para mim.
- Tchau, estressadinha.
Ele saiu do carro e então me dei conta que Kurt e Krist já tinham saído também. Aproveitei e passei para o banco da frente. Como o caminho até a casa da Nina foi rápido, nem deu tempo de conversarmos sobre algo, mas eu estava muito ansiosa para falar com ela sobre sua segunda profissão.
Ela estacionou o carro em frente a um prédio todo pichado e feio. Nós saímos do veículo e entramos lá. Seu apartamento era no segundo andar, e pelo menos sua casa era bonita. Tinha uma decoração bem Rock 'N Roll, com várias colagens retiradas de revistas e pôsteres de bandas nas paredes. A sala tinha um sofá vermelho, uma cômoda com TV, uma mesa de centro com um cinzeiro em cima. Havia também um armário com bebidas. Assim que entrávamos, quando olhávamos para a direita podíamos ver o corredor que dava para o quarto, cozinha e banheiro.
- Bom, aqui é o meu cantinho! É apertado mas cabe nós duas direitinho. - Nina disse jogando sua bolsa e seu corpo em cima do sofá.
- Gostei da decoração. - Elogiei.
- Obrigada! - Ela sorriu.
Me sentei no chão de frente para ela tentando criar coragens para perguntar.
- Eu já sei! Você quer perguntar sobre a minha profissão,não é?
Assenti.
- Vamos lá, pergunte!
- Por que você faz isso?
- Tem dois motivos. O primeiro: Não dá para pagar as contas só com o salário da lanchonete. Segundo: Eu gosto.
- Como assim? Você gosta? Sempre achei que as mulheres faziam isso porque não tinham mais opções de trabalho. - Falei, surpresa.
- Bom, algumas sim... Mas eu realmente gosto, é divertido. - Um sorriso malicioso se formou em seu rosto.
- Hum... Você já fazia isso lá na Itália?
- Não! Na Itália eu era aquela típica patricinha bancada pelos pais e também não tinham muitas bandas de rock para isso. Quando eu decidi vir para cá, meus pais disseram que era loucura e não iam me ajudar com nada, então eu me virei. No fundo, todas as vezes que eu via os clipes ou ouvia as bandas de rock nas rádios, sentia muita vontade de ser groupie. Aqui tive a oportunidade.
- Ah... Entendi.
Por mais que Nina fosse super legal e falasse abertamente sobre isso, achei melhor não ficar perguntando tanto, pelo menos naquele momento.
- Nina, depois que resolvermos a questão do seu carro, você pode me ajudar a procurar um lugar para morar?
- Eu posso, mas você vai ter um problema. - Ela se sentou no sofá. - Você não vai conseguir pagar um aluguel, comer, pagar luz e água tendo só um emprego. Vai precisar de outro.
- Ah...
- Eu posso te arrumar um emprego! - Disse saltando do sofá e sentando de frente para mim no chão.
- Jura?! Onde? - Perguntei animada, sentindo o sorriso se abrir em meu rosto.
- Tem duas opções: Você pode ser bartender no bar onde eu costumo frequentar ou... Pode ser groupie. - Disse me olhando de cima a baixo como se me analisasse. - Faria sucesso.
- Não! Não vou ser groupie!
- Por quê?
- Olha, de verdade, eu acho um trabalho interessante, mas não é para mim...
- Você não gosta de sexo sem compromisso, né?
- Não, mas... - Gaguejei.
- Já sei, nem precisa terminar. - Ela deu uma risadinha. - É virgem, né?
- Sim.
- Entendi. Bom, acho que o de bartender vai servir! Mas eu vou precisar te dar umas dicas, você não pode ser muito boba ao trabalhar lá. - Alertou parecendo uma irmã mais velha.
- Você fala comigo como se fosse muito mais velha que eu. - Dei uma risadinha.
- E quanto anos você acha que eu tenho? - Rebateu, ficando em pé e colocando as mãos na cintura.
- Uns dezenove, vinte.
Riu alto.
- Eu tenho vinte e quatro.
Abri a boca, surpresa. Ela tinha cara de adolescente ainda, mesmo sendo um mulherão.
- Eu sei, tenho cara de novinha. As aparências enganam, baby. - Deu uma piscadela e saiu,me deixando sozinha
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.