Quatro dias se passaram desde a nossa volta de viagem. As coisas na casa de Izzy estavam muito bem. Ela era extremamente calma e divertida,sempre conversando comigo e me dando conselhos,o que eu adorava.
Voltei ao meu serviço na lanchonete e em parte era bom estar lá,pois eu sempre tinha algo para manter minha mente ocupada. Embora Nina e eu passássemos o dia inteiro juntas não nós falávamos. Na verdade,falávamos apenas o necessário relacionado ao serviço. Claro que aquilo não era por falta de tentativas da parte dela,e sim porque eu a ignorava. Não estava pronta para perdoa-la totalmente.
O Nirvana tinha passado a maior parte da semana tendo compromissos relacionados a banda,logo não tiveram tempo de nos visitar ou nos procurar,o que em parte me deixou aliviada,já que eu estava tendo tempo para pensar na situação delicada que Dave e eu estávamos.
Como sempre,naquele dia o movimento na lanchonete estava bem alto,fazendo os atendentes correrem de um lado para o outro,assim como eu e Nina. Aquilo estava me causando um certo estresse,porém,eu tinha um motivo a mais para esquentar a cabeça naquele momento: Tinha arrumado um lugar para morar. Sim,eu finalmente tinha tomado vergonha na cara e força de vontade para achar um lugar. Eu não podia morar com Nina para sempre,mesmo que ela aparentemente gostasse de minha companhia.
Quando o expediente finalmente chegou ao fim e eu estava pronta para voltar para o apartamento de Izzy,Nina me abordou em frente a lanchonete.
- Até quando vai ficar assim? - Ela cruzou os braços com uma certa frustração em seu olhar.
- Assim como?
- Mariah,não estou com paciência para seus joguinhos. - Arqueou as sobrancelhas.
Bufei e revirei os olhos.
- Minha chateação não vai sumir de um dia para o outro! - Rebati,segurando a alça de minha mochila.
- Eu já te pedi desculpas,mas que merda! - Resmungou passando as mãos pelo rosto. - Eu já te expliquei a situação! Eu te respeito e desde o dia em que soube do interesse mútuo dos dois,eu passei a ver Dave como um bom amigo,apenas. Krist é o cara por quem eu sou apaixonada,eu não o trairia.
- Marina,eu tenho total confiança de que você e o Dave são apenas bons amigos e que não tiveram mais nada,mas é difícil eu esquecer! Eu fui magoada. - Olhei em volta,vendo a movimentação da rua diminuir conforme a noite caía.
- Mari, - ela se aproximou - me desculpa! Eu queria contar,mas ao mesmo tempo tive medo e o Dave estava da mesma forma. Quando aconteceu e prometemos manter segredo não sabíamos que tudo isso se tornaria uma bomba ou pudesse machucar você e o Krist no futuro. - Segurou minhas mãos,olhando em meus olhos.
- Eu te desculpo. - Fitei seus olhos azuis. - Eu só não consigo agir normalmente. - Dei de ombros.
- Olha,vamos tentar! Quando eu puxar assunto contigo,converse! Fale também,só assim a raiva vai passando. - Suspirou tristemente. - Sinto falta de você lá em casa. Por que você não volta?
Mordi o lábio inferior,nervosa. Algo me dizia que a Nina não apoiaria minha decisão de morar sozinha.
- Nina,eu achei um lugar para morar. - Disse de uma vez. - Eu falei com o Senhor Hershel no início da semana e ele achou um lugarzinho para mim... Eu vou ficar apertada em relação a dinheiro,mas vou tentar achar um emprego a noite para me ajudar.
- O que? - Arregalou os olhos. - Eu não vou deixar você morar sozinha! - Soltou minhas mãos,andando em círculos. - Mariah,você só tem dezoito anos! Você pode morar comigo e me ajudar pagando contas e comprando comida... Podemos dividir as despesas,não me importo de ter você morando comigo. - Parou,me fitando com reprovação.
- Eu preciso ser independente. Eu já tenho dezoito anos,não tenho nenhum familiar,sou sozinha nesse mundo... Preciso aprender a me virar. Eu te agradeço de coração por tudo que você fez por mim,mas eu preciso aprender a viver. - Falei,sincera.
- Eu não concordo! Algo me diz que você morar sozinha é perigoso.
- Bom,se eu não te conhecesse ia ser mendiga... O risco é igual!
- Mas você me conhece,não quero te deixar sozinha! Você é muito nova,acabou de sair das fraldas.
- Sai das fraldas e perdi minha mãe. - Senti um nó se formar em minha garganta. - Eu vou conhecer o lugar hoje e se tudo der certo,já já estou lá. Preciso ir agora. - A olhei pela última vez e dei as costas,caminhando para o ponto de ônibus.
...
A minha pequena casa era em uma pequena vila. Lá moravam mais cinco pessoas e até então eu não conhecia ninguém. A casa era um ovo,tinha apenas um quarto,um banheiro e uma cozinha. A casa toda era equivalente ao tamanho da sala do apartamento de Nina. Ou seja,o lugar era pequeno mesmo.
Do trabalho eu tinha ido direto para lá arrumar as coisas. O aluguel da casa incluía uma geladeira,fogão,armário na cozinha,um colchão e um pequeno armário no banheiro,sem contar a água e a luz. Eu não tinha móveis,então viveria com apenas aquilo por um tempo.
A casa tinha as paredes manchadas de mofo e uma tinta roxa bem velha que deixava o lugar horrível,mas eu não me importei muito. Tinha uma pequena janela e eu poderia abri-la quando quisesse melhorar as coisas.
Apesar de ser um lugar meio precário,eu queria morar ali. Eu não tinha a menor ideia do que fazer da minha vida,precisava organizar meu interior,meus pensamentos,precisava traçar objetivos... Eu tinha que me organizar,e imaginei que só seria possível se eu passasse mais tempo sozinha comigo mesma.
Eu estava sentada no chão catando algumas sujeiras que tinham ali e as colocando em uma caixa de papelão para leva-las para fora quando ouvi batidas na porta. Me levantei e fui até a cozinha,abrindo e dando cara com um Dave furioso.
- Não posso deixar você morar aqui. - Disse,com os braços cruzados olhando seriamente para dentro.
- Boa noite,David Grohl,como vai? - Ironizei,cruzando os braços também.
- Posso entrar? - Pediu,passando as mãos pelo rosto.
- Pode. - Dei passagem e fechei a porta.
Ele andou por ali,observando os lugares e se virou para mim.
- Como soube que eu viria pra cá? - Perguntei antes de qualquer coisa.
- A Nina me ligou,contando tudo. - Suspirou. - Por que você quer morar num lugar desses? Você pode morar comigo,com a Nina,Izzy,Kurt e Krist, - contou nos dedos - mas prefere morar num lixo desses.
- Você deveria procurar saber os meus motivos e não sair julgando! - Apontei para ele.
- E quais são seus motivos? - Colocou as mãos na cintura,arqueando as sobrancelhas.
- Dave,eu não sei o que fazer da minha vida! Eu não tenho um rumo,não sei quem eu sou,o que eu quero da vida,o que eu gosto... Estou passando por uma puta crise de identidade que está sendo ainda mais afetada pela morte da minha mãe! Eu não superei,eu não estou bem psicologicamente. - O maldito nó em minha garganta voltou. - Você ainda fez o favor de me magoar e piorou tudo...
- Cara,eu já te pedi desculpas! - Disse,impaciente. - Você pode ter essa crise de identidade,mas não sozinha! Você só tem dezoito anos.
- E você só é quatro anos mais velho que eu,e isso não significa que você saiba mais!
- Eu sei mais sim!
- Não sabe não! - Bradei. - Eu preciso me conhecer,preciso aprender a lidar com a morte de minha mãe...
- Sabe qual é o problema?! O problema é que você nunca se abre sobre isso. Desde que eu te conheci você nunca falou abertamente sobre isso com ninguém!
- Eu não gosto de falar! - Senti meus olhos marejarem.
- Aí você não fala e fica aí,tendo essa angústia toda... Ainda quer morar sozinha. - Balançou a cabeça em negação.
- Cara,eu não tenho ninguém! Eu sou sozinha,falou? Eu não tenho ninguém nessa merda de vida! - Senti as lágrimas descerem sem parar. - As duas pessoas que eu mais confiava me chatearam! - Limpei o rosto. - E eu vou morar sozinha sim! Não preciso de sua permissão. - Conclui,firme.
- Então faz o que você quiser! - Me fitou,com raiva. Abriu a porta e saiu,a batendo com força.
Fiquei ali,parada de frente para a porta,ouvindo o silêncio do ambiente e a gritaria de minha mente. Tudo estava dando errado e eu tinha acabado de brigar com Dave para piorar. Eu não tinha mais controle das minhas lágrimas,chorava muito. Peguei minhas coisas,a caixa de papelão com lixo,apaguei as luzes e saí,trancando a porta. Andei pelo corredor até o portão. Me virei de costas para a rua para trancar o portão,sentindo dificuldades por estar com uma caixa nos braços e por não enxergar direito por contas das lágrimas. Quando me virei novamente para ir para o ponto de ônibus,esbarrei em dois morenos de cabelos grandes.
A caixa de papelão se estatelou no chão quando me choquei com os dois. Sem olhar para eles,me abaixei,começando a catar os lixos,vendo minhas lágrimas caírem no asfalto.
- Desculpa. - Murmurei.
- Tudo bem. - Um deles abaixou e começou a me ajudar. - Só olhe por onde anda.
- Ou se quiser pode trombar assim com a gente sempre que quiser. - Disse o outro,se abaixando também.
Funguei e passei as mãos pelo rosto,limpando as lágrimas antes de finalmente fitá-los. Quando olhei para seus rostos,senti uma certa euforia,não posso negar.
- Ei,nós conhecemos você! Você é aquela morena bonitona que deu em cima de mim na casa da Nina Bianchi. - Mike sorriu,aquele sorrido safado.
- É verdade! Você tava bêbada até. - Sean deu uma risadinha.
- É... Sim. - Concordei.
Os dois me olharam com atenção e enfim trocaram olhares.
- Tá tudo bem com você? - Sean me fitou seriamente.
- Sim. - Respondi,engoli em seco,tentando aliviar o novo nó na garganta que surgia.
- Não parece! Você estava chorando. - Mike apontou para meu rosto. - Ou tava chorando de emoção por esbarrar nos bonitões aqui? - Apontou para os dois.
Ainda estávamos os três abaixados,olhando um para a cara do outro. A agonia em meu peito falou mais forte e o silêncio que se instalou ali me deixou desconfortável. Eu estava me sentindo péssima e não consegui controlar as novas lágrimas que desciam.
- O que a gente faz? - Sean cochichou para Mike.
- Eu não sei! Conta umas piadas aí,tu não é o comediante?
- Ah,vai se foder,cara! Ei, - chamou minha atenção - você mora aqui?
Fiz que não com a cabeça.
- Nós vamos te levar em casa. - Mike se levantou,estendendo sua mão para eu ajudar. A observei por uns segundos antes de finalmente aceitar a ajuda. Nos levantamos e fomos para o ponto de ônibus em silêncio. Paramos lá e eu suspirei,tentando parar de chorar,mas eu não conseguia,estava sem controle da situação.
- Quer um abraço? - Sean perguntou,coçando a cabeça,parecendo preocupado.
Assenti e ele abriu os braços,me convidando. Passei meus braços por sua cintura e encostei minha cabeça em seu peito,sentindo seus braços me puxarem para perto.
- Tem um ônibus vindo. - Mike alertou e fez sinal para que o automóvel parasse.
Assim que subimos,sentamos nas cadeiras. Eu e Sean fomos um do lado do outro e Mike sentou no banco da frente,de lado para nos olhar.
- O que é da Nina? - Mike perguntou.
- Sou amiga. - Respondi secando algumas lágrimas.
- Você mora na casa dela?
- Morava,mas agora eu estou passando um tempo na casa de uma outra amiga minha até se mudar para aquela vila.
- Nós vamos ser vizinhos. - Sean falou num tom animado.
- Ah,que legal!
- Sim... Qual é o seu nome?
- Mariah Wood.
- Quantos anos você tem? - Mike questionou.
- Dezoito.
- Só isso? - Franziu o cenho. - Sua beleza nos faz achar que tem mais.
- Para de dar em cima dela! - Resmungou Sean.
- Eu não estou dando em cima! Tu sabe que quando eu quero dar em cima eu invisto pesado... Mas ela está triste,não vou fazer isso.
- Milagre você não ser inconveniente! - Sean sorriu,tirando uma risadinha de mim.
De alguma forma os dois conseguiram me distrair até o caminho em casa. Estava com a chave do apartamento da casa de Izzy,ela iria sair com Kurt aquela noite.
Chegamos lá e os dois subiram comigo. A primeira coisa que enxergaram lá foi uma foto de Izzy e Kurt no porta retrato em cima da cômoda da sala.
- Essa sua amiga namora o Cobain? - Mike questionou,curioso,enquanto segurava a foto nas mãos.
- Sim. - Respondi,fechando a porta.
- Caramba! Duas amigas que conhecem bandas de grunge... Você conhece outras bandas também? - Sean perguntou,já sentado no sofá.
- Bom... - Me sentei ao seu lado - eu conheço vocês,alguns do Pearl Jam e todos os meninos do Nirvana. - Suspirei.
- E já ficou com algum integrante de banda? - Mike me fitou,sugestivo.
- Eu namoro com o Dave Grohl. - Dei uma risadinha.
- Ah,entendi. - Deu de ombros e sentou ao meu lado.
- Desculpa perguntar mas,por que estava chorando? - Sean me fitou.
- É,aconteceu alguma coisa? - Disse Mike.
Olhei para os dois e suspirei,eu precisava falar com alguém e falaria com eles mesmo.
- Minha mãe foi assassinada meses atrás. Fugi da minha cidade por conta disso. Meu pai abandonou minha mãe quando ela estava grávida,ou seja,eu não tenho ninguém no mundo. E para completar toda a desgraça que eu vivo,tive uma briga com o Dave antes de sair da vila.
Os dois se olharam e me observaram em seguida. Pareciam sem saber o que dizer.
- Sinto muito. - Mike falou,parecendo comovido.
- Caramba... Olha,o Jerry também perdeu a mãe cedo,se você quiser podemos chamar ele para te dar uns conselhos. - Sean contou.
- Quem sabe. - Dei de ombros. - Foi por isso que eu estava chorando,eu estou mal,sabe?
- Entendemos. - Disse Mike. - Quer falar sobre isso?
Respirei fundo,ponderando sobre aquilo. Eu me sentia mal porque por incrível que pareça eu estava com vontade de falar. Mas o ruim era que eu abriria com dois "estranhos".
- Bom,eu gosto de falar da minha mãe,mesmo que eu não fale há muito tempo. Ela era branca,tinha os cabelos lisos e eu sou bem parecida com ela de rosto e de corpo.
- Então seu pai é moreno? - Sean questionou.
- Bom,eu não sei nada sobre ele,mas acredito que ele seja,porque eu sou morena.
- Não sabe nem o nome dele? - Indagou Mike.
- Não!
- Você não tem primos,irmãos?
- Não,Sean. - Suspirei. - Sou totalmente sozinha.
- Bom,você não pode afirmar isso já que não conhece seu pai.
- Tem razão. - Mike concordou.
- Eu nunca parei para pensar sobre isso. - Coloquei as mãos na testa,intrigada. E se eu tivesse alguém,tipo um irmão,primo e não soubesse? - Bom,vou pegar uma foto dela,já volto. - Fugi da sala e fui até o quarto de Izzy onde minhas malas estavam. Eu estava um pouco afobada com a ideia de ter algum parente. Peguei uma foto minha e de minha mãe e corri para a sala. - Aqui. - Entreguei para Sean.
Fiquei de pé,vendo os dois observarem a foto. Por um segundo achei que tinha algo errado porque os dois simplesmente franziram o cenho e se olharam.
- Essa é você? - Mike me olhou de um jeito estranho.
- Sim. - Respondi insegura.
- E essa é a sua mãe?
- É.
- Ahn... - Sean murmurou.
Mike olhava para a foto e para mim o tempo todo,meio assustado. Sean parecia estar sem reação.
- O que foi? - Indaguei,já nervosa.
- É... Você era uma criança linda mas precisamos ir agora. - Mike se levantou,parecendo perdido.
- É,nós... Nós temos que ir. Foi um prazer. - Sean se levantou e os dois saíram pela porta com pressa,sem nem se despedir.
Fiquei olhando para a porta fechada,tentando entender o que tinha acabado de acontecer. Algo estranho estava acontecendo.
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