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[ C A R T A P E R D I D A ]
14 de Abril de 1912,
Ao avistar o Titanic pela primeira vez, eu me senti minúscula diante tamanha grandeza de algo feito por mãos humanas, capaz de desbravar sob as águas tão assustadoras do oceano. Foi um evento único, e em meu mais profundo ver, o exato ponto onde me senti viva, partindo para uma aventura tal qual não consegui mensurar no momento.
A companhia de Nico foi a minha constância e a âncora que necessitei durante nosso tempo em alto-mar. Tê-lo ao meu lado durante os passeios matinais ou suas conversas desconcertantes na calada da noite quando nenhum de nós encontrava refúgio no mundo dos sonhos, tornou minha experiência acalentadora.
A sociedade britânica sempre viveu submersa em preto e branco, como uma pintura da mais remota aristocracia clássica, onde regras escritas à sangue devem ser seguidas sem questionamentos; onde nos é incubida a beleza e elegância para que o mundo nos adore como madames em requinte.
Nico me pegou pela mão hoje após o jantar, me ofereceu uma diversão diferente do que eu esperava para a viagem. Sabia, desde muito tempo, das fugas de meu irmão aos pubs para danças e bebidas na madrugada londrina, e ainda mais durante as crises na empresa. Era um espírito livre, mascarado em sua pose de empresário; herdeiro aristocrata.
Ele me puxou para baixo, aos andares inferiores ― longe da silenciosa Primeira Classe ― distante de tudo que eu já vi ou ouvi. Me guiou por corredores coloridos, com música e vida, com risadas que vinham do coração; vi danças, pessoas já de rostos corados e palavras turvas, homens e mulheres em cima de mesas em folias privadas; grupos girando em torno de casais no centro de uma roda, aplaudindo e assobiando.
Observei, distante, a mão de meu irmão ser tomada pelo médico loiro com sorriso radiante, o puxando em uma dança sem guia ― o coração e o ritmo de seus pés seguindo o compasso das palmas ―, me peguei rindo, aplaudindo-os, eufórica naquele mundo que nunca me pertenceu.
Perdi meu irmão tarde da noite, quando as pessoas baixaram suas empolgações, usando da mesa como apoio enquanto caíam no sono. O vi subir de mãos dadas com o rapaz ― William era seu nome, se não me engano ―, e entendi que aquele momento da noite lhes pertencia; como dois amantes finalmente em paz. Eu sorria e ardia na dança com as mulheres ainda restantes, e como no final de uma noite digna retornei ao quarto, enxergando aquarela nas paredes decoradas da primeira classe.
Me joguei em minha cama e vivenciei um novo quadro ser pintado dentro daquele navio e eu sei ― tão profundamente quanto minha alma romântica me permite ― que não fui a única a achar vida dentro das paredes do navio.
Essa noite foi a mais incrível de minha vida, e espero que o dia de amanhã seja ainda melhor. Mandarei esta carta assim que chegarmos em Nova Iorque, espero que esteja bem, minha mãe, pois meu irmão e eu encontramos um pico de felicidade que ansiamos em poder compartilhar com a senhora o quanto antes.
Aguardo ávida em poder lhe ver outra vez, e contar mais histórias que queimam e fervem eu meu peito agora tão leve.
Com amor, de sua pequena flor,
Bianca di Angelo.
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